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CAPÍTULO 3- O BANDONE DO CAVERÁ, PALMARES E ASSOCIATIVISMO NEGRO

10. Mestre-sala dos mares

5.4 A estrutura física do Sarau Sopapo Poético no CRN

Quem chega ao Sarau Negro Sopapo Poético pela primeira vez será recebido, logo na entrada, por um cheiro de defumação. Logo, ao entrar no CRN a pessoa pode optar em subir ou descer uma escada. Se descer irá encontrar o Deeveejay Augusto passando uma série de clipes musicais da diáspora negra e da África. Ficará surpreso ao conhecer artistas que normalmente não se vê na televisão e nem escuta no rádio. É uma seleção feita com muito cuidado, um “set list” com vários artistas jovens, mulheres e homens negros, como também aqueles mais velhos que insistem em continuar existindo e nos ensinando através da música. Ele ou ela verá muitas cadeiras espalhadas em formato de círculo e poderá sentar. Encontrará ao lado esquerdo, logo após a escada, mulheres e homens negros vendendo alimentos, roupas, bijuterias e livros aos interessados na estética negra e nos saberes negros produzidos através da literatura, e do outro lado da roda, um espaço tipo estacionamento, onde poderá ficar em pé assistindo as performances poético-musicais. Encontrará pessoas negras que conversam após meses sem se verem, notará uma juventude negra presente e também pessoas mais velhas, uns conversando, outros olhando o celular e alguns assistindo o Cinekafuné.

Porém se preferir subir e entrar à esquerda, dependendo do horário, encontrará Anderson com as crianças do Sopapinho Poético, ali elas aprendem inúmeras atividades musicais, pinturas, e sobre como lutar contra o racismo através da arte. Anderson é a pessoa que está sempre pronta a lecionar os conhecimentos que foi adquirindo durante a militância e trabalho acadêmico. As crianças que estão naquele espaço são filhos dos sopapeiros e dos convidados, e da própria audiência. Sempre tem água, suco, bolo ou alguma coisa para as crianças comerem, fruto dos recursos que advem da contribuição espontânea da audiência ou de projetos do Sarau. Elas correm livremente, brincam enquanto o sarau não começa. Algumas vezes os sopapeiros vão e

participam com Anderson no Sopapinho e o auxiliam. Quando comecei o trabalho de campo, pude perceber a vontade deles em estarem junto às crianças mesmo que para isso, perdessem a parte principal do evento que é a roda de poesia. Isso demonstra forte relação dos sopapeiros com as crianças ou com a infância.

Estes espaços constituem os lugares centrais da festa, mas há um espaço ao lado do salão principal de cima, que dá acesso a três salas, algumas delas são consideradas camarins para os artistas ficarem e uma para reunião dos sopapeiros que antecede a entrada do Sarau. Logo que chegam vão até o espaço em que está sendo tocada música, normalmente os músicos chegam sempre primeiro. Em uma dessas salas os sopapeiros combinam suas intervenções e aquilo que cada um irá executar no evento. Isso dura em média uns 5 minutos, mas são suficientes para conectar as energias e sintonizar os desejos de um ótimo evento. Neste momento a emoção, o sentimento de responsabilidade toma conta de todos, pois tem uma audiência negra, formada por poetas, músicos, professores, funcionários públicos, artistas, e pessoas interessadas em aquilombar-se, africanizar-se e sair dali com algum tipo de força para enfrentar o racismo, e também para se expressar esteticamente através da poesia, da dança e da música. Essas pessoas são envolvidas durante todo o período em que estão no Sopapo Poético, por aquilo que Renato Nogueira chama de Afroperspectiva, que segundo ele:

[...] remete a cosmo-sentidos africanos e pindorâmicos para pensar -sentir o mundo. A afroperspectividade opera articulando as possibilidades advindas de todos os sentidos para apresentar o mundo. De modo que não se trata de uma visão de mundo; mas, lançamos mão de olfatos de mundo, audição de mundo, tato de mundo, paladar de mundo (NOGUEIRA, 2019, 129).

Por essa razão a roda de poesia possibilita abranger a partir da afroperspectiva, afrocentricidade e do Protagonismo Negro a confluência de várias experiências negras e podemos ver esses vários mundos operando. No próximo capítulo apresentamos como funciona o rito sopapeiro da roda de poesia.

CAPÍTULO 6 - O RITO POÉTICOMUSICAL DO SOPAPO POÉTICO

Neste capítulo apresentamos os principais momentos performativos, poético-musicais, bem como corporais presentes na roda de poesia do Sopapo Poético. Para tal, lançamos mão de produções acadêmicas para além do campo da Etnomusicologia, trazendo à presente tese contribuições da educação, filosofia, entre outras áreas, para entendermos do ponto de vista teórico como o rito sopapeiro acontece a partir da produção do conhecimento dos negros. A tentativa é trazer a crítica ao eurocentrismo, mostrando o quando o Sopapo articula e dá continuidade à luta política cultural negra.

Como foi apontado no capítulo anterior, existe uma série de momentos que os sopapeiros vivem que vão além de suas agendas. No entanto, o Sopapo constitui-se como momento importante na vida dos músicos-poetas. Podemos ver a presença de pessoas negras que fazem outras cenas culturais, como os jovens poetas negros que participam do Slam e dos Poetas Vivos, a força do samba e a tradição do swing, os aspectos corporais tanto da audiência, quanto do Sopapeiros, possibilitando o entendimento dessa experiência sopapeira parte do fenômeno global da afrodiáspora negra e luta antirracista contra racismo global que tem crescido exponencialmente como um dos grandes problemas da humanidade.

A intelectualidade negra presente no próprio Sarau ajuda-nos ampliar a dimensão do evento, visto que o mesmo ajuda tanto na produção e no fortalecimento de poetas, mas também produz sua própria intelectualidade, que renova o evento a cada edição e vai fornecendo bases para construção do Protagonismo Negro. O fato de ter dentro do Sopapo Poético uma mestra em Educação, como Pâmela Amaro Fontoura e Liziane Guedes, mestrando em psicologia, assim como meu próprio trabalho, apresenta a nova geração de intelectuais negros produzidos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Como mostramos no primeiro capítulo, ela tem longa tradição, pois desta universidade, chamada UFRGS passaram nomes como Antônio Carlos Côrtes, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Luiza Bairros, Maria Conceição Lopes Fontoura, Oliveira Silveira, referência negra central no Sopapo Poético e um dos grandes poetas e negros do século XX, entre outros.

As fotos presentes neste capítulo são todas do fotógrafo Feijão, sua sensibilidade proporcionou entender a importância do visual e sua potência. Em um estado marcado pelo racismo, machismo, feminicídio e pelo encarceramento de nossa juventude, o Sopapo nos faz sorrir e lutar ao mesmo tempo, mas pra isso é necessário conhecimento que vem sendo transmitido pela música, pela dança, pela poesia, pela performance musical e por tudo que há envolta à roda de poesia, motivo principal do evento ao afirmar a consciência racial como elemento importante.