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A formação permanente de professores no município de Florianópolis

1.3 Arte e Educação

1.3.2 A formação permanente de professores no município de Florianópolis

Neste tópico apresentarei aspectos relacionados à formação permanente dos professores da Educação Infantil do município de Florianópolis, abordando a legislação que embasa as ações formativas, bem como apresentando um breve histórico desse modelo de formação dentro da rede de educação do município. Para tanto, utilizarei, sobretudo, as falas de Rosangela Kittel16, gerente de formação permanente da prefeitura municipal de Florianópolis, bem como as falas de Sônia Cristina Lima Fernandes, diretora de Educação Infantil do mesmo município, com o intuito de contextualizar o lócus no qual minha pesquisa se insere.

O Decreto Nacional nº 6.755 de 29 de janeiro de 2009 institui a política nacional de formação de profissionais do magistério da educação básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Seguem os artigos e incisos que interessam a esta pesquisa.

No art. 2º, o inciso XI define a formação continuada: “a formação continuada é entendida como componente essencial da profissionalização docente, devendo integrar- se ao cotidiano da escola e considerar os diferentes saberes e a experiência docente” (BRASIL, 2009, p. 01) e o inciso XII afirma: “a compreensão dos profissionais do magistério como agentes formativos de cultura e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a informações, vivência e atualização culturais” (BRASIL, 2009, p. 01).

O art. 8º retrata que

[...] o atendimento às necessidades de formação continuada de profissionais do magistério dar-se-á pela indução da oferta de cursos e atividades formativas por instituições públicas de educação, cultura e pesquisa, em consonância com os projetos das unidades escolares e das redes e sistemas de ensino (BRASIL, 2009, p. 03).

No estatuto dos servidores públicos do município de Florianópolis – Lei complementar nº 063/2003, o art. 50º afirma que:

A administração Pública Municipal deverá promover, incentivar e facilitar, através de Plano Anual de Capacitação Funcional, a qualificação do servidor, mediante: I – elaboração e cumprimento de programas regulares de treinamento e aperfeiçoamento do servidor; [...] § 1º - os programas de treinamento a aperfeiçoamento serão cumpridos mediante execução direta ou execução indireta, conveniada ou contratada (FLORIANÓPOLIS, 2009, p. 23).

Em consonância com a legislação anteriormente exposta, no ano de 2009 é organizada a Gerência de Formação Permanente da secretaria de educação da prefeitura municipal de Florianópolis, que, a partir de sua constituição, encarrega-se de cuidar, dentre outras funções, do cumprimento das citadas leis quanto a obrigatoriedade de capacitação profissional – formação continuada (ou em serviço) – dos servidores da prefeitura municipal de Florianópolis.

Resgatando o histórico da formação no município, Rosângela afirma que:

A primeira escola de formação é de 1993. O primeiro espaço chamava-se escola de formação para os profissionais da secretaria municipal de educação. Nesse momento é, então, implantada uma política de educação continuada e foi crescendo até que a gerência

passou a ocupar o prédio no qual se encontra hoje, prédio que está cedido pela Universidade Federal de Santa Catarina17.

Após sua constituição, a gerência incorpora o departamento de eventos e o de saúde e bem-estar do servidor. Possui um núcleo gestor pedagógico composto por nove profissionais para pensar as formações. Segundo Rosângela,

Iniciamos 2010 com esse grupo, com uma pessoa com afinidade maior em pensar a Educação Infantil, outra o Ensino Fundamental, Educação Inclusiva, Educação de Jovens e Adultos, assim como pessoas que buscaram a gerência por um desejo de trabalharem com a questão da formação18.

A gerência possui a missão de valorizar e reorientar a ação educativa por meio de cursos, estágios, pesquisas e extensão, objetivando a formação permanente dos profissionais da rede de educação municipal de ensino e a gestão da informação no âmbito de tal rede.

Nós queremos valorizar, isso não muda nunca, poderíamos pressupor que nossa missão era promover formação, mas não, nós queremos valorizar e reorientar a ação educativa criando sempre boas condições de acolhida e recepção para todos os profissionais da rede municipal de ensino (professores, diretores, quadro civil, terceirizados, profissionais que atuam na secretaria, etc.) em torno de 5.000 pessoas19.

A Portaria municipal 031/10 define as diretrizes para a formação permanente dos profissionais que atuam no âmbito da secretaria municipal de educação. O art. 2º define que: “entende-se por formação permanente todo processo que possibilita a construção e a ressignificação de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades referentes às inovações científicas, técnicas e pedagógicas” (FLORIANÓPOLIS, 2010, p. 01). Ou seja, as formações permanentes ou continuadas têm como foco “realimentar” os professores com novas metodologias, novas discussões, novas propostas pedagógicas que possam auxiliá-lo no seu

17 Ibidem. 18 Ibidem. 19 Ibidem.

trabalho diário junto às crianças, que possam ampliar seu repertório de vivências e de conhecimentos. E é dentro desse panorama que se enquadra a formação “Commedia dell‟arte e Educação Infantil: um processo de formação de professores”.

