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CAPÍTULO IV – RESPOSTAS DA POLÍTICA DE DÍVIDA AOS EVENTOS ECONÔMICOS RECENTES

IV. 2 Análise histórica e risco de repúdio

Nos anos anteriores a 94, conforme descrito anteriormente, a política de emissão consistia na emissão de variados tipos de instrumentos (até porque tinham sido dificultadas – por motivos diversos - as emissões tanto de LTN quanto de LFT). A partir de 1994 o Brasil iniciou o programa de estabilização de maior sucesso na história do país, cujos efeitos causaram profundos impactos sobre as decisões de dívida, em especial com respeito aos instrumentos usados para se acessar o mercado. Após 1995, com a consolidação paulatina (e conseqüente maior confiança por parte do mercado) da estabilidade econômica o governo foi aumentando a oferta de LTN.

De 94 até os dias atuais, a despeito do sucesso das medidas para a estabilização macroeconômica no país, vários eventos externos passaram a influir nas taxas e cotações negociadas no mercado (os gráficos 1a e 1b mostram o comportamento das taxas de juros e de câmbio ao longo do período) e na percepção dos agentes sobre a capacidade do governo doméstico em manter esta estabilização. As reações do mercado a cada um destes eventos obrigaram o governo a ir adaptando a política de administração da dívida, buscando conciliar as demandas do mercado às diretrizes de política. Em determinados momentos ocorreu o que pode ser definido como crises de confiança, em que o mercado passou, em algum grau, a reduzir seu interesse por investimentos em títulos públicos. Tal situação ocorreu ao final de 97, como conseqüência da crise asiática e em diversos momentos ao longo de 1998 e 99, com o mercado ainda inseguro quanto aos efeitos da desvalorização cambial e seus impactos sobre a inflação.

Nos primeiros meses após a estabilização, a política de endividamento consistia basicamente na emissão de NTN-D (títulos atrelados à variação do dólar) e de NTN-H (títulos atrelados à variação da TR) para o refinanciamento da dívida. A partir de 95, as LTN começam a ser usadas em maior volume. Conforme mostra o gráfico 2, já no início de 1995, o Tesouro Nacional fazia uso da emissão de LTN como importante instrumento para o refinanciamento de sua dívida. Em março desse ano, sentindo os impactos da crise do México, o governo promoveu uma elevação das taxas de juros, as quais passaram de 47% a.a. em fevereiro, para 65% a.a.. Àquela época a política de

a realizar a “marcação a mercado” de sua carteira.

endividamento consistia basicamente na emissão de LTN de 2 meses e LFT de 9 meses, e, em menor volume, NTN-D e NTN-H. Os impactos sobre a política de dívida foram reduzidos, e após passar o mês de abril com emissões de papéis prefixados de 1 mês, já em maio voltava-se a emitir LTN de dois meses.

Na medida em que a confiança do mercado foi sendo restaurada, o governo foi reduzindo a parcela da dívida refinanciada com LFT, de forma que em julho este instrumento deixou de ser usado como fonte de receita, indicando o objetivo do governo no sentido de maior prefixação da dívida. O gráfico 2 mostra que as emissões de LTN foram, nos meses seguintes, significativamente maiores que os resgates desses papéis e, ainda, volume considerável do total vincendo de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional.

Uma vez que a confiança na economia ia sendo recuperada, o governo voltou a emitir de forma mais contundente as LTN, iniciando, agora sim, uma política consistente de alongamento nos prazos das LTN, sendo o resto das necessidades de financiamento do Tesouro coberto com a emissão de NTN-D e NTN-H. A partir de março/96, pela primeira vez foram ofertadas LTN de seis meses de prazo. Em setembro de 96 as condições de mercado permitiram que houvesse emissão de LTN de 1 ano de prazo, o que passou a ser feito mensalmente e, ainda antes do final de 97, foi possível dar mais um passo no sentido do alongamento com a emissão de LTN de 2 anos de prazo, nos meses de setembro/outubro e novembro, quando eclodiram no mercado doméstico os efeitos da crise da Ásia.

Um indicador usado para se avaliar a demanda do mercado pelos instrumentos emitidos via leilão é o índice demanda-oferta. A análise do período pós crise do México mostra que a demanda pelas LTN foi bastante elevada (média de 3,9 para as LTN de 6 meses). O gráfico 3a mostra que de 1995 até o início de 97, o Tesouro Nacional contou com índices de demanda oferta bastante confortáveis mostrando que o mercado estava tranqüilo quanto ao aumento de risco assumido no período. Considerando que as emissões de LTN responderam por cerca de 70% do volume vincendo de dívida no período, somente as LTN de 6 meses seriam, por si só, suficientes para efetuar toda a rolagem da dívida no período. Sem dúvida, este fato representa condições ideais para a estratégia de alongamento da dívida.

