• Nenhum resultado encontrado

As empresas estatais (State Owned Enterprises SOE)

No documento Download/Open (páginas 103-106)

2. Contexto institucional

2.2 O papel desempenhado pelo Estado-Partido chinês

2.2.4 As empresas estatais (State Owned Enterprises SOE)

Em 1949, no contexto da Revolução Comunista, Mao nacionalizou todas as firmas estrangeiras e domésticas, criando as empresas estatais (State Owned Enterprises - SOEs). Essas empresas tornaram-se instrumento do planejamento governamental, com seus gestores indicados pelo Estado.

Com o início das reformas econômicas conduzidas por Deng Xiaoping, a partir de 1978, aprofundadas nos anos 1990s por Jiang Zemin e, mais recentemente, por Hu Jintao, a perspectiva do governo com relação a essas empresas passou a incorporar progressivamente a necessidade de que sejam tratadas como entidades de negócios. Em comunicado recente, o PCC declarou que “as SOEs em outros setores e áreas devem sobreviver com base em uma concorrência justa de mercado”. No entanto, ainda prevalece a prática de uso das empresas estatais como instrumento da política tecnológica, industrial e de inserção comercial do país e, com esse intuito, essas empresas recebem tratamento diferenciado pelo governo.

Existem dois grandes grupos de empresas estatais. O primeiro, conhecido como das “campeãs nacionais”, compreende 196 grandes SOEs (em 2006), supervisionadas pela Comissão para Administração e Supervisão dos Ativos do Estado (State Assets Supervision

71 Mesmo com relação às questões de natureza social e ambiental, acredita-se que o Partido já tenha diagnosticado e percebido a importância de dar respostas à sociedade. A discussão em curso a respeito de um sistema de previdência social é um exemplo. A ausência de liberdade política permanece como único ponto obscuro. No entanto, este quadro não é característica especial da China (a maior parte dos países asiáticos desenvolveu-se em regimes políticos autoritários) e o crescimento econômico contribui para diminuir as resistências e insatisfações. A complexidade destes temas também exigiria uma investigação à parte, que foge ao escopo da presente tese.

and Administrative Commission - SASAC). A idéia é que essas empresas devem atuar como

pilares e dar suporte para o crescimento de firmas menores. Em alguns casos, são obrigadas a se fundir com empresas mais fracas. Podem também ser chamadas a promover a integração vertical ou horizontal com outras empresas do setor industrial, o que faz lembrar o papel que desempenhavam durante a fase da autosuficiência maoista. A estratégia do SASAC de manter controle sobre essas empresas está associada à necessidade identificada pelo governo central de atuar diretamente sobre setores industriais estratégicos.

O portfolio de campeãs nacionais inclui as indústrias de telecomunicações, automobilística, naval, siderurgia, petróleo, aviação, dentre outras72. A maior parte dessas empresas possui subsidiárias através das quais detém ativos de outras companhias, embora a

holding permaneça nas mãos do Estado, que é proprietário da totalidade das ações, as quais

não são comerciáveis.

O chamado “time B” reúne as demais SOEs (146 mil, em 2003), que não são objeto de tratamento preferencial. A maior parte dessas empresas são pequenas e médias, controladas por governos locais. Teoricamente, esse grupo poderia ser privatizado, mas o governo tem conduzido esse processo tendo em conta considerações relativas à estabilidade social, ao bem estar dos trabalhadores e aos impactos fiscais. O resultado é um processo gradual e “low

profile” consistente com o procedimento adotado com relação a outras reformas no país. O

termo Gaizhi, que significa “transformando o sistema”, denota tal processo (Garnaut et al., 2005).

Ocorrem eventualmente tensões entre o grupo das campeãs e o “time B”. No setor de aço, por exemplo, em 2005, com o objetivo de viabilizar a produção de aço com padrões de qualidade aceitáveis pela indústria automobilística, o governo central interveio, forjando a formação de uma espécie de conglomerado no estilo dos chaebols coreanos. Tal medida representava uma reversão da política de desconcentração das plantas produtivas e de ocupação do interior e implicava o esvaziamento do chamado “time B”, gerando reações críticas por parte dos governos locais afetados.

Muitas empresas estatais abriram recentemente o capital nas bolsas de Shanghai e Shenzen. A maior parte delas é de grandes SOEs, o que é perfeitamente compreensível em vista da prioridade que os dois mercados conferem às estatais de grande porte, em detrimento

72 China Mobile, China Shipbuilding Industry Group, COSCO, Sinopec, Minmetals, COFCO, China Resources, China Merchant Ship Navigation, Baosteel, China Eastern Airlines, China Southern Airlines, Air China e China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) são alguns exemplos.

de SOEs menores ou mesmo de outras firmas privadas. Em sua maioria, a abertura de capital das grandes SOEs esteve diretamente ligada a processos de privatização.

A participação do Estado no PIB chinês que até 1977 era superior a 40%, reduziu-se para 32% em 1980, 22% em 1985 e desde 1995 mantém-se na faixa de 10%73. Isso ocorre, basicamente, com uma participação pequena em um número grande de empresas, concentrando as maiores participações em empresas e áreas estratégicas.

Tomando apenas as empresas estatais, essas em 1980 respondiam por mais de três quartos do investimento em ativos fixos na China. Em 1990 representavam dois terços e, em 2004, pouco mais de um terço. No entanto, é necessário frisar que ainda desempenham papel importante na economia, atuando em áreas estratégicas, inclusive no que diz respeito às atividades de P&D. Grande parte da pesquisa básica e da inovação tecnológica é feita na Academia Chinesa de Ciências (CAS), em institutos de pesquisa dos Ministérios (cada Ministério tem seu próprio instituto de pesquisa), em grandes universidades e nas empresas estatais.

A diversidade de tipos de firmas na China é uma das características mais marcantes da especificidade histórica dessa economia. Os padrões, tanto da estrutura de propriedade do capital como da tomada de decisões, são muito distintos do que é conhecido no ocidente e mesmo das variantes asiáticas. Decorrem do caminho específico percorrido pela China em sua transição de economia planificada para uma economia com elementos de mercado.

Basicamente, existem graus variados de participação do Estado, do capital privado nacional e do capital estrangeiro, que configuram firmas com diferentes denominações e direitos. A participação do Estado é uma condição de interesse direto do PCC, que permite a ingerência do governo em decisões estratégicas das firmas. Ao mesmo tempo, ela atende ao interesse do capital privado, na medida em que, em diversas situações, constitui o único caminho possível para o acesso a recursos em condições especiais como, por exemplo, o financiamento bancário.

A inserção das SOEs na economia chinesa e a transição gradual e específica em curso atende a objetivos estratégicos do governo, ainda que traga consigo um grau aparentemente elevado de ineficiência econômica.

No documento Download/Open (páginas 103-106)