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Heranças históricas

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2. Contexto institucional

2.1 Heranças históricas

A grandiosidade da história da China seguramente carrega diversos elementos cujos impactos na atualidade de alguma forma se fazem presentes. Não é possível, no escopo desta tese, recuperar sequer parte dessa riqueza. No entanto, alguns aspectos mais evidentes merecem ser mencionados, ainda que brevemente.

Um primeiro aspecto diz respeito ao papel das ameaças externas, de longa data, e no período histórico mais recente, das invasões japonesas, na busca da soberania nacional. O reconhecimento de que os comunistas foram os principais responsáveis por impedir a colonização do país pelos japoneses, quando estes voltaram a invadir a China, entre 1937 e 1945, foi um fator importante para o fortalecimento do Partido Comunista Chinês e para que este obtivesse o apoio necessário para a instauração da República Popular da China, em 1949. A mesma busca de soberania explica, em grande parte, o empenho do Estado-Partido, nas últimas décadas, no sentido de estimular os esforços de aprendizado e de capacitação por parte das empresas chinesas, necessários para o desenvolvimento de tecnologia proprietária, evitando a dependência com relação à tecnologia estrangeira.

A China mantém relações diplomáticas normais com o Japão e as primeiras empresas multinacionais que ingressaram no país foram japonesas. Havia a percepção clara de que o Japão já tinha avançado muito e que modernas tecnologias, habilidades e conhecimento poderiam ser assimilados de empresas japonesas. Mas a entrada dessas empresas na China esteve sujeita às mesmas políticas adotadas com relação às multinacionais de outros países, sempre defendendo os interesses soberanos da China.

O movimento recente dos Estados Unidos de aproximação com o Japão, utilizando Taiwan como pretexto para os dois países se aliarem (na defesa da independência da Província) contra os interesses geopolíticos da China, pode eventualmente balançar as relações entre China e Japão. Por traz da questão específica de Taiwan, os Estados Unidos e o Japão certamente já perceberam a importância de constituir um contraponto ao poderio

62 É importante ressaltar, mais uma vez, que não se pretende, nesta tese, reconstituir a história da China. Por sua riqueza de acontecimentos e pelo dinamismo que decorre da transição permanente, esta tarefa seguramente está além das minhas possibilidades. Para uma referência inicial, ver Fairbank, John King and Goldman, Merle.

China – A new history. Belknap; Harvard, Enl. Ed., 2002 (First Ed., 1992). Pomar, W. A Revolução Chinesa. São

Paulo: Unesp, 2003; Roberts, J.A G. A Concise History of China. Harvard Univ. Press, 1999; Spence, J.D. Em

econômico, político e militar da China. O Japão chegou a rever as restrições de investimentos bélicos que constavam de sua Constituição interna, desde a assinatura de acordos de paz no pós-Guerra, e a realizar investimentos nesse campo, em consonância com os interesses norte- americanos. A China, por sua vez, não possui qualquer interesse em estremecer suas relações econômicas com qualquer dos dois países, mas também não deverá abrir mão de Taiwan (Johnson, 2005).

Um segundo aspecto, relacionado à dimensão do território chinês e presente desde os tempos primitivos, diz respeito às ameaças de desagregação por forças internas, que se alternavam com movimentos de unificação. Algumas regiões são tão distantes da capital, Pequim e, ao mesmo tempo, tão próximas de outros países, que acabam estabelecendo relações mais estreitas com aqueles países do que com o próprio governo chinês. De um modo geral, muitas regiões são tão afastadas que assumem perfis e adotam políticas sobre as quais o governo central no mínimo não possui controle completo. O controle dos governos locais por parte do Partido Comunista Chinês central é, na atualidade, uma de suas principais preocupações, ainda que, como será argumentado na tese, constitui talvez uma das principais fontes de soluções criativas e inovadoras que têm contribuído para levar adiante, com sucesso, a experiência de “catch-up”.

A Revolução Comunista conduzida por Mao (1952-76) também deixou legados importantes para o período subseqüente. Foi adotado um sistema econômico nos padrões soviéticos, caracterizado pela planificação e pela coletivização agrícola e por um modelo de industrialização baseado na indústria pesada, com as empresas estatais desempenhando papel central. O sistema impôs a operários e camponeses a redução do seu nível de renda e gerou outros problemas econômicos relacionados à ineficiência, à escassez de produtos, ao desemprego e à segregação rural-urbana. A influência do modelo soviético fez-se presente, da mesma forma, sobre o sistema de ensino e sobre as estratégias de desenvolvimento tecnológico que, nessa fase, caracterizavam-se por elevado grau de centralização e pela ausência de incentivos à inovação.

Após uma série de tentativas visando enfrentar os problemas econômicos, em 1966 Mao instituiu a Revolução Cultural, que durou dez anos. Durante esse período, a China realocou parte expressiva de sua estrutura industrial para as atividades relacionadas à indústria militar e de defesa, e o sistema educacional ficou praticamente fechado. Além da pobreza generalizada, a Revolução Cultural gerou explosão demográfica, reduziu a disponibilidade de recursos naturais (em decorrência da exploração predatória) e de capital humano (em todos os segmentos, com destaque para os profissionais de gestão, que passaram a ser tão procurados

no período seguinte), além de criar um trauma na sociedade relacionado à sensação de que o país oscila sempre entre extremos, o que fez consolidar uma ideologia hostil a qualquer tipo de reforma radical.

A morte de Mao e o fim da Revolução Cultural, em 1976, abriram caminho para a introdução de importantes reformas institucionais, a partir de 1978, que conduziram a economia chinesa a um crescimento econômico sem precedentes, aproveitando (pelo menos inicialmente) as lacunas (de eficiência/produtividade e de renda) acumuladas durante a Revolução. O caráter gradual que as reformas assumiram – e que se preserva até o presente – seguramente tem sido influenciado pela experiência anterior do país.

Finalmente, o programa de planejamento familiar, de 1979, que estabeleceu que cada casal poderia ter somente um filho, reduziu a taxa de crescimento da população e deverá promover uma transição demográfica relevante, levando ao envelhecimento da população e à emergência de um importante desafio nas próximas décadas. Até 1978, a demanda por serviços de saúde, educação e bem estar social eram atendidas fundamentalmente pelas empresas estatais, que estendiam tais serviços ao conjunto da família do profissional empregado.

Com a redução da participação destas empresas na economia e a diminuição na oferta destes serviços, por parte das empresas estatais que permanecem, a demanda pelos mesmos vem sendo suprida pelas próprias famílias, conforme a tradição milenar no país de que os membros mais jovens devem cuidar dos mais idosos. No entanto, o envelhecimento da população tende a aumentar a demanda por tais serviços e reduzir a disponibilidade de indivíduos com idade para contribuir para a sua provisão, ao mesmo tempo em que a redução do tamanho das famílias tende a diminuir as possibilidades de solução do problema no âmbito intra-familiar, como ainda acontece hoje. A própria ocidentalização, mesmo que lenta, da China, pode contribuir para enfraquecer essa “rede natural de proteção” na sociedade.

À luz da questão anterior, para Sigurdson (2005), a disponibilidade atual de mão-de- obra ainda relativamente barata, e com qualificação crescente, constitui uma “janela de oportunidade” que deve ser explorada para tornar possível o financiamento futuro destas despesas. Para tanto, o país deve empreender todos os esforços necessários para promover as indústrias intensivas em conhecimento, avançando, assim, na direção do necessário enriquecimento da sociedade.

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