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4 A CONTROVÉRSIA EM TORNO DO BEM JURÍDICO-PENAL TUTELADO

4.2 Modelos funcionalistas

4.2.1 A estrutura econômica e tributária em que se assenta o Estado

Associando os crimes tributários aos delitos econômicos, assim como faz

principalmente o tratadista alemão Klaus Tiedemann

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, tem-se a corrente

funcionalista que entende ser a incriminação fiscal um atentado à própria ordem

econômica.

Nesse sentido, alega-se que por ser o tributo um relevante instrumento

jurídico de ingerência na economia, seja regulando a produção, a distribuição e o

consumo de bens e serviços, seja autorizando o uso de meios intervencionistas na

economia para fins de promoção da segurança nacional ou de relevante interesse

coletivo (art. 173 da Constituição Federal), as condutas criminosas atentatórias da

arrecadação dos tributos acabam por comprometer o próprio sistema econômico.

Usa-se como argumento para o aspecto econômico dos crimes tributários

o fato de o Estado, amiúde, se valer da tributação como mecanismo para promover

políticas econômicas voltadas ao controle da inflação, incentivos e subvenções,

incentivando comportamentos, estimulando a produção industrial, o consumo e o

desenvolvimento e, até mesmo, implementando práticas de distribuição de renda e

assistência social.

No caso do Estado brasileiro, não há negar que a regulação da economia

pelo Estado, através de uma política fiscal intervencionista, se faz presente por

intermédio dos tributos extrafiscais, os quais se diferenciam dos tributos fiscais por

não objetivarem diretamente, como fazem estes últimos, a arrecadação fiscal, mas

sim a promoção de áreas econômicas e sociais relevantes para o desenvolvimento

da indústria, do comércio e da cidadania

225

.

224 TIEDEMANN, Klaus. Manual de Derecho Penal y Económico: parte general y especial. Traducción Manuel A. Abanto Vásquez et al. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010, p. 263-279.

225 Estabelecendo a distinção entre os impostos fiscais e os impostos extrafiscais, Susana Aires de Sousa, além de exemplificar os “eco-impostos” como modalidade de tributo extrafiscal no domínio ambiental, escreve: “De uma perspectiva teleológica podemos distinguir os impostos fiscais e

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De outra parte, tendo como premissas questões semelhantes às

abraçadas por aqueles que compreendem os crimes tributários como violações à

ordem econômica, mas conferindo especial atenção ao sistema fiscal disciplinado

pela Constituição, existem estudiosos que vislumbram as incriminações fiscais como

ofensas à ordem tributária, na medida em que as evasões praticadas acabam por

atingir o conjunto de tributos estipulados pelo Estado.

Para estes autores, os crimes tributários têm como fim primordial a

proteção do próprio sistema fiscal, sendo o objetivo comum a todas as incriminações

fiscais o correto funcionamento do sistema tributário, cuja incumbência é aprimorar

as receitas estatais derivadas dos tributos.

Discorrendo sobre a concepção funcionalista dos crimes tributários como

ofensa à ordem tributária, Susana de Aires Sousa assim se pronuncia:

O objecto de tutela penal, segundo esta teoria, é o correcto funcionamento do sistema fiscal, ordenação racional com finalidades fiscais e extra-fiscais, impondo-se a intervenção do direito penal para corrigir as situações de disfunção provocadas pelos comportamentos criminosos. A finalidade comum a cada norma criminalizadora em matéria fiscal seria, pois, garantir o exacto funcionamento do sistema fiscal e dos objectivos económicos, sociais, políticos, através dele prosseguidos226.

Na doutrina nacional, o tratadista Hugo de Brito Machado, incentivado

pela própria nomenclatura constante no texto da Lei n.º 8.137/90, filia-se à corrente

que entende ser a ordem tributária o bem jurídico tutelado pelos crimes fiscais,

mormente porque, segundo as palavras do autor, essa mesma ordem tributária tem

a função de garantir a existência do Estado.

Realmente, nos crimes contra a ordem tributária, como esta expressão bem o diz, o bem jurídico protegido é a ordem tributária e não o interesse na arrecadação do tributo. A ordem tributária, como bem jurídico protegido pela norma que criminaliza o ilícito tributário, não se confunde com o interesse da Fazenda Pública. A ordem tributária é o conjunto das normas jurídicas concernentes à tributação. É uma ordem jurídica, portanto, e não um contexto de arbítrio. É um conjunto de normas que constituem limites ao

extrafiscais. Os primeiros têm por finalidade principal a obtenção de receitas, enquanto meios de financiamento público; os segundos prosseguem outras finalidades para além de uma lógica financeira, designadamente finalidades de natureza económica e social” (SOUSA, 2009a, p. 18). No mesmo passo, a respeito das distinções entre o caráter fiscal e extrafiscal do tributo, tem-se a cátedra do tributarista brasileiro Luciano Amaro: “Segundo o objetivo visado pela lei de incidência seja (a) prover de recursos a entidade arrecadadora ou (b) induzir comportamentos, diz-se que os tributos têm finalidade arrecadatória (ou fiscal) ou finalidade regulatória (ou extrafiscal). Assim, se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou seja, a finalidade da lei é arrecadar), ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição, não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou regulatórias” (AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 89).

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poder de tributar e, assim, não pode ser considerado instrumento do interesse exclusivo da Fazenda Pública como parte nas relações de tributação.

Na verdade, o interesse da Fazenda Pública na relação de tributação é um interesse público secundário. A ordem tributária, como objeto do interesse público primário, é que resta protegida pelas normas que definem os crimes em estudo neste livro227.

Conforme de depreende, segundo esta corrente, as violações produzidas

pela sonegação fiscal causariam gravame à coerência e unidade da ordem tributária

em si, enquanto estrutura encarregada das disposições responsáveis pela

arrecadação dos recursos públicos.