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A família: as mulheres como esposas e mães

5.1 AS MULHERES E SEU TEMPO: ESPAÇOS POSSÍVEIS, CAMINHOS

5.1.4 A família: as mulheres como esposas e mães

“Não, eu jamais imaginava [ser uma executiva]. Eu imaginava casar, ser feliz pra sempre!” (Clarice).

“Mas o meu modelo não é o modelo de mãe e de esposa, embora tudo funcione normalmente, fui disparado uma profissional brilhante!” (Diva).

Falar do espaço da família por último é uma tentativa de quebrar com a ordem de importância imposta ao papel da mulher como mãe e esposa, muito comum hoje em dia do que em tempos atrás. Se para algumas mulheres deste estudo casar e ser mãe era seu grande sonho, para outras não.

Mas nem por isso, falar da família por último representa um valor menor desta categoria. Considero essa ruptura importante por sugerir que ser mãe e esposa não é o mais importante para algumas mulheres, a exemplo de Diva, e que nem sempre a opção de ter uma família se dá em detrimento da profissão.

Das cinco mulheres que se tornaram reitoras de universidades catarinenses, quatro são casadas e têm filhos. Clarice foi a única que se casou logo após terminar o curso normal. Para Bernadete, Diva e Elvira, o casamento aconteceu depois, ou em decorrência de terem freqüentado uma faculdade. Elvira e Diva conheceram seus respectivos maridos enquanto estavam fazendo faculdade. Bernadete terminou a faculdade e voltou para sua cidade para casar. Alda nunca se casou.

Suas histórias são muito diferentes, assim como os significados que elas atribuem às experiências de ser mãe, esposa, ter um lar para cuidar e às formas como elas vivenciam essas experiências. Para Bernadete, o casamento foi algo quase que predestinado, algo definido pela família, legitimado pela sociedade e sobre o qual pouco controle pôde ter.

Para Diva e Elvira, o casamento veio como uma escolha, mas ainda assim, num período de suas vidas em que esta escolha teve reflexos importantes em suas trajetórias.

Ambas escolheram seus maridos durante o período em que estavam na faculdade. Ambas viviam momentos de suas vidas em que parte significativa de suas identidades se formava: Diva e Elvira sonhavam fazer mestrado no exterior. Mas elas resolveram se casar. Mas isso não as impediu de seguirem no magistério. Para elas não houve dilema – mesmo que parcial e momentâneo – não houve necessidade de escolher entre a carreira e a família. Para elas, o trabalho fazia parte do projeto de terem uma família, fazia parte da vida e não podia ser dela separado. Elas viveram esse projeto de formas diferentes: Diva foi morar no interior, Elvira permaneceu em Florianópolis.

No caso de Clarice, casar, ter filhos, uma família, sempre foi seu maior sonho. Ela relata, no entanto, que na época em que assumiu o compromisso com o marido, “não tinha muita clareza se tinha que trabalhar ou se não tinha que trabalhar”. Clarice era muito nova. Ela tinha seus 18 anos e “estava encantada com o casamento, então aceitei a condição de...”.

Clarice calou, mas certamente se referia aqui à condição de esposa, mãe, responsável pelo lar que construiu com seu marido. No entanto, Clarice só aceitou essa condição enquanto ela estava se sentindo bem com a família e com as oportunidades que a cidade onde moravam lhe dava. Logo depois de casar, Clarice e o marido se mudaram para Porto Alegre e lá ela fez “vários cursos, não de graduação... história da arte, grafismo... tudo que tu imaginas de cursos complementares... mas sempre voltada para o lado mais feminino, digamos assim, eu fiz basicamente tudo”.

A grande mudança que a faria sentir-se insatisfeita com a vida que levava viria pouco tempo depois, quando sua família se mudou para uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, um lugar muito bairrista e provinciano, na concepção de Clarice. A partir daí, sua vida foi invadida e ela sentiu necessidade de lutar por um espaço desconhecido para ela, um espaço no mundo público. Mesmo depois desses episódios, ela continuou por um bom tempo a adequar suas escolhas à vida familiar.

Elvira também sempre adaptou sua vida profissional à família, às decisões que ela e seu marido faziam. Por exemplo, foi decisão do casal que teriam três filhos, com uma diferença de quatro anos de um para o outro:

[...] porque a gente pensava: quando a gente tiver o segundo já o outro é maiorzinho... Aquela coisa, já dá conta de meio que ajudar, já pode falar, já pode contar pra gente, que tá fora, o que acontece e o que não acontece! Porque a gente tem que deixar com outra pessoa, tem que deixar com uma empregada e até pra deixar com a empregada, já não são mais dois bebês... um já meio que se vira sozinho! (Elvira)

Para Elvira, não havia escolha a ser feita: trabalho e família eram duas coisas interligadas e que não poderiam ser separadas. Era como um dueto se completando. Ela não enxergava divisão entre família e trabalho. Desde menina sempre sonhara em ser professora, sonho que foi regado pela dedicação e incentivo de seus pais. Provavelmente por esse motivo, e não por qualquer outra questão, como a financeira, é que Elvira sempre lecionou, sempre teve a convicção de que o trabalho fazia parte de sua vida.

