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O desafio da governança dentro do Partido Comunista Chinês

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2. Contexto institucional

2.2 O papel desempenhado pelo Estado-Partido chinês

2.2.1 O desafio da governança dentro do Partido Comunista Chinês

A governança entre as diferentes esferas do Partido constitui um dos principais desafios para o governo central64. A enorme dimensão do país, e a diversidade que caracteriza as distintas regiões, geram um problema de controle muito delicado. É necessário que haja um certo grau de descentralização de decisões e de ações. Fora do contexto da Revolução Comunista e da economia planificada, o governo central não teria como tomar a si o controle centralizado de todas as questões econômicas, sociais e políticas do país. Mesmo que isso fosse possível, provavelmente implicaria muito erro e ineficiência, dada a distância em que muitas localidades se encontram com relação à capital, Beijing, e o conhecimento mais precário que o governo central possui em relação às necessidades e potencialidades dessas regiões.

Na prática, desde o início das reformas, em 1978, o PCC tem experimentado um processo de aprendizado baseado em tentativas, erros e correções de rota, que ora conduzem o país a um padrão mais centralizado, ora caminha para maior grau de descentralização. O modelo fiscal e tributário talvez seja a expressão mais evidente desse movimento.

Até início dos anos 1980, o sistema era bastante centralizado. Os governos locais transferiam toda a arrecadação para os níveis superiores e depois procuravam obter os recursos necessários para suas despesas. Nos anos 1980 o sistema assumiu um caráter mais descentralizado. Neste modelo, o governo local repassava para os níveis superiores uma quota fixa da arrecadação, retendo a diferença. A partir de 1994 foi criado um sistema de quotas de arrecadação com regras para a destinação dos impostos entre os governos local e central segundo diferentes tipos de impostos. O governo central mantinha a autoridade para determinar as bases e taxas de impostos. Esse sistema foi criado para retomar o controle mais centralizado sobre a arrecadação. Entretanto, as despesas permaneceram altamente descentralizadas, dificultando a atuação dos governos locais. Outras medidas contribuíram para pressionar ainda mais os orçamentos locais, como a abolição de impostos sobre a agricultura.

Em 2006 os quatro níveis sub-nacionais de governo, em conjunto, foram responsáveis por 72% da despesa e retiveram apenas 45% da renda nacional total. Os dois menores níveis

63 Pela complexidade do tema e suas especificidades, falar de governança no caso chinês soa até anacrônico. No entanto, este é o termo utilizado usualmente para tratar das questões relacionadas ao controle (ou à dificuldade de controle) e à gestão dos demais níveis de governo por parte do PCC central. Para simplificar, adotaremos o mesmo termo.

64 Além do PCC central, o Partido comunista se organiza em outros quatro níveis de governo: prefeitura, província, condado e distrito.

na hierarquia administrativa, os municípios e os distritos, foram responsáveis por, aproximadamente, 70% das despesas educacionais e de 55% a 60% das despesas com saúde no país (Whiting, 2006).

No campo estritamente político, a descentralização trouxe para o PCC central problemas de risco moral (moral hazard) e de controle principal-agente. Incentivos inadequados muitas vezes causam ineficiências importantes para o sistema. Os governos locais são induzidos a informar dados estatísticos de forma viesada para maximizar o grau de retenção local de impostos ou as transferências do governo central, muitas vezes não se empenham em recolher determinados impostos (que não ficarão na localidade), atividades produtivas que poderiam ser conduzidas na localidade não o são, e existem situações de exploração econômica predatória, sem qualquer comprometimento do governo local com a preservação ambiental.

Outro problema identificado é a corrupção. Esta também pode ocorrer no nível do governo central, mas nas esferas locais, em que o controle é menor, além de assumir proporções maiores a dificuldade para enfrentar a questão é muito grande. No plano político, a corrupção prejudica a imagem do Partido e sua legitimidade. No plano econômico, entretanto, ainda que a corrupção possa gerar uma estrutura de incentivos inadequada, muitas empresas domésticas se beneficiem do “acesso privilegiado” aos governos locais e utilizam esse atributo como instrumento em suas estratégias comerciais.

Finalmente, ocorrem situações em que o governo local estimula a população a rebelar- se contra orientações e políticas que provêm diretamente do governo central, criando situações de desordem e caos como estratégia para ampliar a autonomia local.

