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A DUPLA PRETENSÃO DE CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO EXERCIDA

Em clássica discussão travada com Eugenio Bulygin312, Robert Alexy defende que existe uma relação necessária entre Direito e Moral pelo fato do primeiro possuir como elemento necessário uma pretensão de correção, que é uma pretensão de justiça, o que, portanto, vincula o Direito com a Moral.313

Dessa forma, tanto as normas jurídicas, incluindo as decisões judiciais isoladas, como também os sistemas jurídicos como um todo, formulam necessariamente uma pretensão de correção.314 Isto significa que nos processos de criação e aplicação do Direito os participantes têm necessariamente uma pretensão de correção, que seria, basicamente, uma pretensão de correção moral.315

311BERNARDES, 2004, p. 20. Cumpre registrar a observação feita por CANOTILHO (In 2003, p. 892)

no sentido de que o caráter de norma jurídica direta e imediatamente vinculativa atribuída à Constituição e a necessidade de considerar a garantia e segurança imediata da lei fundamental como uma das tarefas centrais do Estado colocam o problema do controle da conformidade dos atos do poder público com a Constituição como uma das questões chaves da moderna ciência constitucional.

312A discussão se desenvolveu, basicamente, sobre se a relação entre Direito e Moral é contingente

ou conceitual, quer dizer, necessária e, principalmente, se o argumento da pretensão de correção apresentado por Alexy é capaz de justificar que a relação entre Direito e Moral é conceitual. Bulygin defende tanto que a relação é contingente, quanto que o argumento da pretensão não prova nada a favor de uma suposta relação conceitual, o que discorda Alexy. Tal discussão, na íntegra, pode ser encontrada em ALEXY, Robert; BULYGIN, Eugenio. La pretensión de corrección del derecho. La polémica Alexy/Bulygin sobre la relación entre derecho y moral. Série de Teoria Jurídica y filosofia del derecho, n. 18. Tradução e Introdução de Paula Gaido. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2001.

313A tese da pretensão de correção como elemento necessário do Direito e como argumento a favor

da relação conceitual entre Direito e Moral foi desenvolvida por Robert Alexy na obra “Der Begriff und Geltung des Rechts”, de 1992. Tal obra foi traduzida para o espanhol, que foi a versão pesquisada neste trabalho. Assim, acerca do desenvolvimento inicial desta tese da pretensão de correção como elemento necessário do Direito, cf. ALEXY, Robert. El Concepto y Validez del Derecho. Tradução de Jorge M. Sena. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 41-44.

314Cf. ALEXY, 2004, p. 41 et seq; ALEXY, Robert. La crítica de Bulygin al argumento de la corrección.

In: ALEXY, BULYGIN, 2001, p. 54.

315ALEXY, Robert. La crítica de Bulygin al argumento de la corrección. In: ALEXY, BULYGIN, 2001, p.

Assim, quando se promulga uma norma jurídica se está prescrevendo algo que supõe uma crença na sua correção, ou seja, o ato de prescrever traz a intenção de mudar um estado de coisas de conformidade com algo que se pretende ser correto.316

Sem qualquer intenção de se aprofundar nesse embate desenvolvido entre Alexy e Bulygin, mesmo porque isto fugiria ao enfoque central deste trabalho, o que se pretende neste momento é apenas pegar emprestados o termo e a noção central de pretensão de correção apresentada por Alexy para adaptá-la ao tema do controle de constitucionalidade e, por fim, demonstrar que este último exerce uma dupla pretensão de correção do sistema jurídico.

Isto porque, conforme visto anteriormente, a consolidação do Constitucionalismo como paradigma político e normativo e, consequentemente, como “regra de reconhecimento” do sistema jurídico, elevou a Constituição à posição de elemento normativo central do Estado Constitucional.

Dessa forma, é na Constituição onde são encontradas as normas independentes do sistema jurídico e, portanto, ela é ponto de referência obrigatório para a análise da pertença ou não das outras normas ao sistema.

Entretanto, a prática já demonstrou que é utópico pensar que todas as autoridades que criam as normas o fazem obedecendo integralmente as normas constitucionais. Ou seja, os chamados “Mundos Jurídicos Ótimos”317 não existem.

Apesar disso, o Constitucionalismo e a visão da Constituição como elemento normativo central do Estado Constitucional forçam à tentativa de reparar essas falhas que fazem com que o “Mundo Jurídico Real”318 seja deficiente em comparação com o “Mundo Jurídico Ótimo”.

316Cf. ALEXY, Robert. Sobre la tesis de una conexión necesaria entre derecho y moral: la crítica de

Bulygin. In: ALEXY, BULYGIN, 2001, p. 99. No mesmo sentido, cf. GAIDO, Paula. Introducción. In: ALEXY, BULYGIN, 2001, p. 22.

317Esta expressão foi extraída de Moreso (In 1997, p. 88 et seq) e significa aquele plano ideal em que

todas as autoridades que criam normas o fazem em virtude de uma norma prévia que as autorize, ou seja, obedecem integralmente o critério da legalidade, havendo coincidência entre normas existentes e normas válidas.

318Expressão criada com base em Moreso (In 1997, p. 88 et seq) e significa aquele plano real em que

O que garante que tal tentativa seja operacionalizada é justamente o controle de constitucionalidade, com o seu intento de converter um mundo jurídico não ótimo em um mundo jurídico ótimo.319

Dessa forma, ao trazer a intenção de mudar um estado de coisas para torná-las em conformidade com algo que se entende correto, ou seja, com a Constituição, o controle de constitucionalidade exerce uma pretensão de correção do sistema jurídico existente sob a égide constitucional.

Por outro lado, é através do controle de constitucionalidade que também se pode defender e justificar a adequação de determinada norma objeto de controle com a Constituição e, portanto, com o paradigma do Constitucionalismo.

E, como afirmado por Alexy320, formular uma pretensão de correção de um ato significa não só afirmar que este ato é correto, mas também garantir que ele pode ser justificado e esperar que todos os destinatários da pretensão o aceitem, motivo pelo qual se tem que o controle de constitucionalidade é uma forma de se exercer a pretensão de correção da própria norma positivada, na medida em que permite a justificação da sua consonância com a Constituição e, portanto, a sua correção. Dessa forma, por tanto permitir a adequação do mundo jurídico não ótimo em um mundo jurídico ótimo, ao viabilizar a retirada de pertença de norma inconstitucional do sistema, como também por permitir que determinada norma objeto controle de constitucionalidade possa ter a sua correção justificada perante o sistema, tem-se que o controle de constitucionalidade possui uma dupla pretensão de correção do sistema jurídico.

autorize, ou seja, existem casos em que elas desobedecem o critério da legalidade, não havendo, necessariamente, coincidência entre normas existentes e normas válidas.

319Cf. MORESO, 1997, p. 89 et seq.

320Cf. ALEXY, Robert. Sobre la tesis de una conexión necesaria entre derecho y moral: la crítica de