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2.4 A Heterodoxia na Política de Endividamento (1986-1989)

CAPÍTULO III – ANÁLISE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL

III. 2.4 A Heterodoxia na Política de Endividamento (1986-1989)

O insucesso das políticas ortodoxas levadas a cabo pelo governo até então para o combate à inflação, assim como os elevados níveis da mesma observados à época ocasionaram tentativas mais “heterodoxas”, que acabaram por influenciar as estratégias

de administração da dívida nos anos seguintes. Logo no início de 1986 o país viveu a primeira experiência heterodoxa de combate à inflação. O Plano Cruzado, lançado em 28 de fevereiro, embutia, entre outras medidas, a extinção da correção monetária. Ainda em função da deterioração macroeconômica, tinham sido criadas no final do ano anterior através da Resolução n.º 1.075, de 26/12/85 as OTN com prazo mínimo de 6 meses, de forma a se adaptar à preferência do mercado por prazos mais curtos. Dessa forma, já em janeiro o Banco Central realizou oferta pública de OTN com prazos de 6 e 12 meses, as quais foram amplamente aceitas. Após a desindexação da economia, entretanto, estes instrumentos perderam a atratividade junto ao mercado e passaram a ser emitidos exclusivamente para a carteira do Banco Central.

Tendo em vista a dificuldade na colocação de LTN e a impossibilidade de colocação de ORTN em mercado, dada a desindexação da economia (agora denominadas OTN), o Banco Central optou por criar um título de sua responsabilidade. Assim, em maio de 1986, a falta de opções de instrumento levou o Conselho Monetário Nacional a autorizar o Banco Central a emitir títulos de sua responsabilidade para fins de política monetária. Foi então criada a LBC (Letras do Banco Central), a qual tinha como característica ímpar o fato de ser remunerado à taxa Selic, com indexação diária.

A idéia era que as LBC fossem um instrumento de curto prazo para a operacionalização da política monetária, deixando outros instrumentos mais longos para a execução da política fiscal. As emissões de LBC seriam limitadas ao volume de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional existente na carteira do Banco Central. Naturalmente, dadas as características do novo título e a conjuntura econômica, sua aceitação pelo mercado foi enorme.

A tendência de redução no prazo médio da dívida estimulou a necessidade de se criar instrumentos que propiciassem reversão deste movimento, de forma que foram criadas as LTN-F, títulos cuja rentabilidade era definida pelas taxas resultantes dos leilões de LTN e objetivavam a elevação do prazo médio da dívida. Este instrumento, entretanto, nunca chegou a ser emitido, dada a conjuntura desfavorável pela qual passou a economia no período.

Em julho de 1986 o Banco Central iniciou processo de recompra de OTN em troca por LBC, com estas sendo emitidas com o mesmo prazo das OTN recompradas. Assim, em 1º de julho o Banco Central realizou mega-leilão de troca de OTN por LBC, o que foi interessante para o mercado, dadas as perdas dos investidores com as OTN por conta do congelamento do valor nominal da OTN e a própria característica da LBC (rendimento fixado diariamente pela Selic). O volume desta operação foi tal que, ao final do ano 56,4% da dívida era composta de LBC. Neste ano, pouquíssimas LTN foram aceitas para mercado, e apenas de 1 mês de prazo, sendo a maioria colocada para a carteira do Banco Central. As emissões passaram a ser semanais de LBC de 3 meses, e depois emissões semanais de LBC de 3 e 6 meses.

Em 1987 as LBC mantiveram-se como o principal instrumento do governo de emissão junto ao mercado, de forma que o governo iniciou processo de alongamento das mesmas, realizando emissões semanais de papéis de 6 e 9 meses de prazo. Neste ano, entretanto, não houve colocação de LTN para mercado, apenas para carteira do Banco Central.

O sucesso na colocação das LBC, aliado à falta de opção de instrumentos de financiamento levou à edição do Decreto n.º 2.376, de 25/11/87 e à criação das Letras Financeiras do Tesouro (LFT), título com características idênticas às da LBC, mas de responsabilidade do Tesouro Nacional e cuja destinação deveria ser dada à realização da política fiscal. A intenção era que o Banco Central usasse títulos da própria carteira para realização da política monetária, e que as LBC vencendo seriam trocadas por LFT.

O agravamento da situação econômica do país fez com que em 1988 e 1989 praticamente não houvesse colocação de LTN nem para carteira do Banco Central, ilustrando o difícil momento pelo qual passava o país. Por sua vez, nestes anos, o financiamento público passou a ser efetuado com emissão de LFT (Letras Financeiras do Tesouro) de seis e nove meses de prazo. A LFT foi, durante estes dois anos, praticamente a única fonte de recursos (via emissão de títulos) para o governo, e os resultados dos leilões mostram forte aceitação deste papel por parte do mercado.

Entretanto, objetivando alongar o prazo da dívida o governo resolveu voltar a ofertar OTN, de forma que em julho de 88 houve leilão deste papel, com opção de resgate pela

correção cambial. As emissões de LTN acabaram sendo totalmente absorvidas pela carteira do Banco Central.

Ao longo de 89 as LFT mantiveram-se como o único instrumento a disposição do governo para financiamento junto ao público, chegando no final do ano a representar 97,9% da composição da dívida pública em mercado. As OTN foram ofertadas apenas em janeiro, quando a correção monetária foi extinta por conta da edição do novo Plano Econômico (Plano Verão). A partir de julho de 88 foi criado o Bônus do Tesouro Nacional (BTN), com cláusula de opção pela correção cambial, títulos que foram emitidos por conta do recrudescimento inflacionário e do objetivo de alongamento do prazo médio da dívida. Entretanto, já em janeiro de 89 a emissão deste título foi interrompida.

Nesta segunda parte da década, tendo em vista as dificuldades macroeconômicas experimentadas pelo país, a participação dos títulos prefixados ficou bastante reduzida. Nesse período fica clara a impossibilidade do uso de LTN para financiamento da dívida pública. A criação das LBC, primeiramente, e a seguir das LFT mostra que a busca por soluções não-tradicionais para os problemas vividos foi usada também na administração da dívida pública. A despeito disto, o prazo médio da dívida não foi alterado com a emissão desse instrumento de repactuação diária, de forma que, ao final do período o prazo médio da dívida era de apenas 5 meses, enquanto o percentual da mesma sobre o PIB remontava a 15%, o maior valor registrado até aquela data, indicando o enorme grau de vulnerabilidade do país frente às necessidades de refinanciamento.

O gráfico de composição da dívida no final do capítulo ilustra a dependência da administração da dívida pública à LFT em virtude da deterioração das condições macroeconômicas do país nos últimos anos da década de 80. Embora esse instrumento represente um alto grau de risco de taxa de juros para o governo, foi certamente fundamental para a manutenção das possibilidades de financiamento do governo em mercado. Ressalte-se ainda que, nesse período, e em que pese a característica de repactuação diária, este título apresentou deságios elevados, o que segundo Marques42, refletia a atribuição, pelo mercado, de algum grau de probabilidade de moratória.

42 Marques, M. S. e Werlang, S. “Deságio das LFT e Probabilidade Implícita de Moratória”, 1989.