Rosângela tem um olhar bastante acentuado para o trabalho com artes na formação de professores:

Eu acredito na integração dos conhecimentos, o que vemos hoje, ainda, são professores de áreas específicas com leituras fechadas do que é matemática, do que é português; artes é para professor de artes. O garoto que não consegue escrever com desenvoltura, não tem ritmo, não tem acuidade auditiva, os professores não conseguem (via de regra) fazer nenhuma relação que a música, que a expressão corporal vá fazer a diferença para esse garoto e então, passam exercícios mecânicos. É através da arte que ele conseguirá expor as dicotomias do seu interior, se não for nas aulas de artes, ele vai pixar a escola, o banheiro... Ele vai pôr pra fora essas angústias de alguma forma, ou a escola dá possibilidade para essa expressão ou ele fará de outra forma. [...] É uma necessidade que consigamos sensibilizar os professores através do conhecimento em artes... É necessário que o conhecimento passe pelo corpo, senão, não acontece. Se não passar pela emoção não tem significação e fixação. E na Educação Infantil então, a arte é de suma importância para acionar os mecanismos das funções mentais superiores, como nos coloca Vygotsky. O que a criança faz para acessar? Imita. Só desenvolvo porque aprendi pela imitação. O teatro é importante para esse acesso. Há na criança uma grande atividade mental, a criação das redes neurológicas até os seis, sete anos. Todo contato que ela tiver nesse período, será fundamental... Música, teatro, fantasia, artes plásticas são vitais na primeira infância. Não é fazer “qualquer coisa” com as crianças, mas oferecer para elas possibilidades, que por não poderem estar em contato com a família grande parte do seu dia, algumas coisas lhes são negadas. Então, vai aprender a gostar ou não de música, de teatro, na escola, onde ela passa maior parte do seu tempo. A família já não se reúne mais como antes, um avô que tocava gaita, a família cantando reunida. Sei que a educação infantil não substitui a família, mas o repertório da criança poderá ou não ser ampliado dependendo do que lhe for oferecido pela escola20.

Ainda que eu tenha tratado da necessidade da formação continuada em artes do professor da Educação Infantil, pautado no argumento de que os cursos de pedagogia não contemplam de forma ampla e estruturada o trabalho artístico teatral, perguntei a Sônia Cristina Lima Fernandes, diretora da Educação Infantil, sobre sua opinião acerca da formação inicial de tal professor para o trabalho com artes, segundo ela:

20 Ibidem.

O curso de pedagogia não contempla uma formação em artes. Pelo que observo, nesses mais 20 anos que trabalho com a Educação Infantil, é que há uma preocupação desta, inspirada na pedagogia italiana, de se trabalhar com diferentes linguagens ligadas a arte, mas ainda tem muito pouco conteúdo na graduação e quando tem é muito teórico para a formação dos professores, falta uma parte de sensibilização para que os professores possam propor vivências às crianças. Existe pouquíssima literatura focada para o trabalho artístico na Educação Infantil. Temos então um espaço para conquistar, um campo e uma identidade para construir21.

Neste ponto, gostaria de lançar um olhar para um dado objetivo. Ao observar os currículos dos cursos de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), resolvi computar o percentual de horas-aula dedicadas aos conteúdos artísticos dentro do quadro total de horas.

Na UFSC, num total de 3.186 horas-aula do curso de Pedagogia (distribuídas em oito semestres), apenas 144 horas são dedicadas a disciplinas que envolvem o universo artístico, o que representa um percentual de 4,52% da grade total do curso. As disciplinas dedicadas a esse conteúdo são: Fundamentos e metodologia do Ensino da arte e educação (72h) e Jogo, interação e linguagem na Educação Infantil (72h). Existem mais duas disciplinas optativas: Dança no espaço escolar (72h) e Antropologia Cultural (72h).

Na UDESC, num total de 3.150 horas aula (também em oito semestres), 180 horas são dedicadas a disciplinas que exploram temáticas ligadas a discussão de questões culturais, o que não significa que estejam diretamente relacionadas a práticas artísticas com a Educação Infantil, essas horas representam 5,71% das horas totais do curso. As disciplinas do curso de Pedagogia dedicadas a esse conteúdo são as seguintes: Currículo, Conhecimento e Cultura I e II (60h cada) e Arte e Educação Lúdica (60h).

Ao traçar um paralelo entre as disciplinas que abordam o universo artístico nesses cursos de Pedagogia e as Diretrizes Educacionais para a Educação Infantil, percebo o quanto distantes estão a formação acadêmica do discurso político pedagógico e que este, na maioria dos casos, não representa a realidade concreta, por conta dos professores não estarem preparados para lidar com a diversidade de

temáticas relacionadas nas Diretrizes Educacionais. Ao avaliar o argumento exposto anteriormente, percebo a importância da formação continuada (ou permanente) para esses professores poderem assimilar novos conteúdos e suprirem as carências advindas de sua formação inicial.

