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CAPÍTULO III – ANÁLISE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL

III. 3.3 A Coordenação de Políticas

Na grande maioria dos países há uma distinção bastante clara entre estas políticas, e esta distinção é tida como fundamental para a transparência das mesmas junto ao mercado. De fato, alguns países buscam uma estrutura institucional onde a administração de

43 Nos primeiros anos, o Banco Central enviava propostas selada nos leilões, agindo como mais uma

instituição financeira. Posteriormente, a sistemática foi alterada de forma que o Banco Central poderia receber de títulos aquele volume ofertado em leilão ao mercado, mas não totalmente colocado.

dívida é realizada por uma agência autônoma, onde seus objetivos são claramente definidos e entendidos pelos participantes do mercado, dando maior liberdade de ação em relação às políticas macroeconômicas do governo.44

Naturalmente, políticas para o desenvolvimento do mercado de capitais são positivas tanto para a dívida pública como para a política monetária, mas o que se argumenta é que a operacionalização diária de ambas as políticas pode envolver objetivos conflitantes, difíceis de se administrar se ambas as políticas estão sob a responsabilidade de apenas uma unidade administrativa. Como exemplo, pode-se citar o caso em que se deseje aumentar a liquidez do mercado (via retirada de títulos em circulação), mas se necessite de emissão para financiamento de déficit fiscal. Ou ainda, o caso em que seja mais eficiente a colocação de títulos de curto prazo para enxugamento da liquidez, enquanto, do ponto de vista da estratégia de administração da dívida pública seja importante o alongamento do prazo médio da mesma. A tomada de decisões diferentes dentro de um mesmo órgão pode dificultar o entendimento, pelo mercado, do que se deseja obter com as políticas, gerando prejuízo em termos de transparência.

No Brasil, ainda nos dia de hoje, faz-se confusão entre as políticas de dívida e monetária/cambial, apesar dos avanços ocorridos nas últimas décadas. Como mencionado anteriormente, pode-se estabelecer meados da década de 60 como o início da administração “moderna” da dívida pública e, não coincidentemente, este período é o mesmo do início da formação do mercado de capitais no país. Assim, do ponto de vista institucional e de coordenação de políticas pode-se identificar os seguintes momentos relevantes, entre outros:

(1) Criação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional (Lei nº 4.595, de 31/dez/64;

(2) Criação do (extinto) Departamento de dívida Pública - DEDIP no Banco Central (Decreto-Lei 263, de 28/02/1967);

(3) Criação da Secretaria do Tesouro Nacional (Decreto n.º 92.452, de 10/08/1986); (4) Transferência legal das atividades de dívida para este órgão (Decreto n.º 94.443, de

12/06/87 e Portaria MF, n.º 430, de 22/12/87; (5) Suspensão da emissão de títulos do Banco Central;

44 Como exemplos destes países podem ser citados: Inglaterra, Suécia, Espanha, entre outros.

(6) Volta da emissão de títulos do Banco Central e ocorrência de leilões concomitantes dos dois órgãos;

(7) Regra constitucional proibindo o Banco Central de financiar o governo. Desta forma, a emissão de títulos do Tesouro Nacional para o Banco Central só poderia ser feita no exato montante para cobrir o volume de títulos daquele órgão vencendo na carteira deste último (1988);

(8) Emissão, por parte do Banco Central apenas de títulos cambiais(1999);

(9) Emissão, por parte do Tesouro Nacional de títulos destinados à execução de política cambial (set/2001);

(10) Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 04/05/2000, Art. 34) e fim da emissão primária de qualquer título por parte do Banco Central. Esta Lei, além de determinar o fim da emissão de títulos em oferta primária por parte do Banco Central determinou também que o Banco Central somente pode receber títulos do Tesouro Nacional para refinancimento do principal vencendo em sua carteira, e, ainda, estes só podem colocados quando da emissão de títulos idênticos (e aos mesmos preços) para o mercado.

