• Nenhum resultado encontrado

Crescimento da firma

No documento Download/Open (páginas 39-41)

1. Marco conceitual

1.2 Firmas e estratégias

1.2.1 Crescimento da firma

Penrose (1959) é o ponto de partida natural para a abordagem da firma e de seu processo de crescimento18. A autora define as firmas como coleções únicas de recursos produtivos. Sua principal função econômica é utilizar os recursos produtivos para ofertar bens e serviços à economia, de acordo com os planos elaborados.

Os recursos produtivos são definidos como os “elementos físicos que a firma compra, aluga, ou produz para seu próprio uso, mais as pessoas contratadas de formas tais que as tornam parte efetiva da firma” (Penrose, in Foss, 1997, p.35). No entanto, não são os recursos, eles próprios, que são insumos para o processo produtivo, mas os serviços que esses recursos podem prover. As firmas utilizam seus recursos de forma distinta, o que explica o caráter único de cada firma. Os serviços, por sua vez, são definidos como “a contribuição que esses recursos podem oferecer à operação produtiva da firma” (Penrose, in Foss, 1997, p.35). Um recurso pode ser visto como um leque de serviços possíveis.

18 Os autores da chamada corrente evolucionária, que não será explorada por fugir ao escopo da presente tese, tratam de uma característica fundamental das firmas - a existência de rotinas A referência obrigatória é Nelson e Winter (“An Evolutionary Theory of Economic Change”, 1982), embora existam referências anteriores ao uso do conceito de rotina na economia, como Cyert and March. A Behavioural Theory of the Firm. Englewood Cliffs, NJ. Prentice-Hall, 1967, mencionado em Coriat (2000). Além das propriedades das rotinas, moldadas a partir de um processo evolucionário, de sua natureza inerente de mecanismo para solução de problemas, os autores apresentam as três classes de rotinas (as que governam o comportamento de curto prazo da firma, as rotinas que determinam o aumento ou redução do estoque de capital da firma e as rotinas de busca e seleção, que operam para modificar, ao longo do tempo, vários aspectos das características operacionais das firmas). A rotinização constitui a forma mais importante de armazenamento do conhecimento operacional específico da organização. Os autores tratam também das condições que afetam a réplica e a imitação de rotinas. Em uma análise crítica do conceito de rotinas, Coriat e Dosi (1999) e Coriat (2000) apontam o fato de que a análise evolucionária focaliza exclusivamente o atributo de solução de problemas e de automatização das atividades da firma, deixando de lado outros aspectos importantes como a coordenação de interesses dentro da firma. Para os autores, a teoria das organizações é a única capaz de lidar adequadamente com essas questões.

Box 3 – A experiência brasileira: a hipótese do crescimento rápido e as “vantagens da estagnação”

Em dois artigos subseqüentes de inspiração penrosiana, Castro (2004a, 2004b) desenvolve a idéia de que as firmas podem crescer a partir das “sobras” para interpretar o período de quase- estagnação por que passou a economia brasileira entre 1980 e 2003. O autor argumenta que se assegurada a estabilidade macroeconômica e adotadas políticas adequadas o Brasil poderia beneficiar-se de “vantagens da estagnação” (para usar uma expressão análoga à de Gerschenkron). A idéia é que no período 1940-80 o país experimentou um processo de catch-up “clássico” em que grandes projetos tinham precedência e eram maiores do que as estratégias individuais das firmas. Nessa fase, em que foi constituído o parque produtivo diversificado existente até hoje, esteve presente uma característica institucional própria denominada por Castro (1993) de “convenção do crescimento”. Mesmo na presença de fatores adversos o risco percebido era reduzido, fazendo com que as decisões de investimento fossem levadas adiante. A produção nem de longe exigia o pleno domínio cognitivo do que estava sendo introduzido no país (Amsden, 2001, apud Castro, 2004b, p.2).

Após a eclosão da crise da dívida a economia entrou em uma nova fase. O período de 1980 a 2003 foi caracterizado por surtos abortados de crescimento, que represaram um potencial de expansão que não pôde ser percebido pelos dados agregados macroeconômicos. O resultado foi a combinação de estatísticas macroeconômicas medíocres com intensa transformação no tecido microeconômico (no âmbito das empresas, no seu inter-relacionamento e distribuição espacial). Essa fase caracterizou-se pela ausência de grandes projetos. Constitui uma longa quase- estagnação, repleta de possibilidades contidas e não realizadas. “Curiosa mescla de baixo dinamismo e alta mudança” (2004a, p.8).

