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“Tal temática [gênero] é extremamente abrangente e impõe dificuldades para definições precisas.” (MATOS, 1997, p. 108) “Não deixe nenhum pensamento passar incógnito e mantenha seu caderno de notas tão rigorosamente quanto a autoridade constituída mantém o registro dos estrangeiros. [...] Nunca considere como perfeita uma obra sobre a qual não se sentou uma vez desde a noite até o dia claro” (BENJAMIN, 1985, p. 31)

Como destacado no excerto acima, o tema gênero engendra, em si, dificuldades para o pesquisador que se arrisca a enveredar seus estudos nesta área. Porém, as maiores dificuldades enfrentadas nesta pesquisa não dizem respeito a esta temática em si, mas estão relacionadas à ela e dela são indissociáveis.

Contudo, a maioria destas dificuldades, no meu caso, se converteu em benefícios para este estudo, cujo tema central não pode ser afastado das questões de gênero. Destacarei aqui duas dificuldades que se converteram desta forma.

A primeira, diz respeito ao fato de esta tese ter sido escrita em meio a uma forma de vida não muito ortodoxa, mas que fala muito do momento em que vivemos hoje, conforme descrevi na seção 1.5. Todo este estudo foi feito em meio a diversas viagens onde acompanhei meu marido em trabalhos ao redor do mundo, como ele costuma dizer. Em diferentes épocas e por diferentes períodos, estivemos em países como Japão, Alemanha, Síria, Chile, Venezuela, México e Argentina.

Procurei amenizar minhas longas ausências da universidade levando sempre comigo uma mala, literalmente, cheia de livros e artigos onde eu, inicialmente, me inseria na revisão da literatura deste estudo e, mais tarde, depois de realizado o trabalho de campo no Brasil, com os livros que me ajudaram a construir a análise dos dados coletados em campo.

Porém, no meio deste processo eu não tinha claro que as dificuldades que se deflagram com tantas mudanças e com os processos de adaptação em diferentes países eram, na verdade, o grande diferencial deste trabalho. Ao longo deste período, estas viagens tanto quanto as diferentes disciplinas cursadas no doutorado e as leituras exigidas para a análise dos dados da pesquisa empírica realizada, certamente influenciaram minhas visões de mundo e a forma como conduzi esta pesquisa.

Outra dificuldade enfrentada se refere ao fato de que durante o doutorado tive um filho. Ter um filho, por melhor estrutura social, psicológica e financeira que se tenha pode limitar sua possibilidade de dedicação a outras atividades. Eu não tinha esta convicção antes de decidir engravidar. Ao contrário, acreditava que poderia conciliar sem problemas os cuidados que um filho exigiria e as atividades que a tese ainda me exigiria, ou seja, definição do objeto de pesquisa, realização do trabalho de campo e a redação do texto final.

Porém, embora um filho traga dificuldades, especialmente porque você não consegue, quando assim o deseja, dedicar-se a sua tese por horas infindáveis, “desde a noite até o amanhecer”, conforme sugerido por Benjamin (1985), por saber que isso fará a diferença na tecitura de um trabalho, porque às vezes você sente necessidade de não parar de desenvolver uma idéia sobre a qual vem a dias pensando e, de repente, lhe surge à inspiração.

Quando se têm um filho, muitas vezes, é preciso interromper o trabalho, mesmo quando se está em meio ao desenvolvimento importante de uma idéia, de um pensamento, de uma análise. Muitas foram às vezes em que levada pelo cansaço adormeci enquanto contava histórias para fazer meu filho dormir; muitas foram às vezes em que acordei com o despertador de madrugada para dar conta de terminar o trabalho, pois meu dia tinha poucas horas para que pudesse trabalhar; muitas foram às vezes em que uma idéia me acordou de madrugada e me tirou da cama para escrevê-la.

Porém, mais do que dificuldades, a experiência de ser mãe foi essencial para mim no processo de conclusão deste trabalho. Ser mãe é um aprendizado diário, sobre o outro, sobre si mesmo. O cuidado a uma criança exige tempo, dedicação que, muitas vezes, você prioriza em detrimento de outras atividades, ao menos, este foi o meu caso muitas vezes: entre ir trabalhar e cuidar de meu filho com febre, sempre optei por cuidá-lo.