Os aspectos da coordenação de políticas começam em 1964, quando da criação do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional. Este órgão foi criado no bojo das políticas voltadas para o desenvolvimento do mercado de capitais no país, as quais tinham como objetivo básico a constituição de um mercado de títulos públicos eficiente de forma a propiciar tanto a demanda para o financiamento dos déficit públicos, quanto a viabilizar eficientemente as operações de política monetária. Entre as atribuições definidas pela Lei n.º 4.595 para o Banco Central estava, em seu Art. 10 “efetuar, como instrumento de política monetária”, operações de compra e venda de títulos públicos federais. A emissão primária desses títulos por parte da Autoridade Monetária gerou, na origem (e embora a Lei explicitasse seu uso para fins de política monetária), problemas de coordenação das políticas monetária e fiscal que persistem até os dias de hoje.

De fato, as medidas tomadas em 1969 para o desenvolvimento do mercado de títulos públicos, mencionadas na seção anterior, e explicitadas no Relatório de Atividades da GEDIP (Gerência de Dívida Pública) do Banco Central, deixavam claro a dualidade dos objetivos, referentes tanto à execução da política monetária quanto ao gerenciamento da

dívida, uma vez que contemplavam a busca pela obtenção de recursos não inflacionários para a cobertura dos déficits orçamentários da União e para a rolagem da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna, assim como a consolidação das Operações de Mercado Aberto. Segundo Silva Neto: “Desde então (criação do DEDIP) o Banco Central atua como Delegado do Ministério da Fazenda, quando executa operações de emissão, colocação e resgate da dívida pública interna, e como Autoridade Monetária, quando executa as operações de mercado aberto, com fins de política monetária”45.

Tendo em vista que a partir de 1969, a questão da insuficiência de recursos para financiamento das necessidades fiscais via emissão de títulos já estava solucionada, o Banco Central decidiu criar outro título mais adequado à condução da política monetária, o que foi feito através da criação da LTN. Desta forma, o que é hoje o tradicional instrumento usado pela Secretaria do Tesouro Nacional como forma de refinanciamento da dívida, teve origem como um instrumento para a eficiente condução da política monetária.

Até 1986, quando da transferência da responsabilidade do manejo da política fiscal para o Ministério da Fazenda, as decisões tanto de política monetária quanto de política de dívida estavam concentradas no Banco Central. O ano de 1986 representa marco fundamental no aspecto institucional da administração da dívida pública no país, com a adoção de medidas visando um maior controle fiscal, como a extinção da Conta Movimento46, usada para o suprimento dos desequilíbrios de fundos do Banco do Brasil pelo Banco Central e a criação da Secretaria do Tesouro Nacional (Decreto n.º 92.452, de 10/08/86) para centralizar o controle dos gastos públicos. Neste mesmo ano, o Banco Central recebeu autorização do CMN para emitir títulos próprios para a realização da política monetária e foi então criada, em fevereiro, a LBC (Letras do Banco Central). A inexistência de uma legislação que impedisse o Banco Central de financiar o governo e a difícil situação econômica da época, fazia, entretanto, que o financiamento dos déficits continuassem sendo via Autoridade Monetária, que àquela época, era ainda o único emissor federal.

45 Silva Neto, 1980, op. cit. Naturalmente, tal arranjo prevaleceu até a criação da Secretaria do Tesouro

Nacional, quando a responsabilidade pela administração da dívida pública passou para este órgão.

46 A “Conta Movimento”, possibilitava criação de moeda por parte do Banco do Brasil e, portanto,

tornava esta entidade, na prática, uma autoridade monetária paralela àquela exercida pelo Banco Central 80

Entretanto, no bojo deste processo de separação das atividades do Banco Central e da Secretaria do Tesouro Nacional foi criada a LFT, título com características idênticas às das LBC. Ainda no final de 87, dando continuidade aos objetivos de separação das atividades fiscais e monetárias iniciadas em 86, o Decreto n.º 94.443, de 12/6/87 determinou a transferência das atividades relativas à colocação e resgate da dívida pública para o Ministério da Fazenda, onde esta função ficou a cargo da Secretaria do Tesouro Nacional. Entre as funções, regulamentadas pela Portaria MF n.º 430, de 22/12/87, estava explicitamente:

“...efetuar o controle físico/financeiro da dívida emitida...

