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Fatores políticos, técnicos e estratégicos: gargalos históricos da cadeia produtiva da

3.3 Gargalos e possibilidades históricos que têm determinado a produtividade e a

3.3.1 Fatores políticos, técnicos e estratégicos: gargalos históricos da cadeia produtiva da

O descontrole da Sudhevea na década de 1980 e o respectivo descontrole da importação desequilibrou a formação do preço interno da borracha natural brasileira em relação ao preço internacional subsidiado. Isso favoreceu as indústrias de pneumáticos instaladas no país, os elos mais fortes da cadeia, que passaram a importar sem nenhuma restrição a borracha que precisavam para suprir suas demandas na fabricação de pneu.

Bernardes (2014) expõe os sucessivos erros históricos cometidos pelos agentes da cadeia produtiva da borracha natural no Brasil, destacando a participação de Cássio Fonseca, primeiro superintendente da Sudhevea como o brasileiro que mais atuou em favor da borracha no Brasil entre 1937e 1971, o qual escreveu a “Comédia de erros”, uma série de 3 artigos sobre os desacertos da política, quando esta ainda existia. O próprio Bernardes, por meio do artigo IV, publicado em 1999, chamava atenção para a continuação desses desacertos, desde a extinção das únicas políticas de apoio à cadeia produtiva da borracha natural brasileira. Segundo Bernardes (2014), a Sudhevea, implementada por lei e que era um organismo de governo que tinha autonomia orçamentária e poder para agir, controlando importação e preço, taxando importação, para equilibrar a diferença entre o preço interno desejado e o preço internacional subsidiado, baseado em levantamento anual de custo de produção, financiando a produção de forma compatível com o setor, financiando a geração de pesquisa, financiando e executando assistência técnica, financiando e produzindo mudas, financiando e capacitando pessoal qualificado, de técnicos a pós-graduados, foi extinta porque era contra o interesse de grandes forças políticas, que não aceitavam que o orçamento da instituição fosse controlado por técnicos. Essas forças políticas tiveram como principais agentes desencadeadores da extinção da Sudhevea: 1) indústrias de pneumáticos, que queriam a permanência dos preços baixos da borracha natural para manter os preços e os lucros de seus produtos; 2) usinas, que, assim como as indústrias de pneumáticos, pretendiam manter seus ganhos a custa do setor produtivo de borracha natural; 3) setor produtivo de São Paulo, que imaginava que iria dominar o setor e lucrar à custa do restante do Brasil; 4) consultores, vendedores de produtos e lendas, que iriam vender o que antes o governo fornecia.

No Brasil, após a extinção da Sudhevea, insumos e orientação técnica passaram a ser vendidos para o produtor de borracha natural, comprometendo a produtividade e a competitividade da cadeia, diferentemente do que ocorre nos países do Sudeste da Ásia, a exemplo do “Sri Lanka, onde há orientação e fornecimento de material pelo governo”

(BERNARDES, 2014, p. 7), sendo que no Sri Lanka o governo fornece mudas de altíssima qualidade em inúmeros viveiros; fornece financiamento subsidiado para plantio, replantio, usinas e todas as atividades agrícolas; fornece assistência técnica para todas as atividades; controla o preço e garante lucro ao produtor rural. Aliás, no mundo inteiro os preços da borracha natural são controlados pelo governo; a taxa cambial mantém a moeda nacional desvalorizada, facilitando a exportação da borracha natural; há subsídios para toda a cadeia produtiva da borracha natural, especialmente para o setor agrícola; e há desoneração da agricultura. E a mão de obra é compatível com o setor. Enquanto no Brasil, segundo Bernardes (2014), não há nenhum apoio direto ou subsídio à produção agrícola, nem subsídios e desoneração da indústria e os preços são controlados pelos compradores (indústria) que, por meio da taxa cambial mantenedora da moeda nacional valorizada, facilita a importação da borracha natural, pressionando para baixo o preço do produto nacional.

O autor destaca que a borracha natural é um produto que requer atenção dos governos, devido a peculiaridades e fatores universais, tais como, o declínio secular dos preços agrícolas, que também afetam a cadeia produtiva da borracha natural; ser o mercado da borracha natural inelástico, com a oferta e demanda não determinando o preço; ter um mercado comprador oligopolizado, controlado por dez empresas. “Depois da Guerra da Coreia (1952) o balanço entre oferta e demanda não afeta preço, pois o mercado é completamente controlado e manipulado pela indústria e pelos mercadores de bolsa” (BERNARDES, 2014, p. 12).