Com meu filho o significado da narração passou a fazer mais sentido. Eu já havia estudado este conceito, mas apenas pude compreendê-lo no exercício da maternidade. A experiência pessoal de contar histórias ao meu pequeno filho, em momentos de lazer, tanto quanto nos de dor fez-me lembrar de conceitos que em outras épocas me encantaram:

A criança está doente. A mãe a leva para a cama e se senta ao lado. E então começa a lhe contar histórias. Como se deve entender isso? [...] Daí vem a pergunta se a narração não formaria o clima propício e a condição mais favorável de muitas curas, e mesmo se não seriam todas as doenças curáveis se apenas se deixassem flutuar para bem longe – até a foz – na correnteza da narração. Se imaginarmos que a dor é uma barragem que se opõe à corrente da narrativa, então vemos claramente que é rompida onde sua inclinação se torna acentuada o bastante para largar tudo o que encontra em seu caminho ao mar do ditoso esquecimento. É o carinho que delineia um leito para essa corrente. (BENJAMIN, 1987, p. 269).

Este amadurecimento a respeito do conceito de narração foi essencial pela forma como este trabalho foi concebido: este estudo não teria o formato que tem se não fossem as experiências acima narradas; não teria os mesmos objetivos, não teria sido feito com os mesmos cuidados, com os mesmos métodos. Sobre estes, gostaria de destacar algumas dificuldades relacionadas e que não se converteram em benefícios para o trabalho.

Uma destas dificuldades se refere à definição do método de investigação a ser utilizado. A meu ver, muitas vezes, a busca de um método perfeito por parte do pesquisador leva-o a perder um tempo e energia que lhe farão falta no período em que ele mais precisará, ou seja, nas diferentes etapas da pesquisa empírica e na redação final da tese.

Este foi o meu caso. Como pesquisadora, perdi muito tempo e energia na busca de um método ideal, mesmo quando meu objeto de estudo estava pronto para ser investigado. Esta busca me tomou um tempo que senti falta no momento em que estava analisando e, especialmente, quando estava escrevendo o relatório final. Contar as histórias das mulheres sempre foi para mim, parte muito importante deste trabalho, já que se sabe que as histórias das mulheres nunca foram ouvidas e, muito menos, contadas.

O grande problema que encontrei foi querer conciliar o uso da etnografia e da história de vida como método de pesquisa. Eu inicialmente desejava utilizar os dois métodos paralelamente em minha pesquisa. Entendia que a etnografia iria me ajudar a entender o contexto cultural da trajetória das mulheres, ou, a famosa cultura feminina da liderança. Por outro lado, a história de vida era para mim um instrumento legítimo para que eu pudesse dar voz às mulheres e, assim, inserir seus discursos na História.

Mas encontrei no caminho muitas dissonâncias metodológicas, que me fizeram optar por um método mais convencional. Alguns autores, como Spradley (1979), afirmam que a história de vida é um tipo de descrição etnográfica, o que me fazia acreditar que eu podia fazer uma etnografia, a partir das histórias de vida destas mulheres. Mas para outros autores a história de vida é uma ferramenta de coleta de dados (ROESCH, 1999; HAGUETTE, 2001).

Ainda em relação ao método, é preciso lembrar que como o principal meio de coleta e interpretação dos dados, nesta pesquisa, foi o próprio pesquisador, pode haver vieses na

análise dos dados (MERRIAN, 1998). Ademais, muitas vezes o rigor de manter suas notações de campo em dia, é suplantado pelas dificuldades impostas pelo seu dia-a-dia e pelas limitações do próprio pesquisador.

Além disso, é preciso destacar que a opção que fiz em escrever em primeira pessoa, embora tenha sido para mim uma solução que encontrei para descrever as narrativas das mulheres, de tornar-me familiar com o estranho – o fenômeno estudado -, pode trazer limitações ao estudo, especialmente por conta da dificuldade que esta forma de escrever impõe à leitura de trabalhos científicos. As pessoas não estão acostumadas com este tipo de leitura no meio acadêmico e, muitas vezes, confundem-se no texto ou confundem a pessoalidade da escrita com a falta de rigor, o que se deve à tradicional impessoalidade dos trabalhos científicos.

