• Nenhum resultado encontrado

As supostas exceções à tese da coisa julgada limitada ao dispositivo da

4. A COISA JULGADA FORMADA NO PROCESSO CIVIL

4.5 OS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

4.5.1 As supostas exceções à tese da coisa julgada limitada ao dispositivo da

Foi visto que a coisa julgada se limita ao dispositivo da sentença. Entretanto, e se a lei previsse expressamente que os motivos da sentença poderiam adquirir coisa julgada? Isto significaria, então, que a tese de Savigny sairia vencedora? Aproveitando a indagação, a vitória de uma ou outra corrente dependerá do que a lei prever como parte da sentença que pode adquirir coisa julgada?

Acredita-se que tais respostas podem ser encontradas com base nos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover. Em debate a respeito dos efeitos da condenação penal na esfera cível, referida jurista defendeu, diversamente a Liebman, que quando a lei prevê que a condenação penal torna certa a obrigação ao direito do ofendido a uma reparação cível pelo dano sofrido, isto não significa que houve uma extensão da coisa julgada às questões de fato, mas apenas de uma ampliação legal do objeto do processo.566

Dessa forma, o juiz não se limitaria a aplicar a sanção penal, ou a condenar com base no dano indivisivelmente considerado, mas também condena, implicitamente, à reparação à vítima.567

Coaduna-se aqui com o pensamento de Grinover, razão pela qual, independentemente do que a lei dispõe, não se considera correto defender que os motivos da sentença possam adquirir coisa julgada.

Isto porque, como demonstrado anteriormente, a limitação da coisa julgada ao dispositivo decorre da própria conceituação do instituto e de seus fundamentos. O que a coisa julgada destina a tornar imutável é a resposta normativa dada pela

566GRINOVER, 2006, p. 13; GRINOVER, Notas à “A eficácia da sentença penal no processo civil”. In

LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença e outros Escritos sobre a Coisa

Julgada. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Tradução dos textos posteriores à edição de

1945 de Ada Pellegrini Grinover. Atualizadora Ada Pellegrini Grinover. 4. ed. com notas relativas ao direito brasileiro vigente de Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Forense, 2006, p. 267. No mesmo sentido, cf. KLIPPEL, 2008, p. 36. Liebman (In 2006, p. 252 et seq.), ao contrário, entendia que tal situação se consistiria em verdadeira atribuição da autoridade da coisa julgada aos motivos da sentença, razão pela qual considerava inadmissíveis previsões deste tipo na lei, já que vão de encontro a toda a teoria sobre a coisa julgada.

sentença à lide, motivo pelo qual o que importará é esta regulação e não os motivos dela.

Em situações como o caso da sentença penal condenatória tratada por Grinover568, portanto, o que a lei faz é tornar também principal uma questão que seria apenas prejudicial caso não existisse tal previsão legal ou, o que é o mesmo, ampliar a lide.569

Pode-se argumentar que tal situação feriria a liberdade das partes em demandar570 e a inércia da jurisdição, já que criaria uma espécie de pedido independentemente do requerimento da parte. Sem dúvida que este seria um bom argumento, mas somente seria correto se a lei fizesse com que a questão prejudicial transformada por ela em principal, independentemente do requerimento da parte, também fosse apta a adquirir a coisa julgada quando fosse julgada improcedente.

Nesta situação sim poderia se cogitar em violação à liberdade das partes e à inércia da jurisdição. Entretanto, o que costuma ocorrer é que a lei somente prevê que a questão adquira a coisa julgada quando a demanda for julgada procedente, motivo pelo qual não haveria prejuízo ao requerente.

Certo é que este tipo de situação criada pela lei ao transformar em principal questão prejudicial, sem o requerimento da parte, é de se lamentar, pois acaba utilizando a coisa julgada para evitar uma contradição lógica, mas não a prática, que é a razão pela qual o instituto da coisa julgada foi pensado.571

A utilização de um instituto para fim diverso do que ele foi criado acaba trazendo alguns embaraços, como o fato de, para não haver violação à liberdade das partes e

568Outras situações em que a lei cria essa espécie de pedido implícito obrigatório que mereceram por

Grinover (In 2006, p. 13) a mesma resposta dada à questão da sentença penal são os casos da ação de alimentos, que o parágrafo único do artigo 4º, da Lei n. 883/49, introduzido pela Lei 6.515/77, faz recobrir pela coisa julgada a relação de filiação, dispensando a ação de investigação de paternidade, se concedida a prestação alimentícia, e a da ação em defesa de direitos ou interesses difusos e coletivos que, quando procedente, beneficia pretensões reparatórias individuais, sem necessidade de processo de conhecimento, conforme prevê o artigo 103, §3º, do CDC.

569Perceba que outra conseqüência que se pode extrair de um dispositivo legal nestes moldes é a de

criar uma legitimação extraordinária para formular o pedido implícito nos casos, como ocorre na maioria das ações penais, em que, por expressa previsão legal, quem tem legitimidade para impetrar é o Ministério Público e não a vítima.

570Sobre o princípio da liberdade das partes, cf. DINAMARCO, 2004a, p. 225 et seq.

571Moreira (In 1967, p. 91-92), entretanto, parece ver com bons olhos a utilização da coisa julgada

também como forma de se evitar julgamentos contraditórios do ponto de vista lógico, caso o interesse público assim o exija.

à inércia da jurisdição, ser necessário criar uma espécie de coisa julgada segundo o resultado da demanda, o que se pode até alegar como violador do princípio da isonomia.

De qualquer forma, porém, o que ocorre não é a mudança dos limites objetivos da coisa julgada para alcançar também os motivos da sentença, mas sim a ampliação legal do objeto da demanda, ou seja, dos pedidos, razão pela qual a coisa julgada continua se limitando à resposta normativa dada pela sentença à lide e não aos seus motivos.