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Particularidades: conceitos e cuidados com a análise de conteúdo

3 ANÁLISE DE CONTEÚDO

3.3 Particularidades: conceitos e cuidados com a análise de conteúdo

Para Bardin, uma das autoras mais referenciadas sobre o tema, análise de conteúdo é “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis e em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos» (conteúdos e continentes) extremamente diversificados” (p. 9):

O fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas — desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até a extração de estruturas traduzíveis em modelos — é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. [...] Tarefa paciente de «desocultação», responde a esta atitude de voyeur de que o analista não ousa confessar-se e justifica a sua preocupação, honesta, de rigor científico. Analisar mensagens por esta dupla leitura, onde uma segunda leitura se substitui à leitura «normal» do leigo, é ser agente duplo, detetive, espião... Daí a investir-se o instrumento técnico como tal e a adorá-lo como um ídolo capaz de todas as magias, fazer-se dele o pretexto ou o álibi que caucione vãos procedimentos, a transformá-lo em gadget inexpugnável do seu pedestal, vai um passo... que é preferível não transpor.

O maior interesse deste instrumento polimorfo e polifuncional que é a análise de conteúdo reside — para além das suas funções heurísticas e verificativas — no constrangimento por ela imposto de alongar o tempo de latência entre as intuições ou hipóteses de partida e as interpretações definitivas. Ao desempenharem o papel de «técnicas de ruptura» face à intuição aleatória e fácil, os processos de análise de conteúdo obrigam à observação de um intervalo de tempo entre o estímulo-mensagem e a reação interpretativa.

Se este intervalo de tempo é rico e fértil, então há que recorrer à análise de conteúdo... (BARDIN, 1977, p. 9-10, texto adaptado para o português do Brasil).

Para a autora (p. 41), o que se busca, ao efetuar a análise de conteúdo é “uma correspondência entre as estruturas semânticas (ou linguísticas) e as psicológicas (ou sociológicas) dos enunciados.” Pode-se pressupor que a análise de conteúdo baseia-se em textos, descartando outras formas de expressão. A maioria dos autores renega essa visão reducionista. Todavia, não pode ir muito longe: a análise de conteúdo não pressupõe a representação de eventos físicos, mas sim de “textos, imagens e expressões que são criadas para serem vistas, lidas, interpretadas e representadas por seus significados” (KRIPPENDORFF, 2004, p. xiii). Conforme o Webster’s Dictionary of the English Language, que incluiu o termo em 1961, a análise de conteúdo pode ser vista como a análise da parte latente e manifesta proveniente do corpo de um material comunicado, como textos de um livro ou propaganda e falas de um filme ou entrevista. Isso é feito, classificando-se os conteúdos, tabulando e avaliando seus símbolos-chave e temas, a fim de investigar seu significado e provável efeito.

Bardin (1977, p. 14, 29-30, 35) explica que cada vez mais a análise de conteúdo mescla polos opostos, como a atitude interpretativa e a retórica com a lógica, o desejo de rigor com a necessidade de adivinhar (de descobrir), a ultrapassagem da incerteza (será que a leitura do pesquisador é válida e generalizável?) com o enriquecimento da leitura (se um olhar rápido já pode ser deveras fecundo, que resultados podem trazer uma leitura e análise atenta?). Bardin chega a comparar o pesquisador, de um lado, a um arqueólogo, o qual trabalha com vestígios e, de outro, a um agente duplo para ilustrar essas contraposições:

Enquanto (sic) esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem (BARDIN, 1977, p. 9-10).

Mescla ainda duas funções, que podem ou não ser completamente dissociadas: a heurística (análise de conteúdo para explorar, ver no que dá) e a administração de provas (análise de conteúdo para servir de prova, verificar as hipóteses propostas). Riffe, Lacy e Fico (2005) citam ainda a questão da inferência versus descrição: para autores como Berelson (1952) e Holsti (1969), a análise de conteúdo deveria restringir-se ao conteúdo manifesto, ou seja, basear-se apenas no significado pretendido pela fonte, em oposição a seu conteúdo latente. Na contramão desse posicionamento está o uso da análise de conteúdo justamente para gerar inferências, descobrir o que não foi literalmente escrito — seu conteúdo latente. Os próprios Shapiro e Markoff (1997) concluem que a ênfase no conteúdo manifesto versus latente dar-se- á de acordo com o objetivo da pesquisa. Não é necessário restringir a análise de conteúdo a apenas um deles. Outro ponto-chave seria, no momento da análise, não se prender apenas à forma, esquecendo-se do conteúdo, nem acabar tendo uma visão estreita – deixando de lado uma perspectiva mais ampla (SHAPIRO; MARKOFF In: ROBERTS, 1997, p. 17-20). Bardin (1977, p. 34) explica esta questão de outra forma, bem didática, sublinhando que a análise de conteúdo “não se limita ao conteúdo”, apesar de “tomar em consideração o continente”, de que ela pode tanto ser uma análise “dos significados” como “dos significantes.”

Diefenbach (In: WEST, 2001, p. 11-12) aponta alguns cuidados para a realização da análise de conteúdo. Um deles é relativo ao uso de dados incompletos ou imprecisos. No caso de a Internet ser a fonte, a preocupação é ainda maior, pois, muitas vezes, pode haver erro na disponibilização (textos cortados, erros de programação e digitação) e diferenças na versão impressa. Outro foco de atenção, ainda no que se refere à Internet, é a enorme quantidade de dados e à entrada de “lixo” no sistema de análise — entra lixo, sai lixo. Como se pode capturar uma quantidade gigantesca de informações, é preciso ter cuidado para não usar dados inválidos e não misturar propostas diferentes. O autor cita o exemplo da palavra depressão: que pode ter um significado econômico, de um lado, geográfico, de outro, e ainda psicológico/médico. Cada um deles tem de ser separado. Além disso, o pesquisador segue regras previamente estipuladas em todo o processo. Conforme Bardin (1977, p. 36), elas devem ser homogêneas (não misturar o que não se mistura, não juntar “alhos com bugalhos”), exaustivas (esgotar o potencial, a totalidade do texto), exclusivas (cada elemento do texto tem apenas uma classificação), objetivas (mesmo usando codificadores diferentes, o resultado final é semelhante) e pertinentes (adequadas/adaptadas ao objetivo e conteúdo escolhido).