Perguntei a Sônia sobre sua opinião acerca da inserção do professor de artes na Educação Infantil, ela respondeu da seguinte maneira:

Discordo da inserção do professor de artes na Educação Infantil, discordo inclusive do professor de educação física (posso falar sobre isso porque sou professora de educação física), por conta de que acredito que não devemos compartimentalizar e Educação Infantil em disciplinas conforme o modelo que temos do Ensino Fundamental. Tenho muita preocupação de trazer muitas pessoas de diferentes áreas para Educação Infantil enquanto ela não tem identidade e transformar isso em aula “de”. Como é hoje a aula de educação física, três vezes por semana, de 45 minutos, discordo disso. Tem professores que já fazem por outra perspectiva super interessante, articulando, pensando a criança inteira, mas não é assim com todo mundo. Acho que o arte-educador tem que existir, mas ele tem que trabalhar com os professores, porque as crianças, esse processo da imaginação não tem hora, é o tempo todo, um professor com o olhar sensível, sensibilizado para essas questões, vai estar o tempo todo atento e investindo nesses processos sensíveis, nas brincadeiras das crianças. Ainda acho que não é hora dessa inserção. Acho, e volto à questão de que, é preciso antes encontrar a identidade da Educação Infantil, quando isso ocorrer, pode estar todo mundo lá dentro, daí a gente vai respeitar os modos de ser criança, os modos do pensamento infantil, os modos de soltar a imaginação e de ajudar a criança nesse processo também, mas acredito que temos um longo percurso ainda22.

Finalizando este tópico da pesquisa, trago a opinião das duas entrevistadas acerca da formação “Commedia dell‟arte e educação infantil: um processo de formação de professores”, para Rosângela:

Essa formação representa uma via de mão dupla... É bom tanto para a prefeitura quanto para a academia. Veja, 52 pessoas se inscreveram para uma formação noturna23, ou seja, fora de seu horário de trabalho, porque você oferece algo que eles sentem necessidade. São cursos nesta perspectiva que vão até as pessoas, que as tocam sensivelmente que irão repercutir na escola. Isso é

22 Ibidem.

23 Quando divulguei a proposta de criação de um grupo para minha pesquisa de mestrado, enviei uma comunicação para toda a rede de Educação Infantil do município de Florianópolis e 52 professoras compareceram a seleção. Destas, selecionei 20 professoras e 14 permaneceram até o fim do processo. Esses dados serão comentados no próximo capítulo.

formação continuada, descolada do ranço histórico. Você oferece memória, porque o conteúdo ficará registrado, porque passou pelo corpo, não foi só teoria repassada.

Na opinião de Sônia:

Ninguém ensina o que não conhece. Então esse trabalho com o adulto é muito importante, de sensibilizar, de dar ferramentas pra ele, porque muitas vezes ele quer fazer, montar um teatro com as crianças, mas ele não sabe sobre linguagem teatral, sobre os materiais que ele pode usar e da forma mais adequada, como construir um enredo com as crianças, etc. Com certeza numa formação como essa, ele vivendo isso, ele fazendo isso, ele construindo isso com o grupo, ele vai conseguir fazer com as suas crianças de uma outra maneira, com muito mais propriedade, muito mais conhecimento. Esse conhecimento que o professor não tem na sua formação inicial, muitas vezes ele tem que buscar por conta própria, acho que isso também é papel da formação em serviço.

É dentro desse panorama histórico e institucional que solicitei a Gerência de Formação uma parceria na realização de minha pesquisa prática para a dissertação de mestrado. Essa experiência, bem como os fundamentos teóricos utilizados ao longo do processo, serão apresentados nos capítulos seguintes. Como finalização deste capítulo, gostaria de citar Concilio, por acreditar que suas palavras traduzem de forma clara a importância de um trabalho pedagógico estruturado na área teatral:

Nosso desejo é deixar clara a importância do ensino de teatro não só em todos os níveis da instrução escolar, mas também em todos os contextos de ação cultural que façam uso de seu potencial agregador. E para que essa importância se configure, é preciso reafirmar que o exercício de sua prática pedagógica quando feito sem cuidado, avaliação, parâmetros e qualidade, compromete a sobrevivência desta linguagem. [...] É essencial que um processo de ensino do teatro manifeste seu compromisso com a qualidade da formação dos indivíduos, assumindo sua responsabilidade para com o potencial artístico de qualquer interessado em praticar arte (CONCILIO, 2008, p. 78).

2 APROPRIAÇÃO DA COMMEDIA DELL’ARTE NA FORMAÇÃO DO