Outra dificuldade se refere à própria definição do tema a ser estudado. Levei muito tempo para definir o meu objeto de estudo e acredito que isto se tornou uma grande limitação para o mesmo, quando finalmente ele começou a ser empreendido. Inicialmente eu decidira trabalhar com o tema da constituição da subjetividade a partir do pensamento frankfurtiano, conhecimento que adquiri na realização de duas disciplinas que cursei sobre Teoria Crítica. Mas a incompatibilidade entre o foco que meu trabalho deveria ter, dada sua origem, e o referencial teórico profundamente filosófico e crítico me impossibilitaram esse caminho.

Por fim, saliento que as diferentes abordagens teóricas utilizadas podem trazer limitações para este estudo, além disso, não impedem vieses na interpretação dos dados. Mas, conforme destacou Matos (1997, p. 108), “são muitos os obstáculos para os pesquisadores que se atrevem a enveredar pelos estudos de gênero – campo minado de incertezas, repleto de controvérsias e de ambigüidades, caminho inóspito para quem procura marcos teóricos fixos e muito definidos”.

Assim, sugiro que os caminhos teóricos adotados não eximem este estudo de ambigüidades e paradoxos, conforme passo a descrever nas histórias das mulheres nos capítulos 4, a seguir e, especialmente, no capítulo 5.

4 AS REITORAS CATARINENSES: IDENTIDADE E AUTO-ESTIMA

Neste capítulo procuro apresentar ao leitor, as reitoras de uma forma geral. A forma como me propus a fazer esta apresentação se deve a necessidade que senti em contar um pouco as histórias das reitoras de forma diferenciada, mostrando a diferença dentro da diferença, ou seja, contando a vida de cada uma das reitoras de forma breve, porém, sem interrupções.

Como o leitor perceberá, no capítulo cinco priorizei as similaridades entre as histórias das mulheres, agrupando as narrativas dentro de categorias. Neste capítulo, priorizo as diferenças; conto as histórias das mulheres separadamente, para que se possa identificá-las no depois, no capítulo cinco, quando continuo a contar suas histórias, especialmente os caminhos percorridos pelas reitoras dentro do ensino superior catarinense.

É preciso destacar que os nomes das reitoras são fictícios, tanto quanto o são os nomes das cidades e das instituições pelas quais elas passaram. A escolha dos nomes, conforme descrevi na seção 3.6, foi feita de modo que as identidades das reitoras não fossem descobertas. Nomes comuns e simples foram escolhidos em lugar de nomes sugestivos, como de deusas ou figuras históricas, de modo a humanizar os sujeitos e evitar a idealização de suas identidades e trajetórias, fato que tem sido comum em trabalhos sobre liderança feminina.

Destaco que todas as professoras que se tornaram reitoras ou vice-reitoras em Santa Catarina são mulheres brancas e estão na faixa dos 50/60 anos. Todas as reitoras foram normalistas; todas fizeram faculdade na área de Ciências Humanas (Filosofia, Letras e Pedagogia). Duas delas fizeram mestrado e doutorado, outras duas têm apenas o mestrado. Somente uma delas não tem mestrado nem doutorado, apenas especializações na área de Letras.

As mulheres deste estudo tiveram uma longa caminhada nas universidades em que se tornaram reitoras. Todas iniciaram suas atividades profissionais como professoras. Todas entraram na universidade como professoras de inglês, psicologia ou metodologia de ensino. Todas trabalharam apenas em uma instituição de ensino superior e a elas se dedicaram com exclusividade, ocupando diferentes cargos administrativos ao longo do tempo. Das cinco mulheres, quatro ocuparam os cargos máximos de suas instituições por 14 anos ou mais.

Apenas uma das cinco reitoras foi eleita como vice-reitora e não fez sua sucessão, todas as demais foram reeleitas em mandatos sucessivos.

Assim, nas seções que se seguem introduzo o leitor às trajetórias destas mulheres contando, de forma isolada, um pouco de suas vidas, para que seja possível identificá-las no momento em que eu descrever como se tornaram reitoras, o que será feito no capítulo 5.