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A estratégia de inserção em redes globais de fornecimento de empresas

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3. Estratégias das empresas

3.1 A estratégia de inserção em redes globais de fornecimento de empresas

A tendência de aquisição externa (global) de componentes representou, para muitas empresas chinesas, uma oportunidade estratégica importante. Essa tendência se tornou viável a partir do desenvolvimento da tecnologia da informação, da globalização e do surgimento da produção modular. No mercado chinês, tornou-se crescentemente utilizada em decorrência do acirramento da concorrência, que fez com que as empresas tivessem de buscar arranjos alternativos para reduzir custos e aumentar a flexibilidade para introduzir novos produtos e diversificar a linha de produção.

A modularização reduz as barreiras à entrada, ao mesmo tempo que permite a apreensão da tecnologia, acelerando a curva de aprendizado ou mesmo tornando dispensáveis esforços de P&D. Para muitas empresas, o sistema funciona como um experimento/aprendizado de técnicas gerenciais modernas e, indiretamente, da operação em mercados externos. As firmas domésticas chinesas mais produtivas são aquelas que possuem parceiros estrangeiros, participam de mercados internacionais ou se defrontam com a concorrência internacional. A China está se beneficiando com a transferência de tecnologia que resulta desse processo, que possibilita ganhos de eficiência no ciclo do produto (maior competição entre os fornecedores) e flexibilidade para adaptação a novas linhas de montagem, facilitando a migração para novos produtos.

Algumas indústrias são mais permeáveis à modularização do que outras. De um modo geral, percebe-se que a capacidade tecnológica das empresas chinesas tem se mostrado mais avançada nas indústrias em que esse sistema é possível, como a eletrônica. Nas indústrias de processo, como química e farmacêutica, a possibilidade de divisão do trabalho e modularização é muito menor. Desta forma, espera-se que o avanço das empresas chinesas nessas áreas seja mais lento. Outras indústrias, como a automobilística, encontram-se em posição intermediária.

A estratégia de participação em redes de fornecimento de empresas globais pode ser vista, de um lado, como um movimento espontâneo das empresas no sentido de aproveitar uma oportunidade histórica (uma “janela de oportunidade”). De outro lado, pode-se considerar que a criação de elementos de atratividade para o investimento externo direto na China, pilar central para a concretização dessa estratégia, constitui uma face explícita de política de indução conduzida pelo governo.

Nesse sentido, como fatores de atratividade, além da dimensão, diversidade e do ritmo acelerado de expansão do mercado interno, e da oferta abundante de mão-de-obra e outros fatores produtivos a custos competitivos, destacam-se a disponibilidade de infra-estrutura adequada de transportes, logística e telecomunicações, muitas vezes concentrada em clusters, e a concessão de uma série de incentivos, inclusive fiscais, para a instalação de empresas multinacionais em diferentes regiões da China.

No que diz respeito ao interesse das empresas multinacionais em operar com empresas chinesas, além da identificação dessa estratégia como alternativa eficaz para reduzir custos e adquirir a flexibilidade necessária para concorrer no mercado, e do reconhecimento de que as empresas chinesas possuem maior conhecimento a respeito das características particulares da demanda local, a necessidade de estabelecer “vínculos” adequados para receber autorização e levar adiante determinadas atividades constitui uma característica institucional própria do Estado chinês que contribui para criar uma vantagem competitiva para as firmas domésticas.

Em busca de redução de custos, as EMNs adotam ações diretas com o objetivo de adequar o produto da fornecedora chinesa às especificações requeridas. Oferecem apoio tecnológico, garantia bancária (se necessário) e experiência comercial, por exemplo, de construção de marca.

De sua parte, como fornecedoras de grandes empresas globais, as empresas chinesas procuram adaptar-se às exigências das empresas clientes. Associadas a empresas globais, as empresas chinesas são induzidas a introduzir inovações de produto em caráter sistemático, para o que contam com tecnologia das mais variadas origens, com destaque para os Estados Unidos, o Japão, países europeus e a Coréia do Sul. Assim, as empresas chinesas encontram caminhos alternativos para superar a deficiência de capacidade interna (à empresa) para inovação79.

O papel desempenhado pelas empresas multinacionais na China é, portanto, fundamental e completamente distinto daquele desempenhado por essas empresas em outras experiências asiáticas de catch-up ocorridas na segunda metade do século XX (Box 7 – O papel das empresas multinacionais em Cingapura e na Coréia do Sul).

79 A análise da distribuição dos diferentes tipos de patentes entre proprietários domésticos e externos ilustra com clareza esse quadro. No ano de 2002, 73% das patentes de invenções eram de proprietários estrangeiros e somente 27% de proprietários domésticos. No mesmo ano, 99% das patentes de modelo de utilidade eram de proprietários domésticos e 1% de proprietários estrangeiros (Fonte: China Science and Technology Statistics Yearbook, 2003, Beijing, apud Liu, 2005).

Box 7 – O papel das empresas multinacionais em Cingapura e na Coréia do Sul

Em Cingapura as empresas multinacionais são, junto com o Estado, os principais atores no processo de desenvolvimento tecnológico. Sua importância reside não apenas no aporte de capital mas, principalmente, na transferência de tecnologia e no acesso a mercados internacionais. A estratégia de atração de empresas multinacionais contribuiu para compensar a inexistência de uma classe industrial empreendedora local, fundamental no processo de catch-up”. Cingapura é a economia com a maior taxa de participação do investimento externo direto no total do investimento interno bruto dentre os países da Ásia (46% em 2003, segundo a Unctad, WIR, 2004).