Para lidar com os problemas descritos, o PCC central recentemente vem introduzindo uma série de mecanismos de controle cujo objetivo é institucionalizar regras dentro do Partido e promover maior transparência. Esses mecanismos incluem normas para ocupação de cargos, critérios de avaliação, regras para o processo de seleção e promoção de quadros, punições para a corrupção e outras condutas éticas inadequadas, bem como instrumentos para averiguação dessas condutas. Para estimular os governos locais a se engajar na obtenção de ganhos econômicos, critérios relacionados à eficiência econômica têm sido incorporados como elementos para avaliação do desempenho dos quadros locais.

A geração que assumiu o poder na China após a morte de Mao vivenciou intensamente o caos e a violência durante a Revolução Cultural e, em conseqüência, mostrou-se especialmente preocupada com a estabilidade social. Apesar de identificar a necessidade de reformas políticas, dando lugar a regras que permitam substituir a legitimidade pessoal pela

legitimidade institucional, essa geração compreende que, após a experiência histórica recente da sociedade chinesa, a reforma política tem de ser introduzida de maneira gradual e controlada.

Os delegados do Congresso do Partido (entre 1500 e 2000), que representam as Províncias, ministros do governo central, organizações do partido central, militares e outras forças políticas elegem os membros do Comitê Central do PCC - tecnicamente a fonte de autoridade no partido. Nos níveis mais elevados da hierarquia, o Comitê Central do PCC “delimita cuidadosamente seu processo seletivo” através de um processo em que a barganha e o consenso assumem grande importância.

O âmago do poder do PCC reside no seu controle, através do Departamento de Organização, sobre os quadros do partido nas esferas executiva e legislativa, a nomenklatura (composta por dirigentes de bancos, corporações, mídia etc.) e importantes órgãos do Estado, como o Conselho Estatal e o Congresso Nacional do Povo do Partido65. Foi esse controle sobre o processo de indicação de quadros que permitiu que o PCC central recuperasse a autoridade que havia sido temporariamente perdida e restabelecesse maior centralização do controle político.

O desenvolvimento de “regras de capacitação” passou a ser objetivo primordial para a gestão interna do PCC. As novas regras comandam a mobilidade na elite política chinesa e especificam critérios de elegibilidade para os cargos. Os critérios incluem exigências de formação educacional e experiência, indicando, por exemplo, cargos que só podem ser assumidos por indivíduos com formação universitária, assim como cargos que exigem formação secundária. Nos níveis mais baixos da hierarquia partidária, os quadros promovidos são induzidos a aprofundar sua formação educacional (a formação continuada está estruturada para atender diretamente aos interesses do partido e às metas do partido central). Os critérios de formação educacional e experiência têm contribuído a tal ponto para a profissionalização das elites partidárias que a presente geração de líderes tem sido chamada de “administradores tecnocratas”.

Outro critério estabelecido foi a exigência de um período mínimo de três meses de treinamento, incluídos nos cinco anos de formação em escolas do Partido ou em outras instituições credenciadas, para que os quadros sejam promovidos. Na virada do milênio a Escola Central do Partido (ECP) instituiu, pela primeira vez na história, um novo programa de

65 O Departamento de Organização também exerce influência sobre os principais condutores da política econômica, o Banco Central e as comissões de regulação das atividades do setor financeiro.

treinamento para todos os secretários do partido do total de mais de 2000 condados na China. O novo programa atendia a dois objetivos concomitantes. Estendia o controle do PCC central sobre o conteúdo da formação política dos quadros e provia informações aos níveis mais elevados da hierarquia para uso no processo de seleção de pessoal.

Para promoção, passou-se a exigir experiência de pelo menos cinco anos de trabalho e determinou-se que os quadros deveriam ser promovidos passo a passo na escala hierárquica.

Regulamentos estabelecidos em 2002 determinaram limites à permanência dos quadros em cada localidade, a fim de evitar problemas de regionalismo e nepotismo. Os Secretários de Partido são nomeados para um mandato de cinco anos, não podendo exceder a dez anos no mesmo local, enquanto executivos do governo são nomeados para períodos de três anos. Foram criadas também regras obrigando os quadros a se aposentar entre 60 e 65 anos de idade.

