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2.2 A Fase do Desenvolvimento do Mercado de Títulos Públicos: Década de

CAPÍTULO III – ANÁLISE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL

III. 2.2 A Fase do Desenvolvimento do Mercado de Títulos Públicos: Década de

Conforme argumentado acima, este período teve início, em realidade, com as medidas implementadas ainda em 1968, e em particular em 1969. De fato, embora a década de 70 seja tida como a década do desenvolvimento do mercado de títulos no país, as principais medidas que propiciaram tal impulso tiveram origem em 1969, e foram tomadas pela GEDIP (Gerência de Dívida Pública) do Banco Central com vistas a desenvolver um amplo mercado de títulos federais no país, e que visavam, explicitamente34:

• Obtenção de recursos não inflacionários para a cobertura dos déficits orçamentários da União, assim como para a realização de investimentos específicos, não contemplados no orçamento (vale mencionar que esta época correspondeu ao grande crescimento da economia, de forma que obter recursos para investimento público era uma prioridade do governo);

• Consolidação das Operações de Mercado Aberto; • Giro da Dívida Pública Mobiliária Interna da União.

Percebe-se nesta lista a multiplicidade de objetivos experimentados pela GEDIP, incluindo objetivos de política monetária e de administração da dívida pública.

Os objetivos perseguidos foram alcançados e fizeram com que o superávit no giro da dívida atingissem 0,6% do PIB em 1969 (R$ 1,5 bilhões em valores de julho/2001). De fato, em oposição aos anos da segunda metade da década anterior, a maior aceitação do mercado por títulos públicos propiciou a emissão líquida de títulos em volume superior às necessidades de financiamento da União no valor de R$ 15,5 bilhões entre 1970 e 1972 (valores de julho/2001).

(Em percentual do PIB)

Ano Títulos em Circulação Déficit da União Colocação Líquida de Títulos Públicos

1969 4,4% 0,6% 0,6%

33 Garcia, M.“The Structure of The Public Sector Debt in Brazil”, 1998.

34Banco Central - Gerência da Dívida Pública, Relatório de Atividades, 1972.

1970 5,8% 0,4% 1,3%

1971 6,6% 0,3% 1,3%

1972 8,8% 0,2% 2,3%

Fonte: Relatório de Atividades BACEN/GEDIP, 1972

Ainda, o Banco Central passou a atuar regularmente no mercado, comprando e vendendo títulos públicos, fazendo com que a liquidez dos títulos aumentasse, e consequentemente o número de instituições participantes do mercado35.

Desta forma, as primeiras políticas de aprimoramento do mercado de títulos públicos visavam facilitar a aceitação do mercado por estes ativos, de forma a não só conseguir maior volume de recursos de forma não inflacionária, como também a criar condições para a perfeita execução da política monetária. Com o sucesso destas medidas, em 1970 o país não se defrontava mais com o problema de um mercado incipiente de títulos públicos para cobertura dos déficits fiscais, sendo a colocação de ORTN já suficiente para atender a estas necessidades. Segundo Edésio Ferreira, “Nevertheless, there was

still a need for complementary measures for the public debt security market to attain the objectives stipulated within the scope of monetary policy. There was therefore a need to establish a short-term security, not to make up for deficits on the handling of the debtor financing budgetary unbalances, but with necessary requisites to absorb possible surplus liquidity in the system, and even transforming it into a second-line reserve for the commercial banks through the mechanism of reserves exchange”36.

Tendo satisfeito esta primeira necessidade, o Banco Central julgou importante a criação de outro título mais apropriado às funções de política monetária, de forma que foram editados o Decreto-Lei n.º 1.079, de 29/01/1970 e a Resolução n.º 150 do CMN, de 22/07/1970, que criava as LTN (Letras do Tesouro Nacional) para fins de política monetária.

Àquela época o mercado não era ainda desenvolvido o suficiente para precificar e adquirir papéis prefixados competitivamente. Desta forma, a primeira emissão de LTN a mercado ocorreu em 17/08/1970, com taxas fixas, determinadas pelo Banco Central e levadas previamente ao conhecimento das instituições financeiras. O volume a ser colocado, nesta sistemática, dependia do total das propostas do mercado. Segundo o

35 A este respeito ver Carlos Brandão, “Dívida Pública e Mercado Aberto no Brasil”, op. cit. pg. 61

36 Edésio Fernandes Ferreira, “Public Debt management and Monetary Policy in Brazil”, 1974.

Banco Central, o objetivo por trás de se adotar taxas fixas era educar o mercado com noções de risco, já que não se tinha emitido antes papel prefixado.

Ao longo de 1970, os papéis colocados sob esta sistemática tinham prazo de 42 dias e taxa fixa de 15,55% a.a.37. Em 30 de dezembro de 1970 colocou-se também LTN com 91 dias de prazo e taxa fixa de 18% a.a. Até fevereiro de 1971, ambos os papéis foram sendo colocados a estas taxas, sendo que, a partir de 17 de fevereiro deste ano apenas as LTN mais longas continuaram sendo colocadas em mercado, situação que perdurou até março de 1972.

Em 8 de março de 1972 foram ofertadas as primeiras LTN sob nova sistemática de leilões, divulgados por meio de comunicados na imprensa, os quais continham informações sobre valor fixo ofertado, prazo dos títulos e as datas de emissão e resgate. Assim a taxa resultante era obtida livremente dentro de processo de leilão competitivo. Este novo processo foi usado, inicialmente, para títulos com 182 dias de prazo. A partir de junho do mesmo ano, uma vez que a prática já estava sendo usada com sucesso, passou-se a colocar LTN de 91 dias também desta forma. A partir deste mês os títulos públicos passaram a ser colocados em leilão somente sob a forma competitiva. A despeito do alongamento do prazo das LTN, a maior participação deste título no total da dívida fez com que o prazo médio desta sofresse redução para até 14 meses em fevereiro de 1973. Entretanto, a colocação de títulos de prazo de 182 dias em volumes crescentes e a redução das ORTN com prazo decorrido levou a um aumento no prazo médio da dívida no ano, de forma que em dezembro o prazo médio era de 18,7 meses.

Por um breve período iniciado em meados de 73 até o final de 75 a participação das LTN apresentou queda no total da dívida, sem contudo reverter a tendência de crescente participação deste instrumento como forma de financiamento e de condução da política monetária. Em janeiro de 73 começaram as emissões competitivas de LTN de 12 meses, em substituição às ORTN de mesmo prazo. Os detentores destes últimos papéis poderiam trocá-los por ORTN de prazo de 2 e 5 anos. A partir deste ano a política de endividamento assumiu uma regularidade muito grande, com ofertas semanais (toda quarta feira) dos títulos de 3 e 6 meses e, mensalmente, emissões das LTN de 12 meses. Durante todo o resto da década esta prática valeu, só sendo alterada no início da década

37 Taxa de desconto expressa em termos nominais, tal como convenção da época, linear 360.

de 80, mais precisamente em dezembro de 83, quando foram suspensas as emissões das LTN de 12 meses. Com a deterioração das condições macroeconômicas do país, a aceitabilidade do mercado por papéis prefixados reduziu-se, assim como aumentou seu custo para o governo, desincentivando a manutenção de sua colocação, ao menos das LTN mais longas. Não obstante esta mencionada regularidade, algumas alterações foram realizadas, buscando ajustar a política de dívida a alguns acontecimentos no período. Uma peculiaridade do período é que a cada semana as datas de vencimentos das LTN eram alteradas, de forma que as emissões eram realizadas sempre para vencimentos diferentes, mostrando a ausência de preocupação, ainda, com a fungibilidade dos instrumentos. Esta preocupação mostrou-se relevante recentemente, como será dito adiante.

Em que pese a ausência de instrumentos prefixados, os primeiros anos da década de 70 experimentaram um vigoroso aumento na participação das LTN no total da dívida, reflexo do maior uso deste instrumento na execução da política monetária, associado ao fato de que esta passou a ser mais ativamente usada por meio de operações de mercado aberto. De fato, de 1970 a 1973 a participação de LTN na dívida passa de 5,0% para 37,7%. É válido inferir o efeito da regularidade nas ofertas desse instrumento sobre sua aceitação pelo mercado, uma vez que esta regularidade tem influência sobre a liquidez do ativo, e consequentemente sobre a demanda das instituições.

O ano de 1975 iniciou com a Portaria n.º 29, de 23/1/75, que instituiu o retorno às compras voluntárias de ORTN, revogando Portaria de agosto do ano anterior. O sucesso desta medida pode ser comprovado pela elevada participação do mercado nos leilões deste instrumento, com a relação demanda oferta passando de 2,6 em fevereiro de 75 para 10,0 em abril do mesmo ano38. E meses depois, ante forte demanda do mercado por este instrumento a Portaria n.º 147, de 11/4/75, autorizou a emissão destes papéis por meio de sistema de ofertas públicas a preços competitivos, objetivando reduzir o custo de colocação da dívida pública. Até esta data, as ORTN eram subscritas diretamente via Banco do Brasil, e não via processo de oferta pública competitiva. A elevação dos ágios obtidos (em relação ao Valor Nominal da ORTN no mês do leilão), que passaram de 0,17% para 2,88% mostra o acerto desta medida.

38 Relatório de Atividades do Banco Central, 1975, pg. 167.

Em 1976 a composição da dívida continuou movimento no sentido de maior participação de papéis prefixados. Neste ano o Banco Central não realizou emissões competitivas de ORTN (apenas subscrições especiais deste título foram realizadas) o que, associado à uma política monetária mais restritiva, levou o Banco Central a aumentar o volume ofertado de LTN para controlar a expansão dos meios de pagamento. Deve-se destacar que as propostas das instituições financeiras passaram a refletir a preferência por instrumentos com correção monetária, negociados no mercado secundário, ou a concentrar-se em papéis de prazo mais curto, já refletindo as incertezas quanto à crescente inflação. Assim, os índices de demanda – oferta destes papéis passaram a 0,95, 0,75 e 0,72 para os papéis de 90, 180 e 260 dias, respectivamente (ante 2,09, 2,10 e 1,75 no ano anterior)39.

O ano de 1977 continuou apresentando crescimento de LTN em relação às ORTN, e a possibilidade das instituições financeiras usarem aquele instrumento em acordos de recompra. Desta forma, o Banco Central elevou as ofertas daqueles títulos em mercado em relação ao ano anterior. Assim, as emissões semanais dos papéis de 3 e 6 meses de prazo tiveram seus volumes (valor nominal) duplicados, enquanto as emissões mensais dos papéis de 1 ano cresceram em 33% ao final do ano.

Não obstante, as ORTN voltaram a ser emitidas de forma voluntária pela introdução do sistema de reaplicacões nesse papel, as quais objetivavam evitar grandes injeções de liquidez na economia, a medida em que venciam as emissões anteriores. A nova sistemática, instituída pela Portaria n.º 7, de 3/01/77, convocava, em editais, os possuidores de ORTN, vencíveis em meses determinados a efetuarem voluntariamente a substituição de seus títulos por novos papéis de prazos semelhantes. Esta prática, embora ultrapassada na medida em que não implicava em competição para os detentores dos títulos, era interessante para efetuar o alongamento do prazo médio da dívida pública. Este resultado foi ainda mais bem sucedido uma vez que a maioria das trocas ocorreu por papéis de cinco anos de prazo, em virtude das facilidades estabelecidas para este tipo de papel40. No entanto, a baixa remuneração oferecida por estes títulos, em relação aos demais papéis, fez com que esta prática não tivesse continuidade.

39 Relatório de Atividades do Banco Central, 1976.

40 Tais vantagens consistiam em maior taxa de juros (6% a.a. contra 4% a.a. para títulos de 2 anos e

menor preço em relação ao Valor Nominal do período).

A maior colocação de LTN (em especial das LTN mais curtas) passou a pressionar o prazo médio da dívida. Buscando elevar o prazo médio da dívida o governo elevou as taxas de juros das ORTN, cujos papéis de 2 e 5 anos passaram a ter juros de 6% e 8% a.a., respectivamente, o que aumentou a participação das instituições na sistemática de reaplicacões iniciada pelo governo no ano anterior.

Ao longo de 1978 o Banco Central elevou novamente, e por duas vezes, os lotes ofertados de LTN. Não obstante, a procura do mercado por estes papéis continuava a diminuir, em especial para os papéis de 6 e 12 meses de prazo. É interessante notar que, a esta época, o mercado trabalhava com uma yield curve invertida (ao final do ano as taxas nos leilões de LTN foram de 37,4% a.a., 35,8% a.a. e 31,5% a.a., para os papéis de 3, 6 e 12 meses, respectivamente)41, a despeito da deterioração das condições macroeconômicas. Assim, o ano de 78 manteve a tendência de crescimento da participação de prefixados no total da dívida pública, a despeito da aceleração inflacionária. A conseqüência deste movimento ao longo dos anos foi a redução no prazo médio da dívida, o qual terminou 76 em 14,3 meses.

A medida que a inflação ia aumentando a preferência dos investidores recaía sobre as ORTN, em detrimento das LTN, fato que foi ajudado pela política governamental de redução das taxas de juros. A maior procura por instrumentos indexados acarretou aumento nos preços das ORTN. A partir de 1979, com o recrudescimento inflacionário, a participação de LTN começou a cair de forma acentuada, com os resgates em volume superior ao volume colocado. A partir de agosto, passou a observar-se concentração das propostas nas LTN de 91 dias. Vale ressaltar as reduções substanciais nas taxas de juros das LTN que caíram em mais de 1500 pontos básicos (37,41% em jan/79 para 21% em dezembro do mesmo ano). Como contrapartida, em maio de 1979, o governo promoveu a volta dos leilões mensais de ORTN, por meio do Comunicado DEDIP n.º 683, de 19/4/79, no bojo de medidas destinadas a aumentar o prazo médio da dívida pública.

Em suma, pode-se afirmar que este período certamente compreendeu a fase de maior regularidade e previsibilidade na administração da dívida pública, em particular no que se refere às emissões de LTN. Embora seja objeto de discussão, é razoável inferir que o

41 Taxa de desconto expressa em termos nominais, tal como convenção da época, linear 360.

grande desenvolvimento do mercado para estes papéis no período foi favorecido pela regularidade e previsibilidade na oferta das mesmas.

A evolução do prazo médio respondeu aos acontecimentos econômicos no período. De fato, este indicador apresentou elevação até meados da década, quando atingiu 28,5 meses, em dezembro de 1975 (ante 20,3 em dezembro de 69). No entanto, à medida que a situação econômica começava a apresentar sinais de deterioração, aumentava a dificuldade na colocação de prefixados mais longos e o prazo médio começou a reduzir, atingindo em dezembro de 79 apenas 13,9 meses, valor inferior, portanto, ao observado no final do período anterior.

Outro ponto fundamental na análise deste período foi a obtenção da participação de instrumentos prefixados no total da dívida, que atingiu 52% em 1977, valor só ultrapassado mais tarde, em 1992, como se verá adiante. Até o final da década a participação dos títulos prefixados foi elevando-se, até atingir, em dezembro de 79 a participação em 41,2% de LTN e 58,8% de ORTN.