Bernardes (2014) aponta, ainda, que o adensamento de árvores, praticado no Brasil, não contribui para a produtividade e competitividade. Isso porque em plantio superadensado, acima de quinhentas árvores por hectare, sempre ocorrem plantas dominadas, diminuindo a produtividade e causando prejuízo ao plantador de seringueira, pois aumenta pouco a produção por área e diminui muito a produção por planta” (BERNARDES, 2014, p. 43). Acrescentando que a cadeia produtiva da borracha natural brasileira evoluiu pouco em termos de adaptação de clones, devido às inconsistências dos experimentos e a fatores como a ineficiência na adubação e no controle de pragas e doenças e na inovação na sangria. “Até recentemente estávamos copiando tecnologia da Malásia, com 30 anos de atraso” (BERNARDES, 2014, p. 34). Isso devido ao fato de que no Brasil são feitos pouquíssimos testes de clones em escala comercial. Apesar de não haver incentivo para a pesquisa em escala comercial, há esforço da pesquisa para gerar novos clones. Mas, os produtores relutam em testá-los comercialmente, uma vez que os preços baixos desestimulam esses produtores a correr o alto risco da experiência. Como, segundo Mattos (2010, p. 1), o mal das folhas continua sendo uma das principais causas da

limitação da heveicultura nas áreas tradicionais de cultivo no Brasil e nos demais países produtores da América Latina, a Ásia, onde ainda não há ataques do Microcyclus ulei, continua em expansão, produzindo atualmente 93% da borracha natural mundial, enquanto o Brasil há muito tempo não sai de 1% da produção mundial. Portanto, conforme Bernardes (2014), o Brasil só irá avançar na produtividade e competitividade da cadeia produtiva da borracha natural se analisar o custo/benefício em todas as práticas produtivas, começando por: a) priorizar a máxima produção por árvore plantada, o que significa diminuição da população de árvores por área (o custo/benefício de 400 árvores por hectare supera o de 600 ou 666 árvores); b) ter dados seguros dos custos de sangria; c) ter outra atividade paralela ao cultivo da seringueira, para poder parar de sangrar quando o mercado for desfavorável (preço baixo); d) ter autonomia sobre o seringal, de forma a depender menos do sangrador, no caso da parceria. “Mão de obra de sangria não pode ser específica e tem que ser contratada por CLT como ‘braçal’ e nunca como ‘seringueiro’– deslocar m.obra [sic] para outras atividades” (BERNARDES, 2014, p. 47).

Outra oportunidade que, ao contrário dos países asiáticos, não é aproveitada na cadeia produtiva da borracha natural brasileira é o uso da madeira da seringueira. “A exploração da madeira no fim do ciclo da seringueira faz-se necessária a busca por clones de dupla aptidão, ou seja, que produzam bastante látex e quantidade relativa de madeira” (VIEIRA et al., 2012, p. 1). Além do que, segundo Vieira et al. (2012), a demanda de madeira no Brasil sempre foi suprida basicamente por espécies tropicais amazônicas e espécies exóticas como o Pinus e Eucalyptus. Como a demanda desse produto tem sido maior que a oferta e as exigências legais para a extração de madeira nativa se tornado mais rigorosas, a utilização da madeira de seringueira em final de ciclo, por ser uma fonte de matéria-prima para diferentes produtos, não pode ser desprezada.

Para Bernardes (2012, p. 9), há quase um consenso em se buscar a autossuficiência de borracha natural no Brasil, o que pode não ser uma boa oportunidade em termos de competitividade, devido às estratégias das outras regiões produtivas mundiais, que também avançarão na concorrência. Caso da China que já iniciou o projeto de plantio de 150 mil ha de seringueira no Laos e da Índia que também está ampliando seus seringais em áreas não tradicionais. Além disso, as políticas cambiais e de protecionismo à agricultura desses e dos demais países produtores de borracha natural continuam desfavorecendo a produção brasileira.

Um dos principais gargalos da cadeia produtiva da borracha natural, a depender das condições edafoclimáticas das regiões produtivas, são as pragas e as doenças que atacam os seringais, o que será discutido na seção seguinte.