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A FORÇA VINCULATIVA POSITIVA E NEGATIVA DA COISA

4. A COISA JULGADA FORMADA NO PROCESSO CIVIL

4.4 A FORÇA VINCULATIVA POSITIVA E NEGATIVA DA COISA

Ao tornar o conteúdo do comando da sentença imutável, a coisa julgada traz consigo uma força vinculativa511 perante os juízes, sendo que a forma como ela se expressa é questão que ainda não se encontra resolvida pela doutrina.

Para uns, tal força vinculativa seria negativa, na medida em que impede a repropositura da demanda entre as partes.512 Por outro lado, seria positiva no sentido de que a coisa julgada vincularia os juízes a emitir novo pronunciamento de conteúdo igual ao anterior que transitou em julgado.513

Já outros entendem que a coisa julgada exerce uma força vinculativa positiva, no sentido de obrigar qualquer juiz a seguir o decisum sobre o qual já recai a coisa julgada, quando estiver julgando outro processo entre as partes, de cujo resultado dependa logicamente a solução dada naquela decisão.514 Por outro lado, a força vinculativa da coisa julgada seria negativa no sentido de proibir qualquer órgão jurisdicional de tornar a apreciar o mérito do objeto processual sobre o qual já recai a

511Preferiu-se utilizar aqui a expressão “força vinculativa da coisa julgada” por uma questão de melhor

sonoridade e por ela enfatizar mais o caráter vinculativo que a coisa julgada traz para os juízes. Porém, registra-se que outras expressões são também utilizados pela doutrina no mesmo sentido, como, por exemplo, “função da coisa julgada” (MONTEIRO, 1936, p. 736; CHIOVENDA, 1965, p. 915- 915) e “efeitos da coisa julgada” (SILVA, 1998, p. 500; MARINONI; ARENHART, 2008, p. 649).

512KELLER apud LIEBMAN, 2006, p. 53; MONTEIRO, 1936, p. 746; THEODORO JÚNIOR, 2007, p.

600. Para mais referências, cf. MOREIRA, 1967, p. 71-72. Cumpre registrar, entretanto, que é criticável tal posição, já que esta força vinculativa negativa não se referiria ao juiz, mas às partes, além do que a coisa julgada não impede a repropositura da demanda, mas sim que o juiz julgue novamente a demanda.

513KELLER apud LIEBMAN, 2006, p. 53-54; Para mais referências, cf. MOREIRA, 1965, p. 71. 514Cf. TALAMINI, 2006, p. 130. No mesmo sentido, cf. CHIOVENDA, 2002, p. 462; CHIOVENDA,

1965, p. 914-915; SILVA, 1998, p. 501; MARINONI; ARENHART, 2008, p. 649. Em sentido diverso, Cintra (In 2003, p. 306) sustenta que a função positiva da coisa julgada é a de estabelecer a regra de conduta para as partes, o que pode ser criticado pelo fato de que a regra de conduta para as partes é estabelecida pela sentença e não pela coisa julgada, que apenas torna tal regra imutável para o juízo. Já Monteiro (In 1936, p. 736) entende que esta função positiva é a de afirmar irrefratavelmente a verdade, devendo todos a terem como tal, ideia que não tem como se sustentar diante da superação da teoria da coisa julgada como ficção de verdade pela teoria da coisa julgada como imutabilidade do conteúdo do comando da sentença, pelas razões já demonstradas anteriormente. Por sua vez, Theodoro Júnior (In 2007, p. 600) afirma que a função positiva da coisa julgada impõe à autoridade judiciária acatar a decisão tornada imutável e impõe às partes obediência ao julgado como norma indiscutível de disciplina da relação entre elas. Quanto à primeira imposição, nada tem a se criticar, posto que ela corresponde mesmo à ideia defendida neste trabalho. Porém, quanto à existência da imposição às partes de obediência ao julgado como norma indiscutível, a possibilidade sustentada anteriormente das partes regularem a relação de forma diversa, mesmo após a formação da coisa julgada, no caso de normas dispositivas, faz com que esta imposição não seja necessária.

coisa julgada515, motivo pelo qual o impedimento é não só de proferir uma decisão contrária à precedente, mas simplesmente de proferir uma nova decisão.516

Dessa forma, o vínculo seria positivo quando a questão já decidida reaparecesse como prejudicial e seria negativo quando tal questão ressurgisse como principal de um processo.

