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3 A TRUPE DA ALEGRIA E SUAS REVERBERAÇÕES

3.1 Apreciações

3.1.1 A estreia da Trupe da Alegria

A preocupação „pedagogizante‟ não inclui entre seus objetivos a fruição de arte pela criança, reduzindo a platéia infantil à categoria de alunos aos quais devem ser ministrados ensinamentos. A apreciação artística constitui um objetivo educacional que deveria ser desenvolvido paralelamente à produção pela criança. Implica na educação da visão que adquirimos ao contemplar, ouvir ou ler obras artísticas. Ingrid Koudela43. Neste tópico farei uma descrição e análise das apresentações realizadas pela Trupe da Alegria em 08 unidades da Educação Infantil do município de Florianópolis. Sensações, emoções, reações, olhares, impressões... O que sentimos e pensamos, tentamos traduzir em palavras.

A partir da transcrição das entrevistas realizadas com as professoras, buscarei, também, demonstrar a maneira como nos apropriamos e ressignificamos os “tipos” da Commedia dell‟arte no contexto da Educação Infantil, bem como, o olhar que as professoras possuem sobre o processo, sobre a Commedia dell‟arte, assim como suas expectativas em relação ao teatro em suas vidas e em sua prática com as crianças.

Por fim, será demonstrada a avaliação realizada com as professoras sobre o processo, bem como os olhares das crianças que assistiram ao espetáculo, olhares estes traduzidos em seus desenhos e nas falas que fizeram sobre a peça.

3.1 Apreciações

3.1.1 A estreia da Trupe da Alegria

Dia 08 de setembro de 2010, 10:00h, manhã fria de sol, creche Joaquina Maria Peres, Bairro Itacorubi.

Muita expectativa e ansiedade. A maior parte das professoras não havia feito uma apresentação que demandasse tantos ensaios e preparação, que tivesse cenário e figurinos elaborados especialmente para tal espetáculo, ensaios de música, de dança, enfim, enquanto grupo de teatro, esta era a primeira experiência para a maioria delas e eu, nunca havia conduzido um processo de criação coletiva, sobretudo, com pessoas com pouca ou nenhuma experiência teatral além dos trabalhos para disciplinas da graduação.

Fizemos a passagem de algumas marcações que existem no espetáculo, principalmente dos posicionamentos nas coreografias. Tivemos que ajustar alguns posicionamentos ao espaço, pois o mesmo era mais estreito do que aquele que estávamos acostumados a ensaiar, mas essa é a realidade espacial das escolas, na grande maioria não há um espaço adequado às apresentações teatrais, o que empobrece, em certa medida, as possibilidades de uma fruição mais cômoda para as crianças, assim como de uma realização cênica mais elaborada, que possa enriquecer mais o contato da criança com o teatro.

Após um aquecimento vocal e corporal iniciamos a apresentação, no horário marcado, com um público de 153 crianças e 42 adultos. O resultado foi melhor do que esperávamos, tínhamos receio de que as crianças se assustassem com as máscaras, ou então que não conseguissem se concentrar no espetáculo por não haver falas. Receios estes que desapareceram no primeiro momento, o que presenciamos foram crianças encantadas com as cores do espetáculo, cantando as músicas conosco, fazendo as coreografias que pediam pra mexer as mãos, os pés, abraçar os colegas, etc.

Tivemos muitos aplausos e a sensação de que tudo correu bem, conforme planejado. Almoçamos com as crianças que tentavam reconhecer em nós os personagens que havíamos representado em cena e podíamos perceber suas avaliações daquilo que haviam assistido, dizendo que uma criança (Capitão) beijou a professora, que a outra (Briguela) brigou e isso não se faz, ou ainda que uma delas comeu papel (Zanni).

Seguem algumas impressões das 14 professoras acerca desta primeira apresentação:

“Gostei de me apresentar, desfrutei do momento. Foi muito interessante o olhar concentrado de todas as crianças mesmo as pequeninhas [...]”.

“Ainda bem que minhas expectativas não se cumpriram. Eu tinha receio que muitas crianças chorassem, sentissem medo da nossa aparência. Isso não aconteceu [...]”.

“[...] percebi a plateia receptiva e atenciosa, os comentários após a apresentação confirmaram a real „bebeção‟ da peça, realmente as crianças a beberam, incorporaram e depois faziam comentários entre si e nos apontavam dizendo o que éramos mesmo sem o figurino”.

“Que alegria foi a minha primeira estreia em que participei, fiquei muito alegre neste momento. Estava muito nervosa com o meu personagem, achei que ia assustar as crianças com os machucados. Ao contrário, as crianças prestavam muita atenção em tudo [...]”.

“[...] lá estávamos nós, as crianças vidradas que nem piscavam e quando dei por conta estávamos entre „duendes e fadas‟. A história terminou e com certeza marcou, deixando muitas histórias a contar”.

“[...] observei também que o grupo foi se entrosando, implicando em parceira (no cuidado com o outro) e também na escuta: com certeza estamos mais inteiros, mais humanos, mais sensíveis [...]”.

“[...] o que me surpreende é a interação com o público, as crianças adoraram e eu ouvi os comentários de alguns [...] eu me senti privilegiada de estar neste grupo de teatro, tenho realizado meu sonho [...]”.

“Nosso espetáculo e estreia foi muito legal. Um pouco ansiosa, todos os personagens demonstravam alegria e euforia. [...] Foi muito emocionante, depois de longos meses de ensinamentos e ensaios, colocar em prática nossa alma artística [...]”.

“[...] Realização, eu, o meu eu, comigo mesma; feliz em saber que sou capaz, capaz de realizar uma proposta com ajuda das pessoas e em participar de um grupo de professoras como eu [...]”.

“[...] as crianças ficaram atentas e participativas e isso creio que é em função de estarem sendo estimuladas seja por conta do colorido das roupas dos personagens, máscaras, pintura, música ou enfim de toda a cena”.

“[...] o feed back das crianças foi bem legal, olhos atentos a tudo e a todos. Os adultos, em alguns momentos, parece que não compreenderam a proposta, talvez tenha sido somente impressão. Continuo sentindo que o teatro ainda não me atravessou, quem sabe o tempo me dê uma outra resposta. Mas, foi prazeroso”.

“[...] a apresentação de hoje foi um momento muito bom, com muita energia boa, nos momentos de interação com as crianças a adrenalina ia a mil”.

“[...] A energia que envolveu todas as personagens, criou um clima maravilhoso de animação, dando força para todos. [...] Senti a plateia de perto, atenta, animada, foi rico esse momento lúdico, mexemos com os grandes e os pequenos [...]”.

“[...] Os olhares das crianças me mostrou que a peça estava ótima, as palmas e conversas sinalizavam que estávamos dando conta da proposta. Ao final foi só alegria. O reconhecimento da personagem pelas crianças aumentou ainda mais a minha vontade de querer mais [...]”.

Figura 31 – Estreia

Suas escritas demonstraram o quanto a experiência de apresentar é importante para um processo teatral. A formação dessas professoras ao universo teatral ampliou-se de fato no momento em que puseram sua criação em contato com o público, em que puseram para si o desafio de estarem atentas a tudo, de ouvir o colega em cena, de prestar atenção na plateia e jogar com suas ações e reações. Perceberam todo um esquema de produção, o tempo de preparação, de montagem de cenário, de maquiagem, de aquecimento e depois a desmontagem e o translado para outro local, pois realizávamos duas apresentações por dia.

Após essa primeira apresentação a confiança do grupo no trabalho cresceu e consequentemente cresceram suas presenças em cena, o jogo entre elas, com a plateia e com o próprio texto espetacular.