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As redes e as configurações do território

Considerando-as uma realidade material e um fator social no atual período técnico- científico-informacional, ou era da informação, as redes são toda a infraestrutura que, além de permitir o transporte de bens e seres (matéria, objetos, energia, informação), define os pontos de atração e difusão dos territórios. No período atual, as redes por ultrapassarem os limites dos territórios e das fronteiras, tornando-se globais, são fundamentais para a mobilização de novas forças naturais e de poder, principalmente nos sistemas produtivos, envolvendo setores, cadeias produtivas e empresas locais regionais e globais.

O vocábulo rede, por ser polissêmico, pode apresentar várias definições e conceituações. Para Santos (2004, p. 262), o importante é considerar, com as devidas ressalvas, dois matizes conceituais: um que considera as redes em sua realidade material e o outro que inclui no conceito o fator social. Na definicão formal as redes são toda infraestrutura que permite o transporte de matéria, de energia ou de informação instalada em determinado território, onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação. Na definição social, por natureza geográfica, as redes podem ser interpretadas em, pelo menos,

três sentidos, a) polarização de pontos de atração e difusão, que é o caso das redes urbanas; b) projeção abstrata, que é o caso dos meridianos e paralelos na cartografia do globo; c) projeção concreta de linhas de relações e ligações que é o caso das redes hidrográficas, das redes técnicas territoriais e, também, das redes de telecomunicações hertzianas, apesar da ausência de linhas e com uma estrutura física limitada aos nós (SANTOS, 2004, p. 262).

Como bens e seres e comunicações (informações, mensagens), ao circularem pelas redes, tornam-nas sociais e políticas, físicas e abstratas. Em suas relações com o território as redes se formam a partir de traços técnicos que evoluem ou são substituídos, conforme as

exigências do movimento social e, especialmente, do poder. Santos (2004, p. 263) acrescenta que para uma visão atual das redes é necessário o conhecimento sincronizado da idade mundial dos objetos e das técnicas, e da longevidade local desses objetos, de suas quantidades, distribuição, do uso que lhes é dado, das relações que mantêm com outros, fora da área considerada, das modalidades de controle e regulação do seu funcionamento.

Segundo Santos (2004, p. 264), a vida das redes tem três momentos: 1) um largo período pré-mecânico, no qual, por serem as técnicas limitadas, as redes eram espontâneas e esporádicas, as trocas e as competitividades eram pouco frequentes, servindo apenas a pequenas relações, o tempo era lento e a natureza impunha seu domínio sobre a sociedade humana; 2) um período mecânico intermediário, no qual as técnicas, embora já bem desenvolvidas, tinham utilização limitada, pois, embora o consumo já estivesse ampliado, o comércio era controlado pelo Estado. Ou seja, já havia, de fato, um mercado mundial, embora não homogêneo ou integrado, com as novas formas de energia sendo controladas e utilizadas para dar funcionalidades às redes e incorporá-las aos territórios mundiais, mas apenas de forma física e com funcionamento limitado, impedidas que estavam pelos fatores das fronteiras que se impunham como fator econômico, financeiro, fiscal, diplomático, militar e político; 3) o período atual, período técnico-científico-informacional, no qual a técnica atinge surpreendente evolução e os suportes das redes ultrapassam os limites dos territórios e das fronteiras, tornando-se globais. Neste período atual, com o respectivo domínio de novas forças naturais, como o espectro eletromagnético, e a criação de objetos técnicos similares à inteligência humana, caso do computador e seus derivados, as redes se tornaram absolutas e seus pontos de suporte podem estar em qualquer lugar. Isso porque o conteúdo técnico permite comunicações permanentes, precisas e rápidas entre os principais atores da cena mundial, com “o conjunto de atividades econômicas se dando no mundo inteiro 24 sobre 24 horas, graças à revolução técnica presidida pelas telecomunicações e pelos computadores” (SANTOS, 2004, p. 265). Foi por meio dessas redes contemporâneas que os atores globais criaram o tempo real, suprimiram as fronteiras nacionais, criaram um espaço reticular, por meio do qual preside uma sociabilidade à distância, criaram normas e dão ordens com repercussão instantânea e imperativa sobre os demais lugares. “Graças aos progressos técnicos e às formas atuais de realização da vida econômica, cada vez mais as redes são globais: redes produtivas, de comércio, de transporte, de informação” (SANTOS, 2004, p. 269). De forma que até mesmo os lugares, áreas ou regiões aparentemente marginais estão integrados ao sistema socioeconômico global, a exemplo do

sistema financeiro que, graças à desmaterialização do dinheiro e ao seu uso instantâneo e generalizado, é a forma mais acabada e eficaz de rede global nesse período histórico.

