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“[...] fui disparado uma profissional brilhante!” (Diva)

Diva é uma mulher vigorosa. Recebeu-me em seu escritório, no local onde trabalha nos dias de hoje. Com um aperto de mão muito firme e sem rodeios, logo foi se desculpando por não haver tido tempo de preparar “o material para minha entrevista”.

Nós havíamos combinado previamente que naquele primeiro encontro apenas conversaríamos sobre a pesquisa que eu estava realizando, pois ela queria saber mais sobre a entrevista em si, desejava organizar o nosso trabalho, preparar-se para as perguntas que eu viria a fazer.

Ela ansiava por ajudar minha pesquisa com dados de suas gestões e dos trabalhos que realizou como reitora, embora eu já tivesse lhe deixado claro ao telefone, quando agendamos o primeiro encontro, bem como na carta convite que eu lhe enviara, que se tratava de uma

pesquisa qualitativa que visava compreender a sua trajetória para tornar-se uma reitoria, importando-me a sua perspectiva e sentimentos a respeito desse caminho.

Desse modo, ative-me neste início de conversa em explicar mais detalhadamente a metodologia e os objetivos da pesquisa. Salientei que me interessava pelas histórias e narrativas de mulheres que chegaram à reitoria de universidades catarinenses; que interessavam as relações que se estabeleceram ao longo de suas trajetórias; suas visões a respeito dos acontecimentos e não os dados estatísticos de construção e evolução das universidades, embora eles pudessem ser considerados.

A professora, então, quis saber minha formação e começamos a conversar sobre assuntos não relacionados com minha pesquisa, a universidade que ela ajudara a construir ou seus consecutivos mandatos. Falamos, então, sobre estudos e leituras que nos interessavam, sobre as disciplinas em que tínhamos interesse e sobre os professores em comum que tivemos em nossas pós-graduações.

Desse modo, após lembrar antigas e novas cadeiras cursadas, marcamos um novo encontro, onde ela começaria por me falar mais de sua infância. Fui embora curiosa para conhecer mais dessa mulher corajosa e sonhadora criada no interior de Santa Catarina, em uma família humilde e numerosa, onde o trabalho ocupava papel essencial e que nem por isso deixou de acreditar na capacidade de transformação da realidade e no estudo como “o redentor do desenvolvimento.” (Diva).

4.4.1 Infância e Juventude

“Então, eu sempre fui guiada por uma grande utopia [...].” (Diva).

De onde vem um grande sonho? De onde vem uma grande fé? O que vai ao coração de cada homem que o faz um ser bondoso?

Diva é uma mulher forte. Ela é a sétima em uma família de dez filhos, cinco mulheres e cinco homens, todos criados “com valores bastante rígidos”, em uma família de classe média, “mais pra pobre do que pra média”. Por isso – e também por ser neta de italianos – escutou desde muito cedo em sua vida: “Quem no lavora, no manja!” Foi assim que aprendeu a dar valor ao trabalho.

Seu pai era motorista de caminhão. Vivia trabalhando. Mas naqueles tempos idos, “a economia prevalente na nossa Região era a exploração da madeira, então isso dava pra sustentar mais ou menos a família, mais ou menos bem”. De qualquer modo, sendo uma família grande, “era necessário partilhar tudo! Tudo mesmo!”.

Sua mãe era dona de casa e criou os filhos junto com o pai; os filhos foram educados “dando ao trabalho o maior valor e dignidade”. Outro esmero de sua mãe era pelo conhecimento:

A filosofia na minha casa era o seguinte: todos faziam o grupo escolar, era só o que existia, o Estado oferecia até o quarto ano primário, o antigo primário. E depois nós estudávamos em colégios de freira e de padre. Não para ser freira ou padre, estudava externo, fiz o Normal desta forma. Assim meus irmãos também fizeram. (Diva).

Mas Diva nunca se deteve às convenções, desde criança ela sempre “tinha um sonho a mais, pensamento à frente a mais, um desafio a mais”; ela sempre foi movida por um sentido de futuro e de construção, de renovação, de mudança e de crescimento.

Tomada por esse espírito e com o apoio de seus pais, Diva foi fazer o curso normal e não teve grandes dificuldades. Formou-se normalista ainda muito jovem: “No meu tempo, em 63, me formei normalista, professora, com dezessete anos, eu nem tinha dezoito anos ainda e nem podia fazer o concurso do Estado ainda. Eu era muito nova!” (Diva).

Nesta época ela ainda não se dava conta dos significados que ser normalista e jovem poderia ter em sua vida. Assim, escolher a profissão de professora e ter a coragem – e o privilégio – de continuar os estudos, ir para a universidade, seria apenas o início de um longo e árduo, porém, sempre prazeroso caminhar.

4.4.2 A escolha da profissão

“Então a minha vida é permeada de pequenos grandes sucessos! Pequenos grandes sucessos.” (Diva)

A caminhada de Diva foi marcada pela decisão de ir para a universidade, uma de suas grandes vitórias. Terminado o curso normal, ela era ainda muito jovem e não podia prestar concurso público para ser professora do Estado. Por isso resolveu ir para a capital, único lugar onde poderia fazer um curso superior naquela época.

Mas isso não significava apenas estar indo para a universidade. Ela estava indo para a capital, e isso significava muito para uma menina do interior de seus tempos. No mínimo significava a renúncia, pelo menos provisória, do destino que lhe cabia como mulher, o destino de permanecer em sua cidade, casar-se, ter filhos e trabalhar em casa cuidando dos filhos, do esposo e do lar.