A estratégia de uso direcionado do investimento direto estrangeiro para aperfeiçoar o setor industrial, transformando-o em centro de produção avançado e especializado, plenamente integrado ao sistema global das empresas multinacionais líderes, levou o governo a introduzir diversas modalidades de incentivos aos investidores estrangeiros. O custo de transação reduzido (fator que não existe na China) foi elemento fundamental na estratégia de atração de investimento externo direto para o país. O objetivo principal foi incentivar as empresas multinacionais a transferirem para o país suas atividades de pesquisa e desenvolvimento.

A inserção das empresas multinacionais em Cingapura difere do padrão observado na China. Nos dois casos, o papel das empresas estrangeiras nas exportações e no aporte de tecnologia e de capacidade gerencial foi fundamental. Também nos dois casos, as empresas domésticas se inseriram como fornecedoras das empresas estrangeiras. No entanto, em Cingapura a importância das multinacionais esteve relacionada à sua atuação direta na economia, ao passo que na China o fundamental foi o papel que desempenharam na viabilização da estratégia tecnológica e de inserção comercial das empresas domésticas. Em estágio mais avançado, em algumas indústrias, as empresas chinesas passaram a estabelecer relações de parceria em condições de igualdade com as empresas multinacionais. O aporte de investimento por empresas multinacionais também não teve relevância no caso chinês.

Na Coréia do Sul, as estratégias de transferência de tecnologia basearam-se na realização de intensos esforços internos de P&D e de engenharia reversa por parte das empresas inseridas nos conglomerados. Foram adotadas políticas seletivas quanto ao acesso do capital estrangeiro ao mercado local, diferente das experiências chinesa e cingapuriana. Nas raras situações em que foi permitido o acesso de empresas multinacionais, como no caso do investimento japonês na indústria naval, os investidores estrangeiros foram induzidos a difundir suas tecnologias localmente.

Uma das estratégias adotadas pelos conglomerados coreanos para ter acesso a tecnologias estrangeiras foi através do sistema denominado de OEM (Original Equipment Manufacturing). Em um contrato de OEM o produto é produzido de acordo com as especificações do cliente, geralmente uma empresa multinacional, que o vende com a sua própria marca. Muitas empresas multinacionais americanas e japonesas, sobretudo no setor de ICT (Information and Computer

Technology), contrataram empresas coreanas nesse sistema a partir dos anos 1970. Dessa forma,

empresas coreanas adquiriram capacitações diversas, beneficiando-se do apoio das empresas multinacionais para seleção de equipamento, treinamento de gestores, engenheiros, apoio técnico para produção, financiamento e gestão. O aprendizado local era estimulado porque a empresa contratante dependia de qualidade e prazos assegurados, além de preços atrativos.

Embora nessa fase os fluxos internacionais de tecnologia tenham sido basicamente unidirecionais, o sistema de OEM constituiu uma estratégia eficiente que permitiu intensificar os vínculos das firmas coreanas com a fronteira tecnológica, com os mercados, acessar recursos e habilidades, serviços e outros fatores necessários, vincular-se a redes/sistemas de inovação locais..

A independência com relação ao investimento direto externo permitiu que já nas primeiras décadas do processo de emparelhamento sul-coreano a produção e as exportações de alta tecnologia da Coréia do Sul apresentassem elevado grau de integração local, tanto de equipamentos como de componentes e insumos.

Nota: Ramstetter, E. Employment-Related Characteristics of Foreign Multinationals in Selected

Asian Economies. Documento explicativo para a Unctad. In World Investment Report 1994, Genebra, 1994. Apud Lall (2005).

Pesquisa da Economist Intelligence Unit (2005) identificou que as empresas multinacionais não são vistas pelas empresas domésticas chinesas como suas principais rivais. Estas apontam como principais concorrentes as grandes SOEs e, em seguida, outras empresas domésticas. De fato, enquanto com as empresas multinacionais são desenvolvidas relações de cooperação, com as grandes SOEs e com empresas privadas domésticas existe concorrência, inclusive com relação ao acesso a financiamento, no caso das SOEs.

Considerando as particularidades das estratégias tecnológicas e de inserção comercial das empresas chinesas, bem como a cronologia dos movimentos e as tendências recentes, Liu (2005) concebe a experiência de catch-up da China como um modelo em duas etapas. A primeira, estruturada a partir da oportunidade da aquisição e fornecimento de componentes e tecnologia em âmbito global (outsourcing) e pela possibilidade de produção no sistema modular, caracteriza-se pela produção simples, completamente orientada para o mercado e alimentada por inovações incrementais. Nessa etapa, as principais fontes de vantagem competitiva chinesa são o conhecimento da demanda local e o baixo custo.

A segunda etapa contempla a formação de alianças estratégicas com parceiros internacionais e a realização de P&D em países avançados. Nesta etapa a empresa chinesa pode ser considerada um inovador complexo, já que se torna capaz de introduzir tanto inovações de processo como de produto. Nessa etapa existe maior conhecimento a respeito do mercado global e a possibilidade de consolidação de marcas chinesas no exterior.

Nas duas etapas destaca-se a formação de estratégia original e de certa forma espontânea por parte das empresas que lhes permite reduzir custos e ter acesso a tecnologias avançadas, tornando, assim, possível acelerar o aprendizado e reduzir o tempo necessário para introduzir novos produtos. Os dois atributos constituem fatores fundamentais para alavancar as empresas chinesas.

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