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5.1 Termos Coletados – Criatividade na Variação

5.1.1 Cânticos, Danças, Saudações, Provérbios e Expressões Populares

5.1.1.1 Cânticos

Os cânticos são elementos fundamentais para a festa do Divino Espírito Santo, em Portugal como no Maranhão. Sob a designação genérica de Alvoradas, nos Açores e em Portugal Continental, ou sob designações diversas, que incluem também a de Alvoradas, no Maranhão; entoadas pelos foliões açorianos ou pelas caixeiras maranhenses; sempre acompanhados pela forte marcação rítmica dos tambores açorianos a que correspondem as caixas maranhenses; complementados ou não por outros instrumentos, em geral também de percussão, como os pandeiros, os ferrinhos e os testos dos Açores, os cânticos orientam de forma categórica e inquestionável cada um dos atos e gestos dos participantes.

Funcionam ora como cânticos religiosos, ora como “enunciados reguladores das diversas sequências rituais de um Império” (LEAL, 1984, p. 14), de forma a tal ponto minuciosa que podem ter quadras específicas para cada um dos objetos simbólicos que um Imperador transmite a outro, no final da festa, no momento do chamado, no Maranhão, Repasse ou Trespasse das Posses, para citar apenas um exemplo.

Foi possível levantar os seguintes cânticos, cujas designações são recorrentes em várias festas. Mantive a grafia original, do que decorre que, principalmente no caso dos Açores, Espírito Santo será designado preferencialmente por Esprito Santo.

Quadro 10 – Cânticos

TERMO DEFINIÇÃO OUTRAS INFORMAÇÕES

ALVA POMBA

Nos Açores, nome que também se dá ao Hino do Espírito Santo, por assim iniciar a sua letra (JSB, p. 61).

Alva Pomba, que meiga aparecestes/ Ao Messias, no Rio Jordão/ Estendei Vossas asas celestes/ Sobre os povos do orbe cristão (JSB, p. 61).

ALVORADA

1. Nos Açores, cada um do conjunto de cantares das festas do Espírito Santo, versando temas de natureza religiosa, entoados pela Folia à porta da casa do Espírito Santo e depois junto ao altar do Império, compostos por poemas religiosos populares, em forma de quadra (JSB, p. 62).

2. No Maranhão, momento do ritual, que se repete por vários dias, às seis horas, ao meio-dia, às 18 horas.

3. No Maranhão, toque de caixa que acompanha o ritual da Alvorada (FSR, p. 87)

“<Alvorada> nova, novas alvoradas/ De manhã bem cedo, sobre a madrugada/ Alecrim cheiroso, angerca dobrada/ Ao sair da estrela, ela foi croada” (PGA, p. 51).

Levanta-te garça/ Do teu doce estar,/Pois el-rei vai à la caça,/Já o sol quer raiar/[...] (JSB, p. 62).

ALVORADA DOBRADA

No Maranhão, cântico com toque semelhante ao de Alvorada, mas em ritmo mais acelerado (FSR, p. 88).

“O cantar das alvoradas/ É um cantar excelente/ Acorda quem está dormindo/ Alegra quem está doente” (CMG, p. 75). ALVORADINHA

No Maranhão, outro termo para o cântico Alvorada Dobrada (FSR, p. 88).

“Vou cantar as Alvoradas/ Não sei que Alvorada eu canto/ Vou cantar <Alvoradinha>/ Do Divino Espírito Santo” (PGA, p. 52).

ALVORADA DA DESPEDIDA

Última Alvorada cantada na casa de quem saiu a sorte para a alumiação do Espírito Santo – Flores, nos Açores (JSB, p. 62). ALVORADA DA

ENTRADA

Alvorada cantada no final da tarde do Domingo de Páscoa, na 1ª casa a quem saiu a sorte de alumiar o Espírito Santo – Flores, nos Açores (JSB, p. 62) ALVORADA

FOLIADA

Alvorada cantada e balhada pelos foliões, também chamada Alvorada Pulada – Flores, nos Açores (JSB, p. 62).

PULADA Alvorada Foliada. BELA AURORA

Nome de Alvorada do Espírito Santo que os Foliões cantam no Levantar da Mesa – Flores, nos Açores (JSB, p. 107)

BENDITO

No Maranhão, cântico de louvor que pode ter vários objetivos/denominações: dos Martírios de Jesus, de Santo Antônio, da Perpeta.

São cantos cristãos que contam histórias, relatam passagens bíblicas e vidas dos santos (MB, p. 69).

“Lá no céu ouvi um barulho/ Madalena o que será/ Tão martirizando Cristo/ Que martírio não será.” (MB, p. 187).

