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A Fordlândia: um exemplo de fracasso de um grande projeto agroindustrial de produção

3.1 Origem e dinâmica da expansão da produção de borracha natural em escala mundial

3.1.1 A Fordlândia: um exemplo de fracasso de um grande projeto agroindustrial de produção

Henry Ford, que em 1913 introduzira a linha de montagem industrial em esteiras rolantes, tornando o fordismo o conceito empresarial mais imitado do mundo, em 1928, aos 63 anos de idade, decidira investir na Amazônia brasileira por entender que sendo essa região a fonte original da borracha natural seria estratégico desenvolver um grande projeto de plantação de seringueira para produzir a borracha que demandava para fabricar os pneus necessários para suprir sua indústria automobilística.

O consumo de Detroit da borracha conhecida como Pará fine (borracha pura do Pará) era a razão do crescimento dos Estados Malaios Federados, capital da indústria de seringais britânica e centro de seu monopólio mundial. Somente em 1914, Detroit consumiu 1,8 milhões de pneus, e deste total, Ford usou 1,25 milhão (JACKSON, 2011, p.15).

Para Ford, a construção de uma extensão de sua montadora, na selva da América do Sul, “era uma oportunidade de criar um mundo no qual os trabalhadores tivessem ‘um pé na indústria e outro na terra’” (JACKSON, 2011, p.15). Para tanto, comprou 600 mil hectares da floresta tropical ao longo do Tapajós (Pará), uma área equivalente a 82% do tamanho do estado do Connecticut, nos EUA. O plano era construir uma cidade americana inteira no meio da selva,

batizada com seu nome, Fordlândia (Figura 13), para inaugurar uma nova Era: a Era da Borracha, conceito utilizado pelos corretores dos mercados de commodities de Londres e de Nova York.

Figura 12 – Fordlândia: a cidade construída por Ford na selva amazônica na década de 1920

Fonte: Modificado de Anip (2013).

Nota: A fordlândia foi um projeto frustrado devido ao ataque do fungo Microcyclus ulei.

Ressalta-se que, cerca de seis anos antes da Ford, umas poucas expedições americanas, consideradas secretas, sob o pretexto de impor certo controle ao preço da borracha praticado pelos britânicos, haviam explorado a bacia amazônica na intenção de estabelecer vastas plantações de seringueira. Em função disso, surgiram os especuladores de terras que, sabendo das pretenções de Ford na região, passaram a plantar secretamente a seringueira em área de floresta ao longo da margem leste do rio Tapajós, para depois vender para Ford. Porém, após comprar alguns empreendimentos, o Estado do Pará propôs doar as terras para Ford e anistiar os impostos do empreendimento por cinquenta anos, desde que a empresa Ford se comprometesse em ressarcir ao governo 7% de todos os seus lucros após 12 anos desse acordo. O que não se concretizou.

De acordo com jackson (2011), para Ford, assim como para a opinião geral dos norte- americanos, poderia haver dúvidas sobre a viabilidade do cultivo da seringueira nas Filipinas e na África, mas jamais na Amazônia, por ser a região de origem da borracha. Porém, desde o início, o empreendimento se mostrou problemático. As pessoas de Santarém, que conheciam Boa Vista (que seria substituída pela Fordlândia), sabiam que naquela área a topografia era desfavorável e a selva era uma das mais inóspitas do Pará. Era uma paisagem de ravinas profundas, solo arenoso e encostas íngremes e rochosas. Mas, essa geografia, imprópria ao

plantio da seringueira, não foi observada pelos agrônomos da Ford. Mesmo porque, a supervisão do plantio ficou a cargo não de um agrônomo, mas de um funcionário da linha de montagem da fábrica da Ford. A ordem era desmatar toda a floresta, queimar a vegetação baixa, aplanar a terra e plantar as seringueiras. O que viria a implicar no esgotamento da fina camada de solo e nutrientes da floresta tropical, “todo habitante da Amazônia sabia por meio da experiência de gerações que a floresta era o motor do clima que criava a chuva. Ao cortar as árvores com a ideia de introduzir uma previsibilidade mecânica, Ford podia muito bem, ao contrário do que previa, criar um deserto” (JACKSON, 2011, p.18). Por falta de técnica adequada, a seringueira não sobreviveria em área aberta e exposta a períodos longos de secas e chuvas torrenciais e às pragas de ferrugem que atingia as árvores jovens quando os galhos cresciam e se uniam formando um dossel fechado. Tudo isso fora alertado aos gerentes da Ford pelos habitantes da região, para os quais, o correto era preservar a floresta primária ao redor de Boa Vista, não remover a fina capa de húmus e fungos que formava a camada superficial do solo e plantar as árvores jovens longe umas das outras. Mas, para os funcionários da empresa, as condições do local “eram tão benéficas que podiam até mesmo fincar galhos de hevea no chão e praticamente todos criariam raízes” (JACKSON, 2011, p.19). Seus gerentes, que nada entendiam de plantas tropicais e da floresta tropical, não atentavam e nem aceitavam o conhecimento local. Os brasileiros se calaram. Na realidade, Ford, fixado em Dearbon, pretendia administrar e controlar à distância todo o empreendimento. Mas, não funcionou e a Fordlândia, que seria a cidade marco da Era da borracha, virou uma cidade fantasma (Figura 14).