Diva decidiu fazer Pedagogia e foi estudar em Florianópolis a contragosto de sua mãe, após terminar o curso normal em sua cidade: “Naquele tempo, quem queria fazer faculdade só tinha Florianópolis! Não tinha outra faculdade a não ser Florianópolis. E eu resolvi fazer Pedagogia”.

Tal decisão não foi fácil para Diva e custou-lhe muito sacrifício, por mais que representasse um duplo privilégio: ir para a universidade e ser uma mulher na universidade. Por mais segura de si que fosse, e por mais que estivesse sempre um passo à frente de sua época, ela sentiu o peso de sua decisão e dos privilégios que perdera. Chegando à capital, Diva precisou trabalhar para sustentar-se, mas trabalho nunca foi problema para essa mulher que desde muito cedo aprendeu a valorizá-lo.

Os dias na universidade foram de dedicação e luta. Participou de movimentos estudantis, especialmente da alfabetização de adultos, através do método Paulo Freire. Em meio a isso, Diva conheceu o amor. Um pouco antes de se formar, se apaixonou e logo depois da formatura se casou.

Com isso, voltou para o interior com o marido. Foi morar em uma cidade do interior, porém, uma cidade com uma vocação muito forte para o trabalho e muito fraca para a educação, tanto que ela considerava o ensino muito fraco embora essa fosse uma cidade maior do que sua cidade natal. Ao se dar conta das deficiências da educação em sua Região, ela passou a lutar por mudanças, especialmente pela criação de uma instituição de educação superior, da qual participou desde os seus primórdios.

A vocação pelo ensino era muito forte em Diva. Ela sempre se considerou muito melhor professora do que mãe ou esposa. Essa consciência sempre presente nela é a mesma que lhe dizia que teria seguido um caminho diferente caso não tivesse se apaixonado e casado. “Se não tivesse casado... teria seguido outro rumo, provavelmente o acadêmico também, porém de maneira diferente.” Se não tivesse casado, Diva teria ido para a Bélgica fazer mestrado e doutorado. Ela não poderia jamais imaginar que sua renúncia pela academia, naquela época, significaria, mais tarde, a possibilidade de participar da criação de uma universidade e, com isso, a oportunidade de muitas outras pessoas fazerem um mestrado e um

doutorado, assim como outras oportunidades para si mesma4. Isso representa muito para essa mulher que sempre se doou através da educação e a excelência em sua carreira.

4.4.3 O magistério

Sempre fui professora, ser professora foi o meu pano de fundo, vamos dizer assim. [...] minha vida foi sempre convergida ou convergente para o ensino ou para a educação, para falar melhor ainda.” (Diva)

Uma vez que desistiu de seu mestrado, Diva dedicou-se ao magistério. Esta vida foi beneficiada pela principal herança de seus pais: dedicação ao trabalho. Essa herança começou a ser lapidada ainda em Florianópolis. Ela dava aulas de Sociologia e Didática em um colégio confessional para poder sustentar-se. Desde essa época, Diva sempre se destacou como professora e depois, no ensino superior, onde sempre foi convidada para ser professora paraninfa e/ou homenageada: “sempre fui destacada e lecionei assim com muito vigor e afinco”. (Diva).

Logo que chegou ao interior, depois de casada, Diva recebeu o convite para lecionar também no ensino superior que se iniciava naquela cidade, como em toda Santa Catarina: “E eu tinha 24 anos, era jovenzinha e o meu processo foi enviado para o Ministério da Educação e Cultura (MEC) junto com os outros e foi aceito de cara. Só muito tempo depois que eu fiz mestrado e doutorado.” (Diva).

Nessa época, ela trabalhou com muitos professores que “já tinham 50, 60 anos e estavam recomeçando a estudar pra se capacitar em ensino superior”. Diva era uma das poucas pessoas no Estado com formação superior e por isso era requisitada e reconhecida. Desde este início, Diva passou a lutar pelo ensino superior: “foram anos de trabalho e de articulação”. Foram praticamente 20 anos de trabalho. Ela assumiu diversos cargos dentro da faculdade, depois foi diretora de Pesquisa, Ensino e Extensão. Coordenou o grupo de pessoas que lutavam pela criação da universidade e foi a primeira diretora mulher da faculdade.

Diva queria a criação da universidade, pois não se convencia daquela vocação exagerada para o trabalho em vigor naquela cidade onde fora morar. Acreditava que a cidade

4 Mais tarde Diva veio a fazer mestrado e doutorado, porém no Brasil e não na Bélgica como havia sonhado na

precisava de cidadãos, seres pensantes, não apenas de fazedores, trabalhadores, bons operários.

Por isso acredita que sempre foi “guiada por uma grande utopia”. Na verdade, Diva ainda acredita ser guiada por essa utopia, onde a educação é a mola do desenvolvimento, “mas ultrapassando em muito essa fase e sendo realmente a educação aquilo que faz do indivíduo a sua essência e que pode transformar a própria sociedade” (Diva).

Essa concepção muito particular sobre educação se deve especialmente à leitura, que sempre fez parte de sua vida. Ela sempre foi uma pessoa que leu e estudou muito, sempre se interessou por Filosofia e Sociologia, que deram uma base forte à sua formação profissional, bem como arregimentaram o seu caráter e personalidade forte.

Diva acredita que isso foi dando a ela “uma grande capacidade de leitura do mundo e de papel, de função” [social]. Por isso talvez tenha sempre tomado para si a responsabilidade de construir, de fazer, responsabilidade que ela deseja poder conservar mais do que tudo na vida.