Portanto, não se pode entender as redes com base apenas nas escalas locais ou regionais, embora seja a partir dessas escalas que se tem a dimensão das redes globais. Segundo Santos (2004, p. 270), as redes determinam três tipos ou níveis de solidariedade, cujo reverso são outros tantos níveis de contradições. “Esses níveis são o nível mundial, o nível dos territórios dos Estados e o nível local” (SANTOS, 2004, p. 270). Mas, como as redes tornaram o mundo uma totalidade concreta e empírica ao ultrapassar ou desconsiderar as fronteiras, elas se impuseram sobre a segunda totalidade que são os Estados, para estabelecer nos lugares, de forma concreta, a terceira totalidade.

As redes são um veículo de um movimento dialético que, de uma parte, ao Mundo se opõe o território e o lugar; e, de outra parte, confronta o lugar ao território tomado como um todo. [...] A existência das redes é inseparável da questão do poder (SANTOS, 2004, p. 270).

Por meio do poder articulado pelas redes criam-se novas divisões territoriais do trabalho, atribuindo aos atores hegemônicos o poder de criar novas especializações no trabalho, movimentar com maior intensidade o capital, controlar a circulação de mercadorias, de pessoas e de mensagens, criando assimetrias nas relações e nas respectivas organizações dos espaços. É dessa forma que as redes unificam o espaço das decisões e criam condições para controlar os recursos necessários ao funcionamento das organizações globais. Mas, essa nova divisão do trabalho ocorre de forma escalonarmente hierarquizada e seletiva nos diferentes lugares. “É a sociedade nacional, através dos mecanismos de poder, que distribui, no país, os conteúdos técnicos e funcionais, deixando os lugares envelhecer ou tornando possível sua modernização” (SANTOS, 2004, p. 272). Assim, ao mesmo tempo, o trabalho local é dependente das infraestruturas locais e da divisão do trabalho nacional, de forma que o processo direto da produção, com a respectiva demanda de mão de obra, tempo e capital, se configura no local, enquanto as grandes escolhas produtivas, a repartição subordinada dos recursos, as oportunidades e a normatização interna e externa das relações fica a cargo do trabalho nacional. De forma que o centro de decisão sobre o trabalho local pode se encontrar em qualquer outra parte do planeta.

São as cidades locais que exercem esse comando técnico, ligado ao que, na divisão territorial do trabalho, deve-se à produção propriamente dita. Cidades distantes, colocadas em posições superiores no sistema urbano (sobretudo as

cidades globais), têm o comando político, mediante ordens, disposição de mais-valia, controle do movimento, tudo isso que guia a circulação, a distribuição e regulação. Afirma-se, ainda mais, a dialética do território mediante um controle ‘local’ da parcela ‘técnica’ da produção e um controle remoto da parcela política da produção (SANTOS, 2004, p. 273).

As redes técnicas, oleodutos, gasodutos, canais, aeroportos, portos, edifícios inteligentes, tecnopolos etc., objetos com tempo de uso, velocidades e custos predeterminados, possibilitam a fluidez, causa, condição e resultado da circulação de ideias, mensagens, produtos e dinheiro necessários para a construção em série dos mais diversos objetos, dos menores equipamentos, a exemplo da microeletrônica, aos automóveis e os grandes aviões e das respectivas bases operacionais, ou redes de manutenção e abastecimento desses objetos, como postos de combustíveis, concessionárias de automóveis, oficinas etc. “Uma fluidez que deve estar sempre sendo ultrapassada é responsável por mudanças brutais de valor dos objetos e dos lugares” (SANTOS, 2004, p. 274).