Certamente, não podem ser negligenciadas as condições macroeconômicas que permitiram que tal política fosse levada a cabo. No período de janeiro de 95 a dezembro de 96 as taxas de juros reduziram-se pela metade, passando de cerca de 49% a.a. para 24% a.a., o que reflete o fato de que o sucesso da política de dívida está intimamente relacionado ao bom desempenho macroeconômico.

A análise do período mostra que a crise do México não foi suficiente para abalar o mercado a ponto deste reduzir sua preferência por títulos prefixados. Este fenômeno pode ser atribuído em grande parte ao fato de que, conforme mostrou Barcinski (1998)51, o risco de mercado da carteira dos títulos prefixados em mercado não aumentou no período – tendo em vista a redução na volatilidade do mercado - a despeito do maior volume de colocações e do aumento no prazo dos títulos. Em outras palavras, a despeito da elevação das taxas de juros, do aumento do estoque de LTN e da elevação do prazo destas, o risco de mercado de uma carteira composta de títulos públicos prefixados ainda era inferior ao existente antes do Plano Real.

Uma vez que o governo não percebeu perda de demanda por este instrumento, e uma vez que o ainda reduzido nível de endividamento não trazia percepções quanto à possibilidade de repúdio da dívida, a escolha ótima do instrumento de captação de recursos recaía sobre as LTN. Entretanto, como mostra o gráfico 4, esta política acarretou brusco aumento nas necessidades mensais de rolagem de dívida.

O alongamento foi sendo colocado em prática, de forma que, nos primeiros meses de 97, o Tesouro Nacional já não emitia mais LTN de três meses de prazo, apenas de 6 e 12 meses, aumentando gradualmente a participação desta última no total das ofertas (vide gráfico 5). O índice demanda-oferta, entretanto, embora ainda superior à unidade, já não mostrava a mesma robustez, mesmo antes da elevação das taxas de juros. No entanto, tal política foi sendo implementada até que em novembro de 1997, as taxas de juros tiveram que ser bruscamente elevadas, com o mercado passando a refletir os acontecimentos da crise da Ásia. Com a eclosão desta, o mercado passou a diminuir sua aceitação por papéis prefixados. Em novembro de 97, por três leilões consecutivos, o Tesouro Nacional não conseguiu colocar o total do volume ofertado, uma vez que o

índice demanda-oferta foi inferior à unidade nas três oportunidades (0,46 , 0,77 e 0,85, respectivamente). O Tesouro passou o restante do ano se financiando com LTN curta, mas voltando a ofertar (e emitir) LTN de seis meses já em janeiro de 98, embora ainda em pequeno percentual. Desta forma, a resposta em termos de política de dívida foi a redução do prazo das emissões, mas ainda concentrando-se nas emissões de LTN, ou seja, a resposta de política continuou sendo pela não colocação de LFT.

Em julho desse ano, entretanto, houve nova elevação das taxas de juros e forte piora na percepção de risco do Brasil (gráfico 1b). A taxa básica de juros (TBC) aumentou de 21,6% a.a. para 23,0% a.a.. Neste momento, o Tesouro Nacional optou por interromper a oferta de papéis prefixados, passando a se financiar, até novembro/98, quase que exclusivamente com LFT de 9 meses. A crise da Rússia, no terceiro trimestre do ano veio a agravar este quadro. As taxas de juros, que vinham em trajetória de queda após o ápice da crise asiática voltaram a elevar-se fortemente em setembro (chegando a 34,3% a.a.) e mais ainda em outubro, quando atingiram 41,6% a.a.. Naquele momento, tendo em vista a crescente expectativa do mercado quanto à iminência de uma desvalorização cambial, seria impensável a colocação de instrumentos prefixados, de forma que volume considerável da dívida foi refinanciado com LFT, com este título constituindo praticamente a única fonte de recursos para o governo àquela época.

Pode-se dizer que esta foi a primeira grande mudança de rumo na estratégia de endividamento ocorrida desde o início do Plano Real. Dois motivos podem ser levantados para esta atitude: (1) a redução no interesse do mercado por títulos prefixados, o que pode ser evidenciado pela abrupta redução nos índices de demanda- oferta, tanto para os papéis mais curtos (3 meses) quanto os de 1 ano de prazo; e (2) O aumento do volume da dívida, associado à queda no prazo médio da mesma, fazendo com que o risco de rolagem se elevasse consideravelmente no período (vide gráfico 4). Desta forma, uma solução bastante racional para o governo seria priorizar o combate ao risco de refinanciamento, em detrimento do risco de mercado. Conforme mostra o gráfico 5, o governo vinha tentando nos últimos meses retomar a trajetória de alongamento da dívida, mas a pequena demanda pelo mercado por papéis prefixados impedia que esta fosse retomada nos moldes do ocorrido em 96. Desta forma, com a mudança de estratégia no sentido da maior emissão de LFT, foi possível praticamente

51 Barcinski chegou a este resultado calculando o VAR da carteira do total de títulos públicos federais em

dobrar o prazo médio de emissão (de cerca de 5 meses, obtido com as LTN nos últimos leilões para aproximadamente 9 meses, com as LFT).