Figura 13 – Fordlândia (já desativada) em 2005

Em 2005, Jakson (2011) visitou a Fordlândia e fez o seguinte relato:

Visitei a Amazônia em outubro de 2005. [...] Fordlândia ainda existe ao longo do rio, uma cidade fantasma de poucos habitantes. [...]. As ruas empoeradas são desertas [...]. A torre de água se eleva acima do rio, mas o logotipo da Ford Inc. foi apagado há muito tempo. Para muitos, estas ruínas eram incompreensíveis, pois o mito de Ford – o homem que nunca falhou – era muito difundido. [...]. A metrópole de Ford na selva nunca se concretizou da maneira que ele tinha em mente. As fileiras de hévea havia muito apodreceram e deram lugar à floresta secundária. [...] Ford sonhara com 10 mil moradores. Hoje há no máximo 150 (JACKSON, 2011, p. 20).

Para Pinheiro (2010, p. 11), a Fordlândia era um complexo agroindustrial de grande porte, no qual Henry Ford investiu 10,5 milhões de dólares na plantação de 3,65 milhões de árvores e na criação de uma cidade. Depois investiu em outra grande plantação em Belterra, próxima a Santarém, também no Pará. Não tardou e o Microcyclus ulei – fungo causador do mal das folhas, principal doença da seringueira – atacou e inviabilizou todo o empreendimento. A inviabilidade da fordlândia, no entendimento de Furtado (2010, p. 1), se deveu ao fato posteriormente comprovado de que por ser originariamente uma planta amazônica, com todas as peculiaridades edafoclimáticas dessa região, a seringueira, ao ser introduzida na Mata Atlântica e no Cerrado brasileiros, nas Florestas Tropicais Úmidas da África, Malásia e China e na Floresta de Monção da Índia, tornou-se uma espécie vulnerável a diferentes microorganismos maléficos, tais como os fungos: a) Microcyclus ulei;b) Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum;c) Oidium hevea; e d) Tanatephorus cucumeris. Além da alga Stramenopila Phytophthora. De forma que nas próprias áreas tradicionais de cultivo pode haver grandes problemas para as modernas plantações comerciais de seringueira, como o ocorrido com as plantações da Fordlândia e Belterra, no Pará. A explicação para esse fato é que nas regiões quentes e úmidas, onde o fungo se prolifera, as plantas nativas são resistentes, porém são de baixa produtividade.

Nas plantações da Fordlâdia, segundo Gouvêa (2009, p. 13), Henry Ford introduziu variedades de alta produtividade, originárias das regiões de Boim, nas proximidades de Santarém, no Pará, sem levar em consideração a vulnerabilidade dessas variedades ao fungo; “[...] após os surtos de M. ulei, a Ford selecionou árvores resistentes no Baixo Amazonas, porém a maioria das seleções era de baixa produção” (GOUVÊA, 2009, p. 13). A empresa tratou, então, de recombinar esses clones amazônicos resistentes (registrados pela Ford como F, FA e FB) com clones asiáticos de alta produtividade, das séries PB, Tjir e AVROS, dando origem aos clones da série FX. Entretanto, as condições climáticas locais, a severidade da doença e a

precária técnica de melhoramento genético da época levaram as plantações da Fordlândia e de Belterra ao fracasso; diante disso, Henry Ford II, neto do fundador da Fordlândia, abandonou definitivamente, em 1945, o empreendimento feito no Brasil.

Em contraponto ao projeto Fordlândia tem-se as plantações de seringueiras desenvolvidas no Sudeste da Ásia, que também foram implantadas por sementes de seringueiras coletadas em Boim, no Pará, na mesma região do projeto Fordlândia, e que foram um sucesso. Pinheiro (2010), ao comentar o sucesso dessas sementes na Ásia, as quais deram origem aos clones de Wickhan, explica que tal sucesso foi possível em virtude do permanente melhoramento genético da cultura naquela região, de forma que nos cinquenta anos subsequentes os novos seringais já apresentavam resultados muito positivos.

Por receberem aporte tecnológico e não sofrerem ataques do Microcyclus ulei esses seringais se expandiram no Sudeste da Ásia e hoje são as maiores e mais modernas plantações de seringueira do Planeta, enquanto, segundo Bernardes (1998), ainda no ínício do século XX, o Brasil, por não ter tido avanço tecnológico no plantio da seringueira, perdia o monopólio mundial da produção de borracha natural para os europeus que plantaram em suas colônias no Sudeste Asiático as sementes de seringueiras transplantadas da própria Amazônia brasileira. O Gráfico 1 demonstra o avanço e o declínio das exportações de borracha natural feitas pelo Brasil entre 1827 e 1987.

Gráfico 1 – Brasil: exportações de borracha natural de 1827 a 1987 em (t)

O gráfico demonstra a evolução e queda na exportação brasileira de borracha natural, iniciada em 1827 e atingindo seu maior volume em 1912. A partir desse ano essas exportações começaram a cair bruscamente até 1937, quando teve uma recuperação que durou até 1947. A partir desse ano foi decrescendo até ser zerada em 1987.

Na seção seguinte serão abordados os avanços na transformação do látex produzido pela seringueira e a respectiva produção dos mais variados objetos fabricados com base na borracha natural ao longo da história.