Nem por isso se pode dizer que sua vida tenha sido fácil. Embora naquela época as coisas fossem mais tranqüilas, trabalhar fora e ter uma família sempre é um desafio:

[...] e era uma vida difícil, eu tinha 40 horas na universidade e uma coisa que eu fazia e que hoje não seria mais possível: a gente tinha um trânsito tranqüilo pra universidade. Então, em 5, 10 minutos a gente chegava na universidade. Então a gente se revezava, eu e o meu marido! Mas, às vezes, a gente saia pra buscar um e voltava entre uma aula e outra... pra levar e deixar em casa... saía e em 10, 20 minutos estava em casa! Hoje seria impensável. (Elvira)

Por outro lado, essa facilidade que havia no tempo em que seus filhos eram pequenos não evitava as preocupações: “era sempre uma preocupação com a conciliação de trabalho e casa. Felizmente o meu marido é muito companheiro!” (Elvira).

São as contradições que qualquer vida enfrenta. Essa preocupação existia, porém, Elvira sempre teve muita clareza de que a família “era uma coisa muito importante”. Para ela essa era a coisa mais importante, algo que “nunca colocaria em risco” (Elvira).

Essa concepção exigia dela, como mulher e mãe, certos esforços: Elvira é exigente e sempre foi uma pessoa muito metódica, que gosta das coisas belas e bem feitas, o que certamente foi gerado desde a infância com os cuidados da mãe e a dedicação do pai, com as histórias contadas, com os desenhos que ilustraram seus cadernos:

Eu tinha filhos pequenos e, como eu falei, era bastante metódica. Então eu saia da universidade e meu trabalho acabou! Eu tinha prioridades! Então eu saia da universidade e o trabalho ficava lá. Minha rotina era essa: saia da universidade e vinha pra casa, meus filhos já estavam em casa, pois eles sempre estudaram de manhã, e daí eu ia ajudar a fazer deveres, contar histórias... porque eu acho que é muito importante! Nunca descuidei disso. (Elvira).

Mas essa clareza, esse sentimento de que nada poria em risco a família, não é uma regra para todas as pessoas. Pelo contrário. Diva afirmou que foi “disparado, uma profissional brilhante!”. Também fez seus esforços em casa, para manter tudo em ordem, mas a profissão sempre foi o grande motivador de sua vida: “Sempre o que me norteou foi a minha profissão, sempre foi minha profissão. Eu sempre dei muita importância a ela.” (Diva).

Para Diva, “24 horas sempre foi pouco” para fazer tudo que precisava. Ela teve duas filhas, também com a diferença de quatro anos entre uma e outra. Ela nunca deixou de ser professora e, ainda, encabeçou o processo de construção da universidade na qual foi reitora.

Diva sempre teve o apoio de seu marido, de sua família, mas acredita que isso aconteceu “talvez porque não existisse outra forma mesmo!!”, pois sua vida profissional estava acima de tudo. Isso talvez se deva à visão de mundo muito clara que Diva construiu ao longo de sua vida. Para ela:

[...] a essência do homem é o trabalho. [...] Eu tenho nesse ponto uma posição marxista: o homem pode transformar a sociedade e é transformado por ela, você faz a história e também é transformado por ela, mas eu sempre me dediquei muito mais à minha profissão do que ao lar, às minhas filhas, às minhas coisas. (Diva).

Diva olha para trás hoje e tem a consciência de que suas escolhas lhe custaram alto, mas um preço que valeu a pena, dada sua visão de mundo. Ela tem consciência de que em decorrência de sua vida profissional:

Os meus momentos em família sempre foram, assim, poucos momentos em família, mas quando eu estava em casa, em família, eu estava tentando ficar plena ali com a família. Eu sou uma pessoa que tem uma vida familiar, tenho as minhas filhas, mesmo casadas, almoçam comigo, estão na minha casa, tenho netos. (Diva).

A experiência vivida por Diva levou-a a acreditar, com certo embaraço, que não foi “uma mãe tão presente assim”. Ela sempre priorizou o trabalho: “Eu tinha que priorizar! Priorizei o meu trabalho sempre! Acho que não faltou nada às minhas filhas... uma delas às vezes diz que eu fui uma mãe ausente, mas mesmo assim não deixou de se formar, de crescer, hoje também ela é mãe.” (Diva).

Suas lutas foram constantes e, embora tenham se tido, na maioria das vezes, o apoio de seus maridos em suas trajetórias, elas também ouviram: “O quê? estás louca? Pós-graduação no exterior com filhos pequenos?” (Elvira), “[...] até entendo que queiras trabalhar, mas ser presidente da Fundação?” (Clarice).

Palavras como estas, muitas vezes, as surpreenderam. Mesmo assim se tornaram reitoras, foram líderes nos grupos dos quais fizeram parte. Elas estão entre as mulheres que não se deixaram abater pelos discursos redutores de sua feminilidade, num tempo em que isso ainda era incomum. Mas, mais do que se rebelar contra estes discursos, as mulheres deste estudo acabaram por ter em suas vidas, causas pelas quais lutaram, pequenas e grandes. A seguir, descrevo um pouco destas causas que elas sempre tiveram em suas vidas.