Outro artigo do mesmo regulamento criou “regras de impedimento”, proibindo qualquer membro do Partido de assumir postos de governo em sua cidade natal ou na mesma administração de um parente próximo. Parentes são, ainda, excluídos do processo de seleção de membros de suas famílias. Observa-se uma importância crescente do papel de votações para bloquear indicações baseadas em favoritismo e nepotismo, tanto no Congresso do Partido quanto no Congresso do Povo. Isso se tornou possível graças à prática de indicar aos cargos mais candidatos do que vagas. Finalmente, o regulamento de 2002 determinou que um candidato a uma posição de liderança, não eleito, pode ser indicado mais uma vez; mas não poderá se candidatar novamente se não for eleito em duas votações do Congresso do Povo.

O sistema de administração dos quadros partidários – executivos das principais instituições do governo e altos executivos do partido – é baseado em avaliações de desempenho que influenciam o nível de remuneração, a permanência no cargo e as oportunidades de promoção.

Esse sistema evoluiu bastante desde o início da reforma econômica. Inicialmente eram utilizados somente critérios políticos, relacionados à afinidade ideológica e à lealdade ao Partido. Em seguida, essas variáveis deram lugar a critérios relacionados à estabilidade e ao controle sobre a sociedade.

Com a evolução das reformas, foram criados critérios econômicos (por exemplo, lucratividade e arrecadação de impostos, em substituição ao volume de produção) com o objetivo de introduzir novos incentivos para a atuação dos quadros partidários locais e induzir maior participação de empresas privadas e estrangeiras. No final do século XX, o surgimento de nova onda de insatisfações sociais conduziu à retomada de critérios políticos, sem,

contudo, diminuir a importância dos critérios econômicos. Além de metas pró-ativas foram também introduzidas metas “reativas”, como, por exemplo, a redução nas taxas de acidentes de trabalho, definida pela Administração Estatal de Segurança do Trabalho.

Em cada jurisdição os líderes e suas unidades subordinadas passaram a ser pontuados uns em relação aos outros, introduzindo a concorrência no processo de avaliação. O alcance de metas econômicas passou a ser compensado com fortes incentivos financeiros.

Dentre os mecanismos de avaliação de quadros instituídos, destaca-se a “avaliação democrática”. Esta se baseia em consultas a quadros que conhecem o avaliado. Em geral são utilizados questionários anônimos. Se em mais de um terço das avaliações o quadro for considerado não qualificado, e as autoridades superiores se certificarem de que o executivo não atende aos padrões requeridos, este poderá ser demitido ou sofrer outras sanções.

Outro mecanismo de avaliação do desempenho de quadros dirigentes é a supervisão pelo Congresso do Povo. Essa instituição, no entanto, não possui autoridade para atuar sem o efetivo suporte do PCC e de seu Departamento de Organização.

Embora a instituição de normas internas possa reduzir a necessidade de monitoramento e de controle, estas atividades permaneceram tendo grande importância. As três principais instituições envolvidas no monitoramento administrativo são a Comissão Central de Inspeção Disciplinar (CCID) do PCC, o Ministério de Supervisão e a Procuradoria Suprema do Povo. Enquanto a penalidade mais extrema aplicada pelo CCID nos casos de infração de regras e normas do partido é a expulsão, as punições em certos casos incluem o aprisionamento e a pena capital.

No início de 1996 o CCID passou a enviar inspetores de nível hierárquico equivalente ao de vice-ministro para inspecionar as administrações locais, bem como as agências governamentais centrais. Para conferir maior independência ao processo, os inspetores se reportavam diretamente ao CCID.

Adicionalmente, foram introduzidas inovações institucionais voltadas para o desestímulo à corrupção, incluindo emendas a leis anti-corrupção, a adoção de nomes reais em serviços financeiros, a implementação de regras de responsabilidade e de conflitos de interesse e a introdução de auditoria do desempenho oficial. Em julho de 2004 foi instituída a Lei de Licenciamento Administrativo, que especifica as condições em que as agências governamentais podem ou não impor requisitos para licenças ou permissões. Segundo Whiting (2006), essas medidas contribuíram para reduzir os abusos de poder.

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