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A relação entre Estado, mercado e sociedade

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1. Marco conceitual

1.1 Instituições

1.1.6 A relação entre Estado, mercado e sociedade

Retomando Polanyi, uma dimensão essencial de seu trabalho é a idéia de que o Estado é pré-requisito para a formação de relações de mercado e que este último depende da atuação do Estado tanto na sua origem, como para a sua preservação. Com uma perspectiva distinta, Weber (1968 [1904-1911], 1395, n.14, apud Evans, 1995) investiga o tipo de organização interna que dá ao Estado capacidade para construir mercados e promover o crescimento. Com base na análise de sociedades de mercado estabelecidas, o autor argumenta que a operação de empresas capitalistas em larga escala depende da existência de um tipo de ordem que somente um Estado burocrático moderno pode prover.

“Capitalism and bureaucracy have found each other and belong intimately together”.

Os burocratas de Weber consideram que os seus interesses estão atendidos se cumprem seus deveres e conseguem realizar os objetivos do coletivo – da sociedade. Usar as prerrogativas do Estado para interesses privados corresponde a formas pré-burocráticas. A

15 Essa proposição, que foi chamada de Lei de Hirschman estava relacionada à idéia de que países atrasados poderiam “queimar etapas”. O exemplo utilizado por Hirschman era que, na Colômbia, o uso do avião era mais eficiente do que o uso das estradas.

superioridade do Estado burocrático moderno reside na sua habilidade de sobrepor-se à lógica individualista.

Box 2 – As bases metodológicas de Hirschman

O artigo “A base metodológica da economia do desenvolvimento de Hirschman: modelo de padrões versus leis gerais”, de Charles Wilber e Steven Francis (1988), apresenta de forma esquemática as bases metodológicas de Hirschman.

• O formalismo positivista de Popper, base da teoria da firma neoclássica bem como dos modelos de crescimento equilibrado e etapistas, deve ser substituído pelo método indutivista, que parte da observação da realidade para elaborar hipóteses explicativas. • A ciência econômica, não sendo uma ciência exata, deve ater-se a encontrar explicações para os fenômenos – e não tentar prevê-los.

• O objeto deve ser tratado a partir de uma abordagem holística, sistêmica e evolutiva. • É necessário combinar a análise econômica com contribuições de outros campos do conhecimento. As conclusões a respeito de diversos problemas podem estar além da racionalidade econômica.1

• É fundamental que o objeto em estudo não seja dissociado de seu contexto.

• A estrutura da análise deve ser concatenada (levando em conta diversos elementos ao mesmo tempo, por ex., distribuição da renda, desequilíbrio do Balanço de Pagamentos, estrutura da indústria), não hierárquica (parte de uma teoria geral e formula hipóteses). • Existe uma relação dialética entre os conceitos.2

Hirschman sugere um modelo que parte de evidências empíricas para a construção de um padrão (“modelo de padrões”). Surgindo novas evidências, caso se encaixem no padrão isso reforça a concepção de que as explicações baseadas no padrão estão corretas. Caso contrário, é necessário rever o padrão e construir um novo que incorpore um número maior de evidências. Mais do que um “modelo”, a proposta de Hirschman é de construir parâmetros para a análise, em linha semelhante à que propôs Gerschenkron no artigo de 19683.

Notas: 1. O exemplo clássico na obra Hirschaman é a associação entre política e

economia, tratada de forma bastante original em Saída, Voz e Lealdade, de 1970. 2. O exemplo são novamente os conceitos de Saída e de Voz, da obra de 1970. 3. Ver artigo dois desta tese.

A coerência corporativa, em que a burocracia é uma entidade na qual os indivíduos percebem a busca dos interesses coletivos como a melhor forma de maximizar seus próprios interesses individuais, requer que os membros da burocracia sejam em algum grau separados, insulados das demandas da sociedade ao redor. Isso se dá atribuindo um status especial aos burocratas. Dois elementos importantes dessa estratégia são o recrutamento via meritocracia, garantindo a concentração de expertise, e a existência de oportunidades de ascensão ao longo

da carreira.