Assim, pode-se argumentar que a mudança de orientação de política reflete tanto fatores

demand-driven como supply driven, uma vez que o mercado esteve reticente quanto à

aceitação de LTN e havia, também argumentos favoráveis à colocação de títulos pós- fixados. A insistência na manutenção das ofertas de papéis prefixados provavelmente não seria exitosa - a taxas razoáveis – podendo gerar ruído nos leilões e novos focos de instabilidade. Ainda assim, mesmo que este argumento estivesse errado, era preciso iniciar movimento de aumento do prazo médio da dívida, o que só seria possível com uso de instrumento pós-fixado.

Vale mencionar que, ao final de 98, vários outros instrumentos foram emitidos, como por exemplo a NTN-E (indexadas à Taxa Básica Financeira – TBF) e a NTN-S (título híbrido, que tinha parte prefixada inicial, após a qual o título passava a ser indexado à taxa Selic, tal qual uma LFT), sem grande importância, entretanto, como instrumentos de financiamento do Tesouro Nacional.

Ainda antes que a política de dívida pudesse recuperar-se dos impactos da última crise, em janeiro de 99 ocorreu a desvalorização do Real e logo após, a mudança no regime monetário para o sistema de metas de inflação. Em março houve mais uma brusca elevação nas taxas básicas de juros, que passaram de 29,5% a.a. em janeiro para 48,2% a.a. Em maio, após a implementação do sistema do Copom para a definição das taxas básicas de juros, estas foram definidas em 45% a.a., quando passaram a cair monotonicamente até maio de 2001.

Nos meses que se seguiram à desvalorização cambial, a colocação de LTN estava inviabilizada dada a enorme incerteza sobre a taxa de inflação a vigorar na economia nos meses seguintes e, por conseqüência, sobre a taxa real de juros. De fato, em algumas ocasiões ao longo de 99, a demanda por estes papéis não foi suficiente e o lote ofertado não foi emitido integralmente. Apenas no segundo semestre voltou-se a buscar aumentar a emissão de LTN, sem descartar, entretanto, o uso das LFT.

mercado.

Assim, ao longo de 99 as LFT passaram a exercer papel de destaque na política de refinanciamento do Tesouro Nacional, enquanto as LTN mantiveram-se com prazo curto (3 meses) e apenas emissões eventuais de títulos com 6 meses de prazo. Nos meses de abril a agosto de 99 mais de 2/3 das emissões foram realizadas com LFT, enquanto o governo buscava voltar a financiar-se com LTN. De fato, a partir de 98, as LFT passaram a ser importante instrumento de captação de recursos pelo Tesouro Nacional.

Como mencionado anteriormente, para o governo, a LTN não representa risco de mercado, uma vez que seu custo já está dado. Em contraposição, a LFT representa risco máximo, uma vez que elevações nas taxas de juros são imediatamente incorporadas no custo de carregamento da dívida pública. Com a implementação do regime de câmbio flexível, ao menos em tese, a volatilidade da taxa de juros deveria ser reduzida, o que não deixa de ser um argumento favorável ao uso desse título.

Na medida em que esse título passou a ser fundamental no refinanciamento da dívida, o alongamento passou a realizar-se também nesse instrumento. Assim, o prazo das emissões de LFT foi gradualmente elevado, chegando a se emitir LFT com 5 anos de prazo, ao longo de 2001.

Esta sistemática veio a ser alterada quando, após o ataque ao World Trade Center em Nova York, em setembro de 2001, os mercados ficaram apreensivos e passaram a demandar títulos cambiais52. Em 2002, a política de refinanciamento com títulos atrelados à taxa Selic foi ainda prejudicada com a definição da marcação a mercado dos fundos de investimento. Esta obrigação fez com que muitos gestores desejassem se desfazer desses títulos em sua carteira, inibindo sua demanda. A demanda por LTN foi também prejudicada pela incerteza quanto à campanha eleitoral e às possibilidades de mudanças na política econômica.

52 O Tesouro Nacional havia parado de emitir NTN-D, fazendo com que apenas o Banco Central

utilizasse título com esse indexador como instrumento de política cambial. A partir de setembro, entretanto, em antecipação à Lei de Responsabilidade Fiscal - a qual proibia o Banco Central de emitir títulos próprios a partir de 05 de maio de 2002 - o Tesouro Nacional voltou a ofertar estes títulos como forma de prover a Autoridade Monetária dos instrumentos necessários à realização desta política.