Visto que a capacidade de atrair atividades competitivas depende da constante renovação técnica, a tendência é de rápido envelhecimento dos subespaços incapazes de tal renovação, pois sendo a circulação que condiciona a produção, mais do que produzir é preciso movimentar a produção. “Daí essa vontade em suprimir todo obstáculo à livre circulação das mercadorias, da informação e do dinheiro, a pretexto de garantir a livre-concorrência e assegurar a primazia do mercado, tornado um mercado global” (SANTOS, 2004, p. 275). Mas, para a eficácia da fluidez global é preciso que paralelamente às inovações técnicas existam normas de ação e concomitantemente a desregulamentação dos mercados. Assim, a economia globalizada funciona por meio de normas condicionadas a um sistema de objetos e um sistema de ações.

Na realidade, trata-se de normas constituídas em vários subsistemas interdependentes, cuja eficácia exige uma vigilância contínua, assegurada por uma legislação mundial, tribunais mundiais e uma política mundializada. Ao contrário do imaginário que a acompanha, a desregulação não suprime as normas. Na verdade, desregular significa multiplicar o número de normas. Na fluidez atual destacam-se a articulação conjunta de três possibilidades: 1) formas perfeitas universais; 2) normas universais e, ao mesmo tempo, de uma desregulação universal; e 3) de uma informação universal, que é base, também, de um discurso universal (SANTOS, 2004, p. 275).

As formas, as normas e a informação instantânea, articuladas em conjunto, dão dimensão global às normas, à lei e ao próprio fenômeno da rede. Ressaltando que nem todas as formas de objetos existentes são perfeitas e, quando são, são distribuídas de forma seletiva pelo

planeta; que nem todas as normas são universais, nem seu alcance geográfico é igual; e que a informação circula em diferentes escalas.

Ressalta-se, ainda, que a produção da fluidez é um empreendimento conjunto entre o poder público e o setor privado e que a instalação de macrossistemas técnicos se viabiliza por meio da ação integrada entre Estado e organismos multilaterais ou supranacionais, sendo forte o papel indutor exercido pelo setor privado sobre o poder público. Não raro, nessas redes a circulação é controlada pelas empresas. Além disso, as informações, os dados especializados, e as ordens que estruturam a produção circulam por redes privadas, nos espaços seletivos determinados pelas empresas. A hierarquia da fluidez é forte também entre as próprias empresas.

A fluidez, de fato, é seletiva. Os próprios agentes econômicos não a utilizam igualmente. Na Inglaterra, 60% do tráfego de dados são realizados por conta de 300 empresas e na Noruega apenas 25 firmas são responsáveis pela metade da circulação de dados (SANTOS, 2004, p. 276).

As redes, por preexistirem a toda demanda de comunicação e de circulação, são virtuais; e, por atender a esses comandos, são reais. Ou seja, as redes, além de serem técnicas e sociais, são, ao mesmo tempo, virtuais e reais. O princípio dinâmico do movimento social das redes é determinado pelos fixos e pelos fluxos, que são interconcorrentes e interdependentes. Sendo os fixos a base técnica das redes e os fluxos o elemento de sua animação, o movimento nas redes vai da dinâmica local à dinâmica global, animado pelas grandes organizações. “Ao mesmo tempo globais e locais as redes são unas e múltiplas [...]” (SANTOS, 2004, p. 278).

As redes assim estabelecidas criam forças antagônicas entre as regulações supranacionais e as forças locais subnacionais, criando os regionalismos que, ao negar a homogeneização proposta pela globalização, provocam as crises que desestabilizam o sistema.

Mediante as redes, há uma criação paralela e eficaz da ordem e da desordem no território, já que as redes integram e desintegram, destroem velhos recortes espaciais e criam novos. Quando ele é visto pelo lado exclusivo da produção da ordem, da integração e da constituição de solidariedades espaciais que interessam a certos agentes, esse fenômeno é como um processo de homogeneização. Sua outra face, a heterogeneização, é ocultada. Mas ela é igualmente presente (IBIDEM, p. 279).

As redes sintetizam o poder hierárquico global, cujo ajustamento e controle passam imprescindivelmente pelo poder público e pelo mercado, ambos controlados pelas empresas e organismos supranacionais.

