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Região e suas questões epistemológicas

Embora se reconheça a dificuldade que há para se chegar ao conceito de região, sabe-se que o termo sempre se refere a recortes do espaço geográfico, e também, à diferenciação de áreas geográficas. Portanto, como conceito, a região pode ser tomada como um meio para se conhecer a realidade geográfica de um aspecto ou vários aspectos espaciais, dentro de um quadro territorial adequado ao que se propõe. O termo é referido nesta pesquisa com o objetivo de identificar as áreas produtivas e consumidoras de borracha natural em escalas distintas, nacional e internacional, portanto no sentido de regiões funcionais.

Corrêa (1990) considera o termo região bastante complexo, sendo, ao mesmo tempo, um dos mais tradicionais em geografia e um dos mais utilizados pelo censo comum. Em ambos os casos o termo parte do princípio de que a Terra é constituída por áreas diferentes entre si e que, portanto, há a necessidade de se fazer a diferenciação de área. “Queremos dizer que há diferentes conceituações de região. Cada uma delas tem um significado próprio e se insere dentro de uma das correntes do pensamento geográfico” (CORRÊA, 1990, p. 22). Por isso, a região deve ser entendida como uma categoria intelectualmente construída. “Partimos da realidade, claro, mas a submetemos à nossa elaboração crítica, na seqüência [sic], procurando ir além da sua apreensão em bases puramente sensoriais. Procuramos captar a gênese, a evolução e o significado do objeto, a região” (CORRÊA, 1990, p. 22-23). Dessa forma, os geógrafos têm liberdade para utilizar todos os conceitos, “afinal todos eles são meios para se conhecer a realidade, quer num aspecto espacial específico, quer numa dimensão totalizante: no entanto, é necessário que explicitemos o que estamos querendo e tenhamos um quadro territorial adequado aos nossos propósitos” (CORRÊA, 1990, p. 23). Por esses e outros motivos a questão da região pode ser entendida como um instrumento de ação e controle dentro de uma sociedade de classes.

Para Lancioni (1999), o termo geográfico região sempre foi dinâmico e problemático, talvez por falta de estudos sistemáticos sobre o tema na própria geografia. Nesse sentido,

a palavra região é de uso fluido e tem dificuldades em se estabelecer como conceito. Quem já não ouviu falar dessas expressões: região em que nasci, região perigosa ou região de fulano e de sicrano, disso e daquilo? Essa idéia [sic] de região que aparece na linguagem corrente indica recortes do espaço que os indivíduos ou grupos sociais elaboram e passam a ser reconhecidos, ou não, socialmente (LANCIONI, 1999, p. 16).

Portanto, a concepção de região depende da percepção que cada um tem de seu próprio espaço e do espaço do outro. “Fazendo-os perceber o homogêneo e o diferente acerca do mundo” (LANCIONI, 1999, p. 16). Por isso, a ideia de região, embora, em muitos casos, sendo realmente de interesse comum, com a identidade regional correspondendo à realidade das questões territoriais, não raro é usada como instrumento de manipulação social, a depender dos interesses políticos. “Portanto, pensar a região simplesmente como parte, ou como categoria geográfica de análise, ou como conceito, ou noção, significa utilizar procedimentos completamente distintos” (LANCIONI, 1999, p. 21). Dessa forma, o apelo ao discurso regionalista pode ser utilizado conforme o objetivo desejado, servindo, por exemplo, como estratégia política para criar uma identidade entre o político e seus eleitores. “Tal identidade é

fundada na idéia [sic] de que por serem todos de um mesmo lugar haveria um mesmo interesse, e as necessidades e projetos não dependeriam da posição social ou inserção de cada um na sociedade” (LANCIONI, 1999, p. 20).

Feitas essas ressalvas, Lancioni (1999) chama a atenção para o fato de que, embora outras ciências, tais como a História Regional, a Economia Regional, a Antropologia, a Política e a Sociologia tratem do tema, “é no âmbito da Geografia que se encontram as bases e o desenvolvimento de conceitos ou noções relativos à região” (LANCIONI, 1999, p. 22). Por isso, avalia que a noção de região retoma sua importância hoje em dia “em face da necessidade de repensarmos essa noção num momento de crescente globalização e constituição de blocos regionais que apontam para um rearranjo espacial do mundo” (LANCIONI, 1999, p. 22). Nesse sentido, a autora chama a atenção para o debate mais atualizado sobre região e sobre a própria Geografia Regional, devido à tensão entre globalização, blocos regionais e Estado-nação, o que implica os respectivos processos de mundialização, supranacionalização e regionalização do atual período.

Hasrtchorne (1978), em suas teorias e análises da região, considerava que as regiões formais e as regiões funcionais eram os conceitos mais apropriados na análise regional. Sendo as regiões funcionais formadas a partir de um único aspecto, que sobressai de forma explícita, mais a inter-relação de outros aspectos, que também se sobressaem, caso de diversos tipos de produção, transporte e comércio, além de outras conexões e da dinâmica social.

Por conseguinte a região funcional não é uma generalização descritiva do caráter de uma área, mas a expressão de uma teoria de relações de processos, uma generalização em sentido lógico. Nesse particular, assemelha-se a uma região formal baseada em elementos inter-relacionados, mas dela difere por expressar uma teoria de organização espacial através de conexões entre áreas diferentes (HASRTCHORNE, 1978, p. 144).

De forma que a região funcional é delimitada levando em conta apenas certos aspectos da área determinada. Esses aspectos passam a ser considerados na sua totalidade e não como partes de um conjunto. A região delimitada possui tamanho, forma, estrutura e tem seus próprios movimentos internos. É por isso que é considerada uma unidade funcional. “[...] uma região funcional apresenta um aspecto espacial que existe na realidade, a ser descoberto e analisado pelo geógrafo. Este fato é o que distingue o conceito de região funcional de qualquer outro conceito de região” (HASRTCHORNE, 1978, p. 144).

As regiões funcionais obedecem a uma estrutