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Costuma-se dizer que a supremacia da Constituição é conseqüência da sua rigidez, ou seja, somente onde exista ou uma impossibilidade de alteração das normas constitucionais ou um processo de alteração mais dificultoso dessas normas com

relação às demais normas do sistema é que se poderia falar em supremacia da Constituição.297

Entretanto, não é a dificuldade de reforma que torna a Constituição suprema, mas a sua supremacia que aconselha a dificuldade de reforma, como mecanismo para garanti-la.298

É que a rigidez é um importante instrumento para se garantir a estabilidade e a conservação da Constituição contra alterações aniquiladores do seu núcleo essencial.299 Assim, a rigidez deve ser vista como uma garantia da Constituição300, mas não como algo que lhe dá o caráter de suprema.

Na verdade, ao que parece, o erro da teoria que coloca a supremacia como conseqüência da rigidez está na utilização equivocada dos termos “supremacia formal” e “supremacia material”.

Isto porque se costuma relacionar a supremacia formal da Constituição com a rigidez e a supremacia material da Constituição com a existência de uma consciência constitucional que leva ao acatamento dela pelos particulares e pelo Poder Público301, motivo pelo qual se afirma que somente as Constituições rígidas podem possuir tanto a supremacia material como a formal, sendo que as flexíveis somente podem possuir aquela.302

Entretanto, essa relação inexiste, posto que a distinção entre supremacia material e formal somente se justifica se for levado em conta a classificação da Constituição não e rígida ou flexível303, mas sim em absoluta (material) ou relativa (formal).304

297Nesse sentido, cf., por vários, SILVA, 2009, p. 45; VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de

constitucionalidade. 3. ed. rev., atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24; FERRARI, 2004,

p. 62.

298Cf. SCHMITT, 1996, p. 43; CANOTILHO, 2003, p. 890.

299Nesse sentido, ver SCHMITT, 1996, p. 41; CANOTILHO, 2003, p. 888-889; BULOS, 2009, p. 54. 300Sobre a existência de um procedimento de reforma da Constituição diverso do procedimento

legislativo ordinário como sendo uma garantia da Constituição, cf. PÉREZ-ROYO, 2003, p. 171 et seq. Cumpre ressaltar, entretanto, que, conforme será melhor explicado à frente, não se concorda com a ligação necessária que tal autor faz entre procedimento de reforma diferenciado e o controle de constitucionalidade.

301Cf. BULOS, 2009, p. 59-60.

302Cf. BULOS, 2009, p. 60; SILVA, 2009, p. 46; BERNARDES, 2004, p. 11-12.

303Conforme lições de Zeno Veloso (In 2003, p. 23-24) Constituição rígida é aquela “[...] que só pode

ser alterada através de um procedimento especial, dificultado e solene, distinto do que é estabelecido para a elaboração das leis ordinárias” e Constituição flexível é “[...] a constituição que pode ser

É que supremacia da Constituição nada tem a ver com procedimento de reforma, mas sim com o fato dela ser a fonte de validade das demais normas, na medida em que ela é formada por normas democraticamente feitas e aceitas (legitimidade processual democrática), informadas pelos pilares do Constitucionalismo e por ser nela onde se estabelece como devem ser criadas as outras normas para estarem de acordo com esses pilares (legitimidade material).

Dessa forma, supremacia formal se refere ao fato de determinada norma ser a fonte de validade das outras normas por simplesmente está inserida em um documento considerado supremo (Constituição formal ou relativa) e supremacia material se refere a essa condição de fonte de validade decorrer do conteúdo das normas constitucionais e não do local onde elas estão previstas (Constituição material ou absoluta).

Assim, frisa-se que supremacia não quer dizer procedimento de reforma diferenciado, sendo prova disso, por exemplo, o fato de que não se considera uma Lei Complementar como suprema em relação a uma Lei Ordinária, apesar do quorum qualificado para aprovação e, consequentemente, para reforma daquela.305 A conseqüência imediata que se pode extrair de tal raciocínio é que a rigidez não é um requisito essencial para a existência do controle de constitucionalidade.306 Na verdade, o controle de constitucionalidade é mais um mecanismo, além da rigidez, para se defender a primazia jurídica da Constituição307, motivo pelo qual ele procura garantir a supremacia da Constituição e não a sua rigidez.

reformada a qualquer momento, pelo mesmo processo legislativo para a elaboração das leis ordinárias”.

304Segundo Schmitt (In 1996, p. 37-38), enquanto que o conceito absoluto de Constituição analisa a

questão sob o aspecto material, seu conteúdo, para o conceito relativo o que importa é o formal, suas características externas e acessórias, tanto podendo ser um procedimento de reforma diferenciado, quanto o fato de ser escrita.

305Cf., por todos, BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 632154 AgR. Relatora: Ministra Ellen

Gracie. Segunda Turma. Brasília, 01 dez. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 30.03.2010; BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 709691 AgR, Relator: Ministro Eros Grau. Segunda Turma. Brasília, 28 abr. 2010. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 30.03.2010.

306Nesse sentido, ver BULOS, 2009, p. 111; CANOTILHO, 2003, p. 890-891. Em sentido contrário,

entendendo que a rigidez é requisito indispensável para a existência do controle de constitucionalidade, ver FERRARI, 2004, p. 76; MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1003; PÉREZ-ROYO, 2003, p. 155.

Nesse sentido, não se concebe qualquer óbice para que exista controle de constitucionalidade em países que possuam uma Constituição flexível, apesar de se reconhecer que tal controle ocorreria não de forma tão ampla quanto nas Constituições rígidas.308

Destarte, seria perfeitamente possível mesmo em um sistema de Constituição flexível o controle da constitucionalidade, por exemplo, de uma lei ordinária que foi aprovada sem o quorum mínimo previsto por uma norma constitucional.

E não há que se falar que em tal situação se deve utilizar o critério da lex posterior derogat priori para resolver esse conflito e se entender pela existência de uma revogação implícita da norma constitucional pela lei ordinária, posto que essa máxima romana somente se aplica quando as normas em conflito forem de igual hierarquia, o que não é o caso, já que a norma constitucional é que dá validade às demais normas, seja pela sua posição em um documento escrito aceito como supremo, seja pelo conteúdo nela previsto e considerado de caráter fundamental. Nesse diapasão, apesar de se reconhecer que o controle de constitucionalidade tem a sua potencialidade como defesa da Constituição elevada em um sistema em que a Lei Suprema é rígida e prevista em um único documento formal, não se pode concluir com isso que ele seja uma exclusividade de tal modelo de sistema.

Dessa forma, a necessidade de um mecanismo para repelir do sistema jurídico uma norma que esteja em contradição com a Constituição decorre da própria lógica do sistema jurídico e dessa posição da Constituição como ponto de partida, como norma suprema do mesmo.309

Assim é que o controle de constitucionalidade310, entendido como “[...] o conjunto de mecanismos dispostos para garantir a supremacia constitucional por meio da identificação e eventual reparação de condutas incompatíveis a determinadas

308Nesse sentido, ver CANOTILHO, 2003, 890-891.

309PÉREZ-ROYO, 2003, p. 156. Também nesse sentido, notadamente no que tange ao controle de

constitucionalidade advir da necessidade de se dar garantia à supremacia da Constituição, ver MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 1006; BULOS, 2009, p. 110-111.

310Vale lembrar que foi Alexandre Hamilton, através no artigo n. 78 do “Federalista”, quem trouxe pela

primeira vez de modo expresso e justificado a ligação necessária entre Constituição e controle de constitucionalidade.

normas constitucionais”311, tem como pressuposto para sua existência apenas a ideia da supremacia da Constituição.

3.4 A DUPLA PRETENSÃO DE CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO