• Nenhum resultado encontrado

3 O risco de repúdio da DPMFi no Brasil após o Plano Real

CAPÍTULO IV – RESPOSTAS DA POLÍTICA DE DÍVIDA AOS EVENTOS ECONÔMICOS RECENTES

IV. 3 O risco de repúdio da DPMFi no Brasil após o Plano Real

A análise acima mostra que em diversos períodos o mercado diminuiu seu apetite por títulos públicos, e o Tesouro Nacional foi adaptando suas estratégias, buscando conciliar as demandas do mercado com os objetivos da política de gerenciamento da dívida. A flexibilidade na escolha dos instrumentos permitiu que o governo continuasse conseguindo recursos para se financiar, suavizando os impactos das crises de confiança.

Como dito, alguns autores avaliaram a capacidade do governo em fazer frente ao risco de refinanciamento. Barcinski53 levanta o ponto de que para minimizar o risco de refinanciamento o governo deve buscar não só alongar o prazo da dívida, mas também evitar a concentração da mesma em um único vencimento. Para tanto, criou indicadores buscando mensurar a dispersão e o alongamento da dívida. Desta forma, busca avaliar o gerenciamento da dívida pública por estes dois critérios, representando, implicitamente, as chances de repúdio.

O objetivo aqui é buscar mensurar a distância que o governo se encontra de se ver sem recursos para o pagamento da dívida a vencer no período, o que, na impossibilidade de financiamento monetário54, representaria um repúdio da dívida.

Conforme mencionado no capítulo 1, no curto prazo, é a antecipação das expectativas de que a dívida pode não ser sustentável a médio / longo prazo, que faz com que o mercado restrinja a demanda atual por títulos públicos. Naturalmente, em momentos de crise, esta percepção tende a tornar-se mais aguda, e pode trazer como conseqüência a incapacidade do governo em honrar os pagamentos da dívida vincenda.

A análise dos leilões descrita anteriormente mostrou que, em momentos de crise, há possibilidade de que a demanda do mercado seja inferior ao volume ofertado. A ocorrência sucessiva deste evento pode ser capaz de gerar no mercado a percepção de que não há demanda suficiente para fazer frente à rolagem da dívida. Esta percepção explica as mudanças de estratégia ocorridas ao longo dos últimos anos.

53 Barcinski, A. “Risco de Taxa de Juros e a Dívida Público Federal no Brasil Pós-Real”.

54 Esta impossibilidade foi comentada no capítulo anterior, dadas as peculiaridades institucionais do caso

brasileiro.

Desta forma, para se verificar a distância que o governo se encontra da necessidade de realizar o repúdio, coletou-se os dados de demanda dos leilões a cada mês, comparando- se com os vencimentos. Para avaliar se os resultados foram diferentes entre as LTN e as LFT, tal procedimento foi realizado, também, com os dados desagregados. Como os dados apresentam grande variabilidade de valor, foi feita uma suavização usando-se o logaritmo dos dados efetivamente observados. Assim, valores inferiores à unidade representam os momentos em que a demanda foi insuficiente para fazer frente à rolagem no período. Os gráficos 6a, 6b e 6c ilustram o comportamento deste indicador.

Percebe-se que a demanda apresentou-se ao longo do período preponderantemente acima da unidade, indicando que em poucos momentos houve receio do mercado na rolagem da dívida pública. Há duas explicações para este fato, segundo Bevilaqua e Garcia55. Em primeiro lugar, o fato de que a dívida interna brasileira está preponderantemente nas mãos de investidores locais (home bias), o que faz com a demanda pela mesma seja menos volátil do que quando é propriedade de investidores estrangeiros. Segundo os autores “the sizable home bias in the Brazilian domestic public

debt market probably goes a long way in explaining the less volatile demand for the domestic public debt, in stark contrast to what happened in Mexico in 1994, and in Russia, in 1998”. Além deste fator, argumentam que fatores da estrutura de

intermediação da dívida no Brasil geram uma demanda cativa pelos títulos públicos. Isto é, o fato de que os títulos públicos podem ser usados como margem de garantia nas operações da BM&F, assim como depositados no Banco Central a título de depósitos compulsórios dos bancos motivam a demanda por esses ativos e criam demanda pelos mesmos, independentemente da conjuntura econômica.

É interessante notar também os comportamentos distintos entre os períodos até 1998 e após este. No primeiro, período do alongamento das LTN e da maior participação percentual desta no total da dívida, a demanda apresentou tendência de queda em relação aos vencimentos, possivelmente passando a refletir a crescente expectativa

55 Bevilaqua, A. e Garcia, M.. “Banks, Domestic Debt Intermediation and Confidence Crises: The Recent

Brazilian Experience”.

quanto à desvalorização cambial. No segundo período há uma maior estabilidade deste indicador56.

Além da questão da demanda, deve ser considerada a capacidade com que conta o governo para fazer frente a eventuais insuficiências de demanda, o que é dado pelo caixa do governo a cada período.

Obviamente, se este caixa for igual ou superior ao volume de dívida a ser honrada no período, não há risco de repúdio, mesmo que a demanda não seja suficiente. Entretanto, se o caixa for inferior, é de se esperar que o mercado demande um percentual do volume vincendo ao menos igual ao déficit de caixa. Naturalmente, ainda, sempre que a demanda do mercado for igual ou superior ao volume vincendo, também a chance de repúdio está descartada57.

Desta forma, a probabilidade de que o governo se veja forçado a implementar um repúdio deve considerar não só o fato de que a demanda pode ser inferior ao volume vincendo, e ainda, o volume de recursos a disposição do governo para honrar os compromissos do período58. Assim, esta probabilidade pode ser construída como sendo:

P(repúdio) = P(ct < mt(1 -rt))

onde:

ct: volume de caixa do governo, no início do período; mt: volume de dívida a vencer no período;

r: percentual da maturação que o mercado está disposto a refinanciar o governo.

O volume de caixa do governo no início do período será dado pelo volume de caixa ao final do período anterior, mais (menos) o valor do superávit (déficit) primário ocorrido

56 A queda na última observação reflete o fator conjuntural da marcação a mercado, não devendo ser

considerada como possível tendência.

57 Na verdade, deve-se mencionar que o valor relevante da demanda é da parte desta a níveis razoáveis de

taxa, ou seja, aquela demanda com taxas totalmente incompatíveis com as praticadas pelo mercado não deveria ser considerada. Entretanto, esta não é uma variável verificável com os dados divulgados.

58 Esta construção é amparada empiricamente pelo fato de que, no Brasil, a política de gerenciamento da

dívida conta com um volume de recursos em caixa (depositados junto ao Banco Central), para fazer frente a eventuais necessidades.

no período anterior, mais (menos) as emissões (resgates) líquidas efetuadas no período anterior.59

A partir desta formulação foi construída série de dados a partir de 97, quando efetivamente pela primeira vez se colocou em dúvida a capacidade do governo de honrar seus compromissos. O número de caixa não é divulgado, de forma que o caixa inicial (janeiro de 1997) foi assumido como sendo nulo, adicionando-se ou subtraindo- se, a partir desta data, de acordo com a descrição acima. Deve-se ressaltar que mais importante do que se buscar definir o percentual da probabilidade em si, é mostrar que, a despeito das recorrentes discussões sobre sustentabilidade da dívida pública no Brasil (dado seu percentual em relação ao PIB), a hipótese de que a dívida representa um problema cada vez maior é mais falsa hoje do que foi nos anos anteriores.

A probabilidade foi então construída assumindo-se que a demanda (em relação ao percentual vincendo) assume uma distribuição Normal. Assim, foi calculada a probabilidade de que o caixa no início do período seja maior do que a diferença entre a maturação e a demanda). O gráfico 7 ilustra os resultados encontrados.

Percebe-se que a construção desenvolvida caminha na direção oposta ao senso comum, de que a dívida caminha para uma situação de insolvência. Embora deva ressaltar-se que a formulação desenvolvida tem uma preocupação de curto prazo, ela mostra que (1) os esforços no sentido de maior disciplina fiscal iniciado em 99; (2) que a política de dívida de manter recursos em caixa para eventuais necessidades de caixa no curto prazo60; e (3) que peculiaridades da estrutura da dívida no Brasil fazem com que o risco de repúdio da dívida interna seja muito menor do que se poderia concluir.

59 Naturalmente, estas são hipóteses simplificadoras, mas que buscam retratar o fato de que quanto maior

o superávit primário, maiores os recursos a disposição para pagamento da dívida.

60 Em janeiro/2003, o Secretário do Tesouro Nacional declarou que o volume de caixa era da ordem de

R$ 50 bilhões.

CAPÍTULO IV - GRÁFICOS