Para Raffestin (1993), as redes existem porque existem no espaço os campos das possibilidades, os lugares onde se constroem tessituras e articulam pontos, formando as redes. “Pode-se decidir ligar certos pontos, assegurando entre eles a continuidade por meio de junções ou, ao contrário, impedir que certos pontos sejam ligados entre si, imaginando um sistema de disjunções” (RAFFESTIN, 1993, p. 148). Como o poder constrói malhas nos territórios para delimitar campos operatórios diversificados, os sistemas de redes, malhas e nós tornam-se múltiplos. Para imprimir suas ações espaciais, os atores, invariavelmente, criam representações, depois repartem a superfície representada, implantam os nós e constroem as redes. “É o que se poderia chamar de ‘essencial visível’ das práticas espaciais, ainda que malhas, nós e redes não sejam sempre diretamente observáveis, pois podem pura e simplesmente estar ligados a decisões” (RAFFESTIN, 1993, p. 150). Por isso, não se pode prescindir desses elementos nas análises territoriais, uma vez que eles intervêm nas estratégias. Além do que, toda prática espacial induzida por ações ou comportamentos implica produção territorial, estando, portanto, entrelaçada por tessituras, nós e redes para organizar o campo operatório das ações espaciais. Os indivíduos ou grupos ocupam pontos variados nesse espaço e se distribuem de forma aleatória, regular ou concentrada, conforme as distâncias e as acessibilidades, resultando na interação entre os locais. Essa interação se dá por meio da política, da economia, da cultura e da própria ação social dos grupos e indivíduos envolvidos no jogo da oferta e da procura permanentes. “Isso conduz a sistemas de malhas, de nós e de redes que se imprimem no espaço e que constituem, de algum modo, o território” (RAFFESTIN, 1993, p. 150). Esse território assim constituído e funcionalmente diferenciado vai ser hierarquizado segundo a importância que indivíduos ou grupos dão às suas diversas ações, assegurando o controle sobre o que pode ser distribuído, alocado e/ou possuído, impondo e mantendo, dessa forma, uma ou várias ordens, ao mesmo tempo em que se realiza a integração e a coesão dos territórios e se cria o invólucro no qual se originam as relações de poder.

Tessituras, nós e redes podem ser muito diferentes de uma sociedade para outra, mas estão sempre presentes. Quer sejam formados a partir do princípio da propriedade privada ou coletiva, nós os encontramos em todas as práticas espaciais (RAFFESTIN, 1993, p. 151).

Nesse contexto, as tessituras, os nós e as redes são invariáveis geográficas, ou seja, são três subconjuntos estruturais que são, na verdade, imagens possíveis de uma mesma estrutura de base e que leva a outras sucessivas estruturas que sustentam a prática espacial. Como essas estruturas levam sempre a outras estruturas, nunca se chega a uma estrutura verdadeira e

definitiva. Por isso, ao mesmo tempo em que a estrutura tessituras-nós-redes é exteriorizada por um grupo, outra estrutura é interiorizada, e isso vale para qualquer grupo, portanto sua presença é universal na passagem da interioridade para a exterioridade, independentemente de que suas origens ou raízes estejam no ser humano individualizado e/ou no grupo, por isso,

[...] a partir daí, é possível construir uma matriz que justifique esse conjunto estrutural que toma, uma vez exteriorizado, uma infinidade de imagens. É essencial fazer claramente a distinção entre ‘imagem’, por um lado, e ‘estrutura’ por outro. A imagem sendo a forma assumida pela estrutura manipulada por um sistema de objetivos intencionais e de ações. Os diferentes modelos urbanos, os diferentes modelos de núcleos centrais e os modelos de distribuição de densidades nada mais são do que uma única e mesma estrutura comandada por objetivos e por ações diferentes, que dão imagens variadas de cidades e de redes urbanas (RAFFESTIN, 1993, p. 151-152).

