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A filosofia do marketing educacional — visão de mercado versus mercantil

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 O marketing educacional

2.4.2 A filosofia do marketing educacional — visão de mercado versus mercantil

É uma falácia achar que o mercado trabalha contra a verdadeira educação. Stanley N. Katz, da Universidade Princeton (KIRP, 2003).

Contra o marketing, estão as alegações de que as instituições de ensino superior são suscetíveis aos interesses do mercado (sobretudo os de curto prazo) e a suas manifestações — como rankings. A reputação das escolas passou a ser sua “marca”, os alunos viraram “clientes” e os departamentos, “centros de lucro.” O apelo do mercado — ou mercantil, como preferem usar — seria aplicado para tudo, abrangendo até os programas dos cursos, impregnados de modismos (no mero nome das matérias, do curso e até na inclusão de conceitos em voga).

Erica Mc Williamm, citada por Fraga (1999), da Universidade de Tecnologia de Queensland (Austrália), baseia sua crítica à “corporativização” das instituições de ensino em seu modelo gerencial “perfeito.” Ressalta o uso de estratégias “mercadológicas”, como o velho gerenciamento de qualidade total e a busca de certificações — selos de qualidade, mais um modismo importado das empresas. Em geral, são práticas rasas e já em desuso ou desacreditadas até no mundo empresarial. O mesmo ocorre com o conceito de escola empreendedora — um jeito de as instituições de ensino conseguirem verbas via satisfação dos interesses imediatos da iniciativa privada e da substituição da noção tradicional de conhecimento pela de que não se pode mais parar de estudar, de que a formação universitária e os treinamentos são contínuos. Seus currículos deixariam de lado conteúdos “mais pesados” e com pouco apelo comercial, focando habilidades especializadas e analíticas em detrimento das gerenciais, conforme Thomas (2007a), que cita Ghoshal (2005) e Mintzberg (2004). Não faltam frases de efeitos e acusações pesadas nesse sentido:

“As universidades conseguirão manter seus propósitos, independência e confiança pública neste cenário competitivo, de ênfase em corte de custos. A busca do dinheiro é

antagônica à busca da verdade?”, Laura D'Andrea Tyson, ex-presidente do Council of Economic Advisers (KIRP, 2003).

“Se as IES acharem que devem despertar agora para o mercado, verão que pode já ser tarde demais”, Stanley Fish, reitor do College of Liberal Arts and Sciences, da Universidade de Illinois em Chicago (KIRP, 2003).

“Quando a escola passa a se comportar como uma empresa, deve satisfazer os seus clientes. Dessa forma os professores ficam subjugados a uma espécie de lei de mercado, muitas vezes, endossando um falso êxito do aluno”, Ângelo Dal Cin, diretor do Sinpro/ RS (FRAGA, 1999).

A função da escola é “formar cidadãos para o mundo.” A visão de mercado reduz o conceito de educação e “é resultado de uma crença neoliberal de que tudo é mercadoria e de que o mercado regula todas as relações. Só que existem relações que são impossíveis de ser reduzidas, aquelas que dizem respeito ao desenvolvimento humano. O homem deve ser sujeito e não objeto no processo e, com a mercantilização, esta ordem fica completamente invertida.” Maria Beatriz Luce e Carmem Maria Craidy, professoras titulares da Faculdade de Educação da UFRGS e doutoras em Educação (FRAGA, 1999).

A “comercialização do ensino” (marketization) é um “acomodamento entre a privatização, a autonomia acadêmica e o controle público” (YOUNG, 2002, p. 79 apud HEMSLEY-BROWN; OPLATKA, 2006).

Educação é um direito social, uma conquista do cidadão, não um produto a ser comercializado. Não deveria ser tratada como um serviço comum, sujeito a normas supostamente neutras e gerais (SIQUEIRA, 2004).

Escola não é padaria, por Ronaldo Mota, secretário de Educação Superior do MEC (GALVÃO, 2008).

Driscoll e Wicks (1998 apud MASSAD; TUCKER, 2000) complementam que a adoção do conceito de marketing pode fazer com que os valores e objetivos acadêmicos, assim como os diversos stakeholders da educação, passem a se subordinar ao atendimento dos desejos aparentes e da satisfação dos alunos. Isso é perigoso, na medida em que os alunos não possuem, muitas vezes, a capacidade técnica para avaliar a qualidade da educação e o quanto ela vale de fato. O mesmo acontece com a identificação de seu “valor de mercado” por terem cursado uma dada escola. Tudo isso dá margem a que o conceito de marketing seja aplicado

de forma inapropriada. Assim, atributos importantes da educação superior, como o rigor acadêmico, dão lugar ao atendimento do interesse dos alunos por benefícios imediatos e mais tangíveis (MASSAD; TUCKER, 2000).

