• Nenhum resultado encontrado

4.4 Dos Açores para o Novo Mundo – o ritual das festas no Brasil

4.4.2 O ritual da festa do Divino Espírito Santo no Maranhão

4.4.2.1 A festa em Alcântara

A festa do Divino em Alcântara distingue-se de outras realizadas no estado por não estar ligada a terreiros, uma vez que estes não existem na cidade. No entanto, o seu desenvolvimento difere pouco e é conduzida, como em São Luís, essencialmente pelas caixeiras, embora o sotaque ou batida das caixas seja diferente , um pouco mais lento.

A festa espalha-se pela cidade inteira. Como somente o Imperador tem casa assegurada – a Casa do Divino, sede do Império durante a realização dos festejos, adquirida para esse fim e para o registro e preservação da memória das tradições locais pela Empresa Maranhense de Turismo – MARATUR, em 1980 (Fig.13) – os outros festeiros usam suas próprias casas ou casas cedidas por amigos e parentes, para a festa.

Figura 13 – Casa do Divino em Alcântara

Fonte: Acervo do Projeto ALiMA

Segundo Lima (2008), no tempo da nobreza imperial alcantarense o grupo de festeiros chegava a treze pessoas, que disputavam para realizar a melhor festa. Ainda segundo Lima (1988), o Império é composto por 13 pessoas: Imperador (Fig. 14) ou Imperatriz, que se alternam a cada ano, um Mordomo-Régio ou Mordoma-Régia, cinco Mordomos-baixos e seis Mordomas-baixas, além de mestres-salas, caixeiras, bandeireiras, que formam a vassalagem. O mestre-sala-mor tem cargo vitalício, cabendo-lhe escolher seu sucessor. Atualmente este número tem sido reduzido, de acordo com o interesse dos participantes.

Figura 14 – Imperador

Fonte: Acervo do Projeto ALiMA

Um dos aspectos originais da festa em Alcântara é a alternância, a cada ano, entre Imperador e Imperatriz, escolhidos por sorteio, denominado de pelouro, realizado no encerramento da festa anterior e anunciado pelo pároco. Continuam sendo indispensáveis os Mordomos. Imperador/Imperatriz-festeiros e Mordomo-régio são representados por crianças, denominados Imperador/Imperatriz do Trono e Mordomo-Régio do Trono. Há cores previamente definidas, de acordo com a função – vermelho para o Imperador ou Imperatriz, verde para o Mordomo-Régio e azul, branco ou rosa para os outros.

Segundo Ferreira (1998, p. 44), a festa dura por volta de duas semanas, a partir da quarta-feira de Ascensão, com o cortejo e o levantamento do mastro, que é fincado em praça pública.

No dia seguinte há alvorada, com caixeiras e bandeireiros, ao lado do mastro. Em seguida o Império reúne-se na igreja, para a missa de Ascensão, quando ocorre a coroação solene, e depois, em cortejo, vão até a casa do Imperador onde são servidos doces e bebidas quentes. Ainda na igreja, solta-se uma pombinha branca “ para que todos visualizem nesse ícone vivo a presença do Espírito Santo” (SANTOS, 1980, p. 26). Neste mesmo dia acontecem as prisões dos Mordomos, junto ao mastro, da qual só serão liberados após o pagamento de uma prenda. A prisão, desta vez nas salas onde se encontrem os mordomos, por exemplo, pode ocorrer também para qualquer participante ou observador que quebre as regras de decoro, fumando, cruzando pernas ou braços ou usando trajes considerados impróprios. Uma fita vermelha no braço identifica o infrator, impedindo-o de sair do recinto sem pagar a multa.

No terceiro dia da festa ocorre o levantamento do mastro do Mordomo-Régio, nas proximidades de sua casa, seguido de música, bebidas e foguetes.

No quarto dia da festa, os Mordomos e seus séquitos visitam o Imperador e vários cortejos se cruzam na cidade, enquanto são rezadas as ladainhas. Durante o dia, mocinhas e crianças, acompanhadas pelas caixeiras, saem em “ciganagem” ou recolhimento de pequenas oferendas, verduras, temperos, bebidas.

No Domingo do meio, quinto dia da festa, há missa e visita do Imperador aos Mordomos. O Mordomo-Régio oferece danças, doces e bebidas. Nos quatro dias seguintes há ladainhas em todas as casas de festeiros.

No décimo dia os Mordomos visitam o Imperador e há a brincadeira da subida do boi, quando um boi que será sacrificado no dia seguinte, é solto e controlado apenas por cordas, para subir a ladeira do Jacaré, assustando os populares que o provocam e correm para fugir.

No sábado seguinte ocorre a distribuição de esmolas aos pobres da cidade, previamente relacionados por cada festeiro. Esta esmola consiste em porções de bens de primeira necessidade – carne, farinha, verdura, ovos, carvão etc. – em quantidades determinadas segundo a função na festa: 24 pelo/a Imperador/Imperatriz, 18 pelo/a Mordomo/a Régio/a e 12 por cada um dos Mordomos Baixos.

No décimo primeiro dia há novas visitas dos Mordomos ao Imperador, uma passeata para distribuição de esmolas aos pobres com a presença de todos os festeiros e, à noite, uma procissão que percorre a cidade até o amanhecer do dia. O hábito de transportar lanternas de papel celofane colorido, penduradas em arcos, nessa procissão, é um fator a mais de beleza e criatividade.

No décimo segundo dia há missa, ao término da qual é lida pelo pároco a relação dos festeiros sorteados para o ano seguinte, recepção oferecida pelo Imperador/Imperatriz e ladainhas de encerramento.

No último dia são entregues os postos aos festeiros do ano seguinte e o Imperador vai de casa em casa para investi-los nas funções.

Algumas tradições antigas foram abandonadas, como a Folia do Divino, um grupo constituído por 3 caixeiras, 3 bandeireiras, 1 bandeireiro, 2 ajudantes de confiança para carregar as ofertas e o “Vicente”, assim designado qualquer que fosse o seu nome, para receber as ofertas em dinheiro. Esses grupos começavam a percorrer a região a partir do dia de São Bartolomeu, dia 24 de agosto. Praticavam o que se chamava “tirar jóia”, ou seja, iam de casa em casa solicitar ajuda que se concretizava em gêneros alimentícios ou em dinheiro.

Em cada casa entoavam cânticos para entrada e saída, davam a Santa Coroa a beijar à pessoa mais velha, que a punha sobre a cabeça das crianças invocando proteção e benção.

As dificuldades impostas pela idade das caixeiras e pela falta de segurança altearam esse e outros hábitos, mas a festa em Alcântara ainda é uma das mais importantes realizadas no Maranhão.