....determinar os títulos e os volumes das Ofertas Públicas, inclusive elaborando e publicando os editais, em estreito relacionamento com o Banco Central do Brasil.... ....administrar o limite de colocação dos títulos..”

A despeito das enormes dificuldades para rolar a dívida pública, tendo em vista o cenário macroeconômico por que passava o país em 1989, e o congelamento compulsório dos ativos financeiros imposto pelo Plano Collor em 1990, esta prática foi mantida até esse ano. No entanto, ainda no final desse mesmo ano, a volta da inflação e a baixa credibilidade do mercado por papéis do Tesouro Nacional – dado o congelamento forçado dos mesmos no início do ano - começou a gerar dificuldades na colocação de LTN, de forma que o Banco Central voltou a emitir títulos próprios, neste caso, as recém criadas BBC, título prefixado de características idênticas às da LTN.

Os fatos relatados acima mostram que, a despeito das medidas implementadas a partir de 86, que buscavam maior transparência no relacionamento entre o Banco Central e o Tesouro Nacional, facilitando a distinção das políticas fiscal e monetária, ainda havia dificuldades na consecução deste objetivo.

Assim, buscando dar mais um passo nesta direção, em 1993, foram propostas algumas medidas – que ficaram conhecidas como “Operação Caixa-Preta” e que buscavam, entre outras coisas, a redução quantitativa da carteira de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional no Banco Central e à reestruturação qualitativa da mesma, buscando dotar esta autarquia de instrumentos mais adequados à condução da política monetária. De fato, a participação no estoque da dívida dos títulos em poder do Banco Central passou de 70% ao final de 92 para 20% em dez/94.

A despeito desta operação, a coordenação das políticas continuou apresentando problemas, uma vez que ambas as instituições tinham instrumentos idênticos (LTN e BBC, NTN-D e NBC-E e LFT e LBC) à disposição, para a realização de objetivos diferentes (rolagem da dívida pública e política monetária), que nem sempre demandavam as mesmas ações.

Assim sendo a partir de 95, em especial, até maio de 98 a coordenação de políticas era tal que numa mesma data, ou com diferença de poucos dias, poderia haver dois leilões, um realizado pelo Banco Central e outro pelo Tesouro Nacional, de títulos de características idênticas e de prazos semelhantes. O histórico de interposição de ações e objetivos descritos acima fazia com que a transparência das políticas fosse prejudicada, ou seja, a venda de uma LTN por parte do Tesouro Nacional poderia ser entendida pelo mercado como sinalização das taxas de juros, quando deveria ser tão somente uma operação de financiamento a taxas de mercado.

Tal situação só terminou efetivamente em 2000, quando, já em antecipação à Lei de Responsabilidade Fiscal acordou-se em o Banco Central só emitir – em leilão primário - títulos atrelados ao câmbio, com objetivos de política cambial, todos os outros títulos ficando a cargo do Tesouro Nacional. Desta forma, sempre que o Banco Central desejar realizar política de mercado aberto com títulos públicos, ele o faz com títulos de sua própria carteira, ficando perfeitamente entendido pelo mercado quais os objetivos de política pretendidos com cada ação de cada órgão.

Esta sistemática permite a percepção, pelo mercado, de que leilões primários têm por finalidade exclusivamente a tarefa de financiamento dos déficits fiscais, não representando, portanto, sinalização quanto a um nível ideal de taxa de juros, tarefa exclusiva de competência da Autoridade Monetária. Esta pode, uma vez que detém em sua carteira instrumentos apropriados, realizar operações, em mercado secundário, visando colocar ou retirar moeda de circulação.

CAPÍTULO III - GRÁFICOS47