Migdal (1988, apud Evans, 1995)16 concorda com a hipótese da insulação da burocracia, de Weber, porém com uma elaboração distinta. O autor argumenta que o projeto básico dos detentores de poder (elite) locais é inerentemente oposto ao projeto básico do Estado. As elites locais querem preservar sua esfera de controle. O Estado pretende ampliar a sua. Daí a dicotomia entre Estado e sociedade. As elites locais capturam o Estado, que acaba não atuando em consonância com os interesses da sociedade. O foco do autor é o controle social do Estado e não a transformação econômica17.

Para Evans (1995), a grande contribuição de Weber é ir além da questão de que políticas são necessárias para dar suporte aos mercados e perguntar que tipo de estrutura institucional o Estado precisa ter para constituir uma contraparte efetiva para grupos empresariais privados. Políticas bem sucedidas possuem fundamentos estruturais. As estruturas burocráticas devem criar uma afinidade entre os incentivos com que se defrontam os gestores do Estado e as políticas necessárias para o crescimento capitalista.

Segundo a hipótese da burocracia de Weber (1968) diferenças na estrutura do aparato estatal devem levar a diferenças na eficácia do desenvolvimento. O autor é claro em relação ao tipo de estrutura do Estado que melhor complementa o crescimento do mercado, mas toma como garantido o dinamismo da acumulação capitalista: desde que o Estado garanta um ambiente e regras estáveis, o retorno sobre o investimento é previsível e os agentes privados fazem o resto. Não prevê que o Estado tenha de ir além, reforçando a propensão a investir, ou adotando outras ações para fazer emergir o empresariado privado. O Estado weberiano é um parceiro essencial para o capital privado, não um Estado por si agente transformador.

As abordagens de Gerschenkron e de Hirschman acerca das relações entre Estado e sociedade permitem dar um passo adiante. Gerschenkron (1962) não toma como garantida a presença de capacidade empreendedora nos países atrasados, que enfrentam uma lacuna importante entre a escala e o investimento necessários para competir com os Estados industrializados. Por essa razão, o Estado tem de ir além da provisão de regras estáveis e atuar ativamente na organização de mercados financeiros. Trata-se de reduzir o risco, mas o tipo de ação necessária é muito mais profunda do que aquela prevista por Weber. Na ausência de capitalistas dispostos a assumir riscos na escala requerida pela tecnologia moderna e de

16 Migdal, Joel. Strong Societies and Weak States: State-Society Relations and State Capabilities in the Third World. Princeton: Princeton Univ. Press, 1988.

17 Versões recentes da idéia encontram-se em Haggard, S. Pathways from the Periphery. Ithaca, NY: Cornell Univ. Press, 1990

instituições privadas que permitam diluir o risco entre diversos agentes o Estado deve agir como intermediário financeiro, captando os recursos financeiros necessários e encorajando sua aplicação em atividades produtivas (no limite, o Estado pode atuar ainda mais diretamente no apoio ao desenvolvimento da indústria, como ocorreu no caso da Rússia).

Para Hirschman (1958), o capital não é a principal lacuna que impede o avanço dos países atrasados e sim a capacidade empreendedora. O Estado, nesse contexto, assume papel fundamental dentre as instituições que podem estimular a tomada de decisões. Para isso, além de prover um ambiente e regras estáveis, e de disponibilizar capital, seu papel é o de “desequilibrar” incentivos, de modo a tornar as decisões de investimento mais atrativas e, com isso, incentivar o capital privado a se comportar de modo mais empreendedor. No entanto, o autor alerta que o fato de que o empresariado privado seja incapaz de cumprir certas funções não assegura que o Estado necessariamente seja capaz de resolvê-las.

Gerschenkron e Hirschman concordam com a importância atribuída por Weber à estrutura burocrática coerente, competente e isolada. Mas essas condições não são suficientes. O processo de transformação, para esses autores, envolve um projeto de acumulação que deve ser descoberto, inventado, e o Estado é um participante ativo deste processo.

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