Essas argumentações fornecem subsídios a afirmação de que para se chegar à estrutura mais profunda da ação territorial é necessário decifrar as relações de produção e de poder. Reforçando essas argumentações, Raffestin (1993, p. 152) argumenta que

[...] do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que ‘produzem’ o território. De fato o Estado está sempre organizando o território nacional por intermédio de novos recortes, de novas implantações e de novas ligações. O mesmo se passa com as empresas ou outras organizações, para as quais o sistema precedente constitui um conjunto de fatores favoráveis e limitantes. O mesmo acontece com um indivíduo que constrói uma casa ou, mais modestamente ainda, para aquele que arruma um apartamento. Em graus diversos, em momentos diferentes e em lugares variados, somos todos atores sintagmáticos que produzem ‘territórios’. Essa produção de território se inscreve perfeitamente no campo do poder de nossa problemática relacional. Todos nós combinamos energia e informação, que estruturamos com códigos em função de certos objetivos. Todos nós elaboramos estratégias de produção, que se chocam com outras estratégias em diversas relações de poder.

É sempre prudente lembrar que todo território carrega em si, explícita ou implicitamente, a ideia de limite, ou seja, identifica a porção do espaço onde se dão as ações de determinado ator, ou atores. A própria ação já é fato limitante do espaço, pois se dá em uma área precisa, considerando a dinâmica do tempo e as projeções em escalas, mesmo se se traçar uma malha em consequência de uma relação com o espaço e da respectiva produção do território, tecendo a superfície de infinitas maneiras, pois, na realidade, o sistema de objetivos e ações obedece sempre a uma ordem.

A tessitura territorial está sempre sujeita a níveis hierárquicos dentro de cada malha territorial estabelecida, caracterizando as centralizações e as descentralizações. Também, em seus vários níveis, uma tessitura traz em si uma aparente ambiguidade, na realidade uma estratégia, cujo objetivo pode se garantir em um nível ótimo, o conjunto de atividades da população, como também estabelecer um nível ótimo de controle, sobre essa mesma população. Por isso, é prudente considerar se a tessitura é a desejada pela população ou se apenas é uma tessitura suportada por essa população. Para Raffestin (1993, p. 154), “a tessitura ‘desejada’ é aquela que tenta otimizar o campo operatório do grupo, enquanto a tessitura ‘suportada’ é aquela que tenta maximizar o controle do grupo”. Sendo assim, a tessitura é sempre a projeção de um sistema de limites e fronteiras, cujas escalas coincidem, determinando e sendo determinadas, com a escala do exercício do poder.

Nesse inter-relacionamento dinâmico, as tessituras se superpõem, se cortam, se fazem e se desfazem permanentemente. Isso porque os limites e as fronteiras são móveis, ou efêmeros, visto que as áreas delimitadas são, por vezes, apenas a sede de uma ou várias atividades submissas a outros campos ou escalas de poder. Raffestin (1993, p. 154) considera que “num nível mais elevado, as regiões administrativas quase nunca coincidem com as regiões econômicas. Todo projeto de um ator signatário se realiza em várias malhas ao mesmo tempo, mesmo quando ele nem suspeita disso”.

É evidente que as tessituras criadas pelo Estado têm mais permanência do que as criadas pelas empresas. É por isso que as tessituras políticas e administrativas se sobrepõem às econômicas.

Os limites políticos e administrativos são mais ou menos estáveis, enquanto os limites econômicos o são bem menos, pois são bem mais dinâmicos, isto é, se adaptam às mudanças de estruturas e de conjunturas. Ainda que as áreas de distribuição ou de coleta de empresas monopolistas ou oligopolistas, em geral desconhecidas do público, possam ter uma grande permanência. Contudo, a grande diferença entre malha política e malha econômica está no fato de que a primeira resulta de uma decisão de um poder ratificado, legitimada, enquanto a segunda resulta de um poder de fato (RAFFESTIN, 1993, p. 155).

Essas argumentações encontram sustentação no fato de que a tessitura política, expressão de um estado de direito, ao contrário da econômica, expressão das ações contínuas, é transmitida ou herdada por gerações, com a ressalva de que a tessitura é formada por malhas e estas por pontos, e que as malhas, heterogêneas e diformes, acolhem, em sua organização

territorial, além da população, pontos, nodosidades e elementos diversos, conforme argumenta Raffestin (1993, p. 156):

Nesses conjuntos de pontos, que também são localizações e que reagrupam indivíduos ou grupos, se elabora toda a existência, quer se trate de aldeias,