Liebman, influenciado por regra do direito positivo italiano que permitia a utilização de recurso extraordinário (revogação ou recurso de cassação, conforme o caso) para a proteção da coisa julgada somente quando a sentença fosse contrária à outra precedente passada em julgado, entendia que não era aplicada, ao menos na Itália, a ideia de que a coisa julgada teria função negativa nestes últimos moldes.517

Para ele, o vínculo da coisa julgada seria sim negativo, mas no sentido de que impediria todo juízo diferente que contradiga ou contraste os efeitos produzidos pela precedente sentença.518

No Brasil, entretanto, a tese que prevaleceu é a de ver a função negativa da coisa julgada não como apresentado por Liebman, mas sim naquele sentido de que os juízes estão impedidos não só de julgar a lide de forma contrária ao anteriormente decidido, mas também de julgar a lide da mesma forma como já decidido.519

É o que se costuma chamar de ne bis in idem520, sendo que o próprio direito positivo pátrio trata a questão assim, ao impedir a decisão das questões já decididas,

515Cf. TALAMINI, 2006, p. 130.

516Cf. CHIOVENDA, 2002, p. 462; CHIOVENDA, 1965, p. 914-915; SILVA, 1998, p. 500. Para mais

referências, cf. MOREIRA, 1965, p. 71-72.

517LIEBMAN, 2006, p. 54. 518Ibid., p. 54-55.

519Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Notas ao §3º. In: LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade

da Sentença e outros Escritos sobre a Coisa Julgada. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo

Aires. Tradução dos textos posteriores à edição de 1945 de Ada Pellegrini Grinover. Atualizadora Ada Pellegrini Grinover. 4. ed. com notas relativas ao direito brasileiro vigente de Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Forense, 2006, p. 66.

relativas à mesma lide, pelo juiz, conforme prevê o caput do artigo 471, do CPC.521- 522

Um argumento que poderia ser levantado pelos defensores da força vinculativa positiva da coisa julgada para os juízes, no sentido formulado por Liebman, é o de que faltaria interesse na desconstituição de sentença que tenha decidido a lide novamente, mas da mesma forma que a havia decidido uma sentença precedente transitada em julgado.

Mas José Carlos Barbosa Moreira afastou tal argumento afirmando que, apesar de num primeiro momento não parecer ter o vencedor tal interesse, já que a nova decisão também lhe é favorável, e nem o vencido, já que a rescisão da sentença não impede a subsistência da primeira, que também lhe foi contrária, fato é que eventuais juros de mora, que passariam a ser fluentes em datas diversas, em cada caso, ou mesmo as custas processuais, que podem não ser as mesmas nos dois feitos, demonstram que o interesse pode sim existir.523

Destarte, quando o artigo 798, I, b, do CPC/39524, fala da ofensa da coisa julgada como uma das hipóteses para se interpor ação rescisória, ele está se referindo tanto quando a sentença posterior julga de forma diversa, como quando julga de forma igual ao decidido na sentença anteriormente transitada em julgado.525

Entretanto, o argumento decisivo apresentado por Moreira526 que faz ruir qualquer tentativa de ver na coisa julgada uma função positiva nos moldes apresentados por Liebman é o de que seria um contrassenso admitir que o segundo juiz possa reexaminar a questão, mas, forçosamente, tenha que chegar à mesma conclusão igual à que teve o primeiro juiz, não havendo, portanto, utilidade nesta hipotética autorização para investigar.

521“Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei”.

522GRINOVER, 2006, p. 66. No mesmo sentido, mas quanto ao Código de Processual Civil de 1939,

onde tal ilação decorria do artigo 289, caput, cf. MOREIRA, 1965, p. 74.

523MOREIRA, 1965, p. 73.

524O dispositivo correspondente no atual CPC é o artigo 485, IV, in verbis: “Art. 485. A sentença de

mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] IV - ofender a coisa julgada”.

525MOREIRA, 1965, p. 73-74. 526In 1965, p. 72.

Dessa forma, as ideias da força vinculativa positiva da coisa julgada ou negativa nos moldes de Liebman, no sentido de vincular o juiz a decidir da mesma forma como foi decidido na sentença anterior que transitou em julgado, são insubsistentes, posto que o que a força vinculativa da coisa julgada faz perante o juiz, quando se trata de questão já decidida que reaparece como principal novamente em outro processo, não é apenas impedi-lo de rejulgar a matéria em sentido diverso, mas sim de impedi- lo de rejulgar.

Porém, quando se tratar de questão já decidida que reaparece como prejudicial, aí sim a coisa julgada exerceria uma força vinculativa no sentido positivo, mas não no sentido de impedir o juiz de apenas rejulgar a matéria em sentido diverso e sim somente no sentido de obrigar o juiz a aceitar o decidido naquele julgado como premissa da sua decisão.