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4.1 Origem e expansão da Festa do Divino

4.2.11 A festa na Zebreira

Na Zebreira há uma capela do Espírito Santo, situada no largo de mesmo nome, onde ficam abrigados a imagem e o estandarte do Espírito Santo. A festa, constituída essencialmente pelos mesmos momentos e etapas de outras festas da mesma região, apresenta,

no entanto, algumas peculiaridades que a distinguem e originalizam, assim resumidas por Dias:

O ritual da confraria, a boda, as merendas de mel, filhós, tremoços e vinho, o segredo, a Noite do Vitó e as touradas, no que foram e ainda são, constituem, e constituíram, sem dúvida alguma um dos mais interessantes capítulos do culto do Espírito Santo (1953, p. 85).

A confraria é constituída por 15 membros ou mordomos e ainda um tesoureiro. Os mordomos entre si escolhem o juiz, o secretário e o alferes de cada ano, podendo repetir-se no cargo indefinidamente. É o juiz a autoridade máxima, que vela pela integralidade do ritual e determina a expulsão de quem não cumprir as normas.

Há uma hierarquia rigorosa, no que diz respeito à ocupação dos cargos: o secretário é obrigatoriamente o juiz da festa anterior, o que prolonga a sua participação na festa.

A festa tem início na Quinta-feira de Ascensão, com a missa, o que exige o cumprimento de algumas obrigações rituais, como retirar a bandeira da casa onde estiver alojada, sem que toque o chão, para seguir para a igreja onde ocorrerá a missa.

O cortejo entoa o Bendito e Louvado durante o percurso e o Glória ao aproximar- se da igreja. Depois da missa, a bandeira é devolvida à casa do tesoureiro, com um ritual preciso e detalhado para entrar na casa e para ser embalada adequadamente em lençóis brancos, sem dobras.

Cada gesto é determinado pelas ordens do juiz, que são utilizadas também para embalar as fitas, retirar a pombinha, dá-la a beijar a todos os presentes depois de se benzerem e guardá-la, para depois participarem da merenda. Também este momento perde em convivialidade, pela necessidade da rigorosa observância do ritual orientado pelas ordens do juiz.

Lugares marcados, o juiz autoriza deitar a mão para se servirem de tremoços e procede-se em seguida ao encruzamento dos copos de vinho, ou seja, a troca, em gestos precisos realizados com as duas mãos, simultaneamente, dos copos do juiz e do alferes e depois do alferes e do secretário, de maneira a que os copos retornem a seus donos originais. Autorizados, dá-se vivas aos participantes, todos bebem e nova ordem do juiz – quem tem na mão, coma – determina o fim do serviço de tremoços, só se podendo comer os que se tem na mão; e o mesmo ritual se segue para os filhós, polvilhados de açúcar e servidos com mel.

Seguem-se orações, nova rodada de tremoços e vinho, mais orações e tabaco para concluir. Tudo sempre comandado e observado com rigor e atentamente, pois um pingo de

vinho ou uma gota de mel na mesa, bem como a não observância das ordens dadas ou o atraso no seu cumprimento, resultam em multas. A merenda não pode ter participação de mulheres e só pode ser servida pela tesoureira e seus familiares.

Na tarde do primeiro dia da festa, há tourada à vara larga, no largo da capela, vedado de forma improvisada para esse fim.

No Domingo do Espírito Santo há a boda, lauto jantar, sem ritualização, que antecede a devolução da bandeira ao tesoureiro que, por sua vez, a entrega ao alferes. Desta cerimônia participam as duas confrarias, a que termina seu mandato e a que o inicia nesse momento.

A transmissão de poderes, a que estarão presentes apenas os juízes, os alferes e os secretários, implica na transmissão de um segredo revelado apenas, por parte do juiz velho, ao juiz novo.

Outra marca original da festa na Zebreira é a noite do Vitó ou da filhota, festa animada e barulhenta, com muita comida, bebida e cantorias pelas ruas, em que todos da confraria eram obrigados a cantar uma quadra que seguia a mesma estrutura: o segundo verso e a quadra propriamente dita, acompanhada sempre por muitos vivas aos elementos da confraria.

Nos versos coletados por Henriques encontrou-se uma menção a hortelã, que dá nome a um dos cânticos mais populares das festas no Maranhão, o Bendito de Hortelã, e sobre o qual não há registros que esclareçam a motivação.

Ora na folha da amoreira:/ Ai hei-de escrever o meu nome/ Ora, na folha da amoreira./ Oh! viva o juiz e o alferes/ Oh! Viva a nossa tesoureira/ Vivó!// Ora na folha do craveiro/ Ai hei-de escrever uma carta/ Ora na folha do craveiro/ Oh! Viva o juiz e o alferes/ Oh! Viva a nossa tesoureira/ Vivó!// [...]// Ora, meu raminho de hortelã:/ Ai, divino Espírito Santo/ Ora meu raminho de hortelã./ Oh! Viva o juiz e o alferes/ Oh! Vivam quantos aqui estão./ Vivó!// [...] (1996, p. 247).

A festa pode prolongar-se até o amanhecer, sempre regada a muito vinho; o que sobra é derramado no adro, para mostrar a fartura da festa.

Existem registros e descrições da festa, mais concisos, sobre outros lugares, mas percebe-se uma retomada de aspectos de outras festas aqui descritas, sem particularidades maiores. É o caso de Alpedrinha, de Sintra, de Mação – onde a festa começava na Quarta- Feira de Ascensão, com os primeiros preparativos para ao pão a ser consumido e distribuído no bodo, feitos por jovens solteiras, depois assessoradas por rapazes quando se dava a distribuição aos pobres. Estes rapazes executavam uma dança à porta dos mordomos, “com pífaro e tambor [...] comandada por um folião que exibia um ceptro revestido, de fitas, flores e

guizos” (SOARES, 1982, p. 278). Não há, no entanto referência à coroação, o que também se verifica em outras localidades da Beira Baixa.