Apesar da convenção de que não era possível crescer, as empresas procuraram manter-se capazes de aproveitar os bons momentos da economia. Diferentes reações de re-posicionamento, em maior ou menor medida inovadoras, foram adotadas, como a incorporação das exportações nas estratégias das empresas, com efeitos positivos sobre a rede de fornecedores domésticos. As empresas mudaram mas não puderam explorar plenamente as oportunidades percebidas. Ao mesmo tempo, na esfera do Estado assistiu-se à retomada de atitude mais pró-ativa na condução das políticas públicas (política industrial).

Ao contrário da fase anterior, em que a economia cresce mais do que aprende, nessa fase a economia aprende mais do que consegue utilizar. Foram acumuladas quase-capacitações. Á medida que uma economia passa a contar com empresas com algum grau de amadurecimento, que já acumularam não apenas recursos materiais, como conhecimentos e capacitações especializadas, seu crescimento depende do aproveitamento, mais ou menos intenso e criativo, de tudo aquilo que elas controlam. Em tais condições, adquire grande importância o princípio segundo o qual uma empresa é um conjunto complexo de recursos (aí incluídos, cabe insistir, os conhecimentos), onde sempre há carências (ou gargalos) e sobras. Mais concretamente, a qualquer momento, alguns recursos encontram-se plenamente utilizados, ou até mesmo sobre-utilizados, enquanto outros se encontram sub-aproveitados. O crescimento passa então a ser, em boa medida o resultado da remoção de gargalos e do maior (ou melhor) aproveitamento de sobras (Castro, 2004b, p.11). O crescimento possível seria, então, fruto do reaproveitamento de capacitações e recursos existentes. Esse crescimento mediante a ocupação de capacidade não requer investimentos em infra-estrutura no curto prazo. O curto prazo é estratégico para permitir a ruptura e o início de nova fase. Através do consumo o investimento será estimulado e não o inverso. O fundamental é identificar o potencial (oculto) contido nas empresas. Do ponto de vista das políticas, o foco principal deve ser o apoio à inovação (especialização avançada de capacitações) e a consertação entre interesses públicos e privados.

Castro observa ainda que a emergência da China como fábrica do mundo coloca em questão um dos trunfos da economia brasileira – a estrutura industrial altamente diversificada. Para dar resposta a esse desafio não previsto “ex-ante” pode ser necessário promover a especialização por produtos (aviões regionais, caros compactos, motores elétricos, máquinas agrícolas etc), antes que o mercado o faça de forma espontânea.

Para Penrose, a firma é mais do que uma unidade administrativa; é também uma coleção de recursos produtivos que serão alocados para distintos usos ao longo do tempo, em conseqüência de decisões administrativas. Na visão de Penrose, o tamanho da firma pode ser depreendido a partir dos recursos produtivos que ela emprega. Daí a ênfase nos recursos internos à firma – nos serviços produtivos disponíveis a partir dos recursos próprios das firmas, principalmente gerentes com experiência. Os gerentes procurarão utilizar da melhor forma possível os recursos produtivos, do que resulta um incentivo ao crescimento.

O termo crescimento é utilizado no discurso corrente com duas conotações distintas. A primeira envolve apenas o incremento de quantidade. A segunda agrega também a qualidade, fruto de uma trajetória de desenvolvimento equivalente a um processo biológico, em que a interação de uma série de mudanças internas dá origem a uma dinâmica de crescimento. Neste segundo sentido, crescimento econômico denota um processo que ocorreria naturalmente desde que as condições fossem favoráveis. O tamanho da firma se torna um resultado incidental de um processo contínuo, cumulativo. Não existe tamanho ótimo, nem tamanho mais lucrativo.

Como os recursos só podem ser obtidos em quantidades discretas, quase sempre haverá serviços “sobrando”. Sempre que a firma puder encontrar um uso produtivo para essa “sobra”, ela tenderá a fazê-lo. Se for possível utilizar esses recursos de forma lucrativa eles poderão representar uma vantagem competitiva para a firma. Assim, para Penrose, as firmas que crescem são obrigadas a crescer por causa das “sobras”. A expansão é um caminho inerente, obrigatório e os recursos internos das firmas desempenham papel crucial no condicionamento do crescimento.

No documento Download/Open (páginas 39-41)