“Santo Antônio de Lisboa/ São Luís do Maranhão/ Santo Antônio conta conto/ São Luís conta milhão” (MB, p. 188). “Se a perpeta cheirasse/ Era a rainha da flor/ Era a flor que se enfeitava/ O esquife do senhor” (MB, p. 191).

BENDITO E LOUVADO

Cântico de cunho religioso, entoado durante os cortejos em movimento, nas festas das Beiras em Portugal Continental.

Bendito e Louvado seja/ O Santíssimo Sacramento/ Toda a Eucaristia/ Fruto do Ventre Sagrado/ Em virgem puríssima/ Se mais Santa a Maria (FH, p. 69).

BENDITO DE HORTELÃ

No Maranhão, cântico para o Fechamento da Tribuna, que conta toda a vida de Jesus até a descida do Espírito Santo (FSR, p. 92).

“Deus o salve o <hortelã>/ Salvador da boa fé/ Se por cá não viu passar/ Bom Jesus de Nazaré” (PGA, p. 61).

CANTIGAS DE POMBINHA

Em Portugal Continental, melopeias e letras carregadas de tradição, entoadas pelos foliões nas folias de Pentecostes, acompanhadas de tambor e pandeiretas (MMS, p. 312). CANTORIAS

Nos Açores, cantigas ao desafio executadas no âmbito, espacial e temporal, das festas do Império (MBS, p. 51).

DANÇA DAS CAIXEIRAS

No Maranhão, cântico das caixeiras saudando o mastro e as crianças do Império (FSR, p. 100).

“Caixeira que está dançando/ Passa a mão no teu cabelo/ que do céu já vem caindo/ Pinguinho de água de cheiro” (CMG, p. 76).

ESPÍRITO SANTO

COMPASSADO

No Maranhão, variação do cântico Espírito Santo Dobrado, em ritmo mais lento (FSR, p. 105).

“[...] e tem o toque <Compassado>, conforme seja a salva que a gente cantar. Tem que tocar tudo compassado, tudo ali lento [...]” (MB, p. 68).

ESPÍRITO SANTO CORRIDO

No Maranhão, variação do cântico Espírito Santo Dobrado, em ritmo acelerado (FSR, p. 105).

“[...] tem o toque Corrido” MB, 68. “São dois <Espírito Santo. O Dobrado e Corrido>” (MB, p. 68).

ESPÍRITO SANTO DOBRADO

No Maranhão, designação dada a um cântico dos mais importantes, com ritmo fortemente marcado (FSR, p. 105).

“Nas horas de Deus amém/ Nas horas de Deus será/ Os anjos tão de joelho/ Fazendo bento sinal [...] Meu Divino Espírito Santo/ É meu Pai é meu senhor/ Que desceu do céu à terra/ Pra mostrar o seu valor” (CMG, p. 75).

ESPÍRITO SANTO SINGELO

No Maranhão, outra

denominação para o cântico conhecido como Espírito Santo Corrido.

ESPÍRITO SANTO TRÊS PANCADAS

No Maranhão, outra

denominação para o cântico conhecido como Espírito Santo Dobrado.

FALSETE

Nos Açores, canções de caráter mais lúdico, que fazem parte do repertório da folia (JL1, p. 15).

“Deus é que nos deu o aumento/ Deus é que deu o aumento/ a esta mesa// Deus é que deu o aumento/ e é esta a maior riqueza/ aí está o provimento” (JL1, p. 65).

GLÓRIA

Cântico de cunho religioso, entoado durante os cortejos quando parados, nas festas das Beiras em Portugal Continental.

Glória ao pai e ao Filho/ E ao Espírito Santo/ Ena é de princípio/ É de nunca é de Sempre é/ é de Sempre/ seclório Amém (FH, p. 69).

HINO DA MISSA

No Maranhão, cântico entoado após a missa dos Impérios, para agradecer o padre pela celebração (FSR, p. 107).

“Ai o padre que disse a missa/ Ai em Roma se ordenou/ Ai com três palavras benditas/ Ai no sacrário ele fechou” (CMG, p. 79).

HINO DE LOUVOR AO ESPRITO SANTO

Nos Açores, cantiga de composição invariável cantada pelos Foliões em louvor do Espírito Santo - Terceira (JSB, p. 303).

HINO DO ESPRITO SANTO

Nos Açores, hino composto em finais do Século XIX, para ser tocado por filarmônicas e cantado durante as coroações, é o mais venerado de todos os hinos (JSB, p. 303).

Veni Creator spiritus/ Mentes tuorum visita/ Imple superna gratia/ quae tu creasti pectora (JSB, p. 303).

NOSSA

GUIA levantamento e derrubada do

mastro (FSR, p. 117). ver seu bento filho/ Ai que chegou de Portugal” (CMG, p. 78).

RAMO-FEITO

Nos Açores, cantiga dos Foliões efectuada no Sábado de Espírito Santo, quando percorrem a freguesia a distribuir as esmolas, apenas executada nas casas de pessoas mais importantes, nomeadamente a do Rei da Coroa ou a do Imperador (JSB, p. 469).

Quem me dera um ramo feito/ Das mãos de Nosso Senhor/ Também dizemos que viva/ o nosso nobre Imperador (JSB. p. 469).

ROMANCE

Nos Açores, cântico preparatório executado pelos Foliões fora da porta da casa onde se canta a Alvorada (JSB, p. 489).

SALVA

No Maranhão, cântico para saudar o Divino (MB, 68). Cântico para saudar o Divino, que pode estar ou não ligado a um momento específico do ritual (FSR, p. 122).

“A Corte está reunida/ Ai os Império estão sentados/ Eu convido as foliôa/ Os Império nós salvar” (MB, p. 159). SALVE-

RAINHA DOBRADA

Nos Açores, cântico, construído a partir da Salve-Rainha, praticado nas festas do Espírito Santo (JSB, p. 500).

SENHORA SANTANA

No Maranhão, cântico proferido sempre depois da Alvorada, em louvor a Santana, avó de Jesus, em que se faz menção à sua relação familiar (FSR, p. 124).

“<Santana> é a maior santa/ Que no mundo tenho visto/ Ela é mãe de Deus/ É a avó de Jesus Cristo” (PGA, p. 55).

TOQUE DE SUSPENDER O MASTRO

No Maranhão, cântico também designado por Nossa Senhora da Guia.

“<Senhora Santana>/ Preparai cueiro/ Que já é nascido/ Jesus verdadeiro” (PGA, p. 55). TOQUE DE

REZA

No Maranhão, cântico realizado depois de rezar a ladainha (FSR, p. 126).

“Quem rezou a ladainha/ Lá no céu tem seu assento/ Uma cadeira de ouro/ Ao redor do cálice bento” (CMG, p. 79). TOQUE DO

TRESPASSE OU REPASSE DAS POSSES

No Maranhão, cântico que acompanha a entrega das insígnias, uma a uma, ao Império do ano seguinte.

Alegrai-me mãe de Deus/ Que já é chegada a hora/ Para entregar as posses/ Deste Império Real (MB, p. 171).

TRÊS

PANCADAS

No Maranhão, outro termo para o cântico conhecido como Espírito Santo Dobrado (FSR, p. 127).

“Na igreja da matriz/ Três pancadas deu o sino/ Agora estamos abrindo/ A Tribuna do Divino” (MB, p. 136).

VIVA O HINO

No Maranhão, cântico de agradecimento ao padre pela missa celebrada (FSR, p. 129).

“<Viva o hino>, <viva o hino>/ <Viva o hino> brasileiro/ Também viva Espírito Santo/ Com seu retrato na bandeira” (PGA, p. 58).

Barbosa (2006, p. 68) registra depoimento de Dona Celeste, festeira e caixeira da Casa das Minas, falecida recentemente, que afirma serem oito os cânticos considerados indispensáveis: Alvorada, Senhora Santana, Espírito Santo Dobrado, Espírito Santo Corrido, Toque da Missa, Toque de suspender o Mastro (Nossa Senhora da Guia), Toque do Repasse das Posses e a Dança das Caixeiras. A mesma autora, no entanto, apresenta outros cânticos, com denominação específica, recorrentes em várias festas e ainda outros mais, que, isoladamente, são designados por sua destinação, como:

Para tirar joia “pelos interiores”; Pedindo pouso para a Folia do Divino; Abertura da tribuna;

Versos para o Pombo Branco; Versos para o Espírito Santo; Versos para ir buscar o mastro; Para levantar ou derrubar o mastro; Levando os Impérios para a Missa; Agradecimento da missa;

Para cantar nas procissões; Chegando da Missa;

Chegando da missa e pedindo licença para entrar na casa; Sentamento dos Impérios;

Cantos para a Mesa das refeições do Império; Matança ou matutagem;

Versos para esmolar; Fechamento da tribuna; Despedida das caixeiras;

Para pedir e receber licença para cantar; Versos de amizade;

Para pedir comida ou bebida; Prisão do passarinho;

Para sair da roda e parar de cantar.

No momento da Abertura da Tribuna, ato inicial do ritual, alternam-se os versos da caixeira e do(a) dono(a) da festa, para que o comando do ritual passe à responsabilidade da caixeira-régia (ou mor, conforme a casa que promove a festa), quando é tocado o cântico Espírito Santo Dobrado para invocar o Divino e dar espaço para que cada caixeira cante um verso:

Vinde meu Espírito Santo/ Que por vós estou chamando/ A tribuna está aberta/ E por vós está esperando/ [...]/ As portas do céu se abriram/ O pombo branco avoou/ Sentou pra ser festejado/ Na festa do imperador (PACHECO, GOUVEIA, ABREU, 2005, p.19-20).

Embora muitos versos da festa sejam improvisados e a habilidade de improvisação da caixeira seja extremamente valorizada, os versos de abertura da tribuna, por sua importância, são, em geral, conhecidos e transmitidos de geração em geração e obedecem a uma ordem definida: primeiro a invocação ao Divino, depois o cântico para São Pedro, guardião das chaves do céu e também da chave da tribuna.

A maior parte das designações dos cânticos deixa evidente a motivação, como no caso do Hino da Missa, dos Toques para Subida do Mastro ou para Trespasse das Posses, aqueles em louvor de uma santa em especial como Nossa Senhora da Guia ou Santana, ou os que fazem alusão ao ritmo como Espírito Santo Corrido, Dobrado ou Três pancadas.

O cântico próprio do momento do levantamento do mastro é o denominado Nossa Senhora da Guia:

Sobe alto, Oliveira/ Vai subindo devagar/ Sobe meu Espírito Santo/ Que perto de Deus vai ficar (PACHECO, GOUVEIA, ABREU, 2005, p. 24).

Nos cânticos denominados Nossa Senhora da Guia há invocações à sua proteção, como este de Dona Celeste:

Nossa Senhora da Guia/ Tá com a frente para o mar/ Para ver seu bento filho/ Que chegou de Portugal (PACHECO, GOUVEIA, ABREU, 2005, p.56).

Ou descrições do mastro, como nestes versos:

Que bonito pé de árvore/ Que a natureza criou/ Pra servir de mastarel/ Na festa do imperador (PACHECO, GOUVEIA, ABREU, 2005, p.57).

No entanto, não foi possível identificar a motivação do Bendito de Hortelã, longo cântico para Fechamento da Tribuna, muitas vezes em forma de diálogo, em que se conta a saga de Cristo na Terra. O emprego do termo Hortelã, nos versos, leva a crer inicialmente que

seria uma designação do próprio Cristo, como se pode observar neste trecho do cântico: Deus o salve o Hortelã/ Salvador da boa fé. No entanto, a continuação dos versos, Se por cá não viu passar/ Bom Jesus de Nazaré, transforma o Hortelã em interlocutor a quem se pergunta o paradeiro de Cristo.

Soares transcreve uma Alvorada coletada por Guerreiro Gascon em Marmelete, Portugal Continental, na década de 20 do século passado, cujos versos evoluem em torno do termo Hortelã – Hortelana – desta feita entendida como planta, sem nenhum aparente valor simbólico, e da qual reproduzo aqui a estrofe inicial, mantida a grafia original:

Levanti-me esta manhana,/ fui colhê´la hortelana;/ levanti-me esta manhana,/manhanita do Natal,/fui colhê´la hortelana;/que ´stava no mé quintal;/levanti-me esta manhana,/manhanita de flores/fui colhê´la hortelana;/ó quintal dos mês amores (SOARES, 1982, p. 274) .

No Ladoeiro, Portugal Continental, Henriques (1996, p. 247) registrou versos de cantiga “[...] arrastada e dolente [...]” que era habitualmente entoada na denominada Noite do Vitó, tradição antiga e que ocorria na noite de sábado para domingo seguinte ao do Espírito Santo. A cantiga, como a própria noite, era conhecida também por filhota. Com estrofes de cinco versos e um refrão – Vivó! – menciona a folha da amoreira, do craveiro, da Alexandria e da roseira, em que se vai escrever o nome ou uma carta, para então mencionar a folha de hortelã, conforme segue: Ora, meu raminho de hortelã/ ai, divino Espírito Santo/ Ora meu raminho de hortelã./ Oh! viva o juiz e o alferes/ oh! Vivam quantos aqui estão./ Vivó! A cantiga continua com mais quatro estrofes, mas apenas nesta e na seguinte, em que fala da folha da oliveira, há uma aparente associação com o Divino, tal como ocorre no cântico maranhense.