Hoffman (1997 apud MASSAD; TUCKER, 2000) aponta outro lado danoso do conceito de marketing — criar ineficiências econômicas, levando as instituições a aumentarem seus preços e gastos em aspectos não ligados diretamente à educação ou de ganho mais fácil de imagem, como campanhas de comunicação e instalações. Tem-se aqui uma crença ingênua de que a propaganda é responsável por tornar os cursos (e os produtos em geral) mais caros. Valeria ganhar a competição com as outras instituições, trazer o maior número de alunos e não a educação em si, fazendo com que as escolas deixem de colaborar entre si. Seguindo essa linha, Westburnhan (1994 apud THOMAS, M., 2005) faz as seguintes contraposições entre a Administração e a Educação:

As teorias da Administração estão basicamente focadas na maximização do lucro, a educação não.

A Administração é mais mecânica, enquanto a educação é orgânica. Os sistemas gerenciais vão além: são hostis à criatividade necessária dentro das universidades.

Na Administração, buscam-se objetivos e metas claras. Na educação, elas são difusas, difíceis de ser determinadas, medidas e cobradas. A variação de objetivos a serem alcançados é tão grande, que muitos são conflitantes entre si.

A lista de acusações vai longe, colocando a Administração ainda como pseudocientífica e extremamente pragmática — mais um desencaixe com a educação.

Clark (1983 apud Alperstedt 2001, p. 22) insiste em que a universidade se organiza diferente de uma empresa, fazendo com que os trabalhadores das IES exerçam uma autonomia incompatível com a de empresas com fins lucrativos. Possuem mais liberdade, independência. Ao invés de responderem a um chefe, pensam num contexto maior, de longo prazo, de uma área pouco explorada ou para beneficiar a ciência e a sociedade. Complementam Newman e Couturier (2001 apud WU, 2003) que a missão das instituições é tida como única, social, inquestionável, colocada num pedestal, o que impede o uso de técnicas feitas para “organizações comerciais.” Também apontam que a ojeriza ao marketing pode ser uma defesa contra o medo de perder liberdade de pensamento, capacidade de debate, independência intelectual e de ação.

As pressuposições mais comuns dos críticos de marketing baseiam-se na ideia de: que (1) há disparidade entre os interesses dos alunos e o das instituições — os atributos valorizados pelos alunos seriam opostos aos dos outros stakeholders e (2) instituições são influenciadas pela briga constante por mais alunos, medo da diminuição do número de candidatos, demanda por professores, mudanças em seu perfil e busca incessante de economias de escala.

O caso da Universidade dos Governos do Oeste, nos Estados Unidos, tem servido como exemplo para os que criticam a posição mercantil do ensino. Fruto de uma parceria entre a esfera pública (17 governos do Oeste americano) e a privada (AT&T, Cisco, IBM, Microsoft, Thomson), não tem nenhum professor como funcionário, não cria seus cursos — tudo é terceirizado, tanto a “mão-de-obra”, que é “alugada” de outras instituições de ensino, como o conteúdo — que vem pela compra de cursos desenvolvidos por outras fontes. A tecnologia é intensiva, até para o atendimento dos alunos, a distância pela Internet (OMC, 1998 apud SIQUEIRA, 2004). Outra crítica da autora é as IES terem se transformado em fábricas de diplomas. O que elas vendem não é o acesso à educação — e sim um simples atestado de formação “superior.” Todavia, este debate é inútil por não conseguir diferenciar a “visão mercantil” de visão de mercado. O lado mercantil quer dizer simplesmente que a educação tem de dar retorno, tangível (lucro, sobretudo para as escolas privadas) ou intangível — pesquisas, inovação, profissionais mais bem preparados, efeitos na sociedade. Uma universidade mercantil representaria o “desaparecimento da universidade medieval teocêntrica” e o surgimento de um sistema em que cada universidade tem “uma vocação específica” e autonomia para empregar da melhor forma suas receitas. Isso pode implicar fins lucrativos ou uma vocação mais pública; mais empreendedora ou conservadora. Significa buscar flexibilidade, diversidade e variedade para prestar serviços na área da educação e do conhecimento:

Desde sua origem, no século XII, a universidade teve uma vocação fortemente unifuncional: oferecer formação no nível superior para quem podia pagar por ela. Está em sua origem ser uma instituição mercantil, visto que historicamente os serviços oferecidos apresentam custo elevado e alguém sempre teve que pagar por ele: o próprio aluno, a Igreja, o Estado, as empresas ou entidades filantrópicas (CALDERÓN, 2004, p. 105).

Os benefícios da implantação do conceito de marketing em qualquer setor — com fim lucrativo ou não — já são discussão ultrapassada na área de Administração, mas encontram restrição até nas próprias escolas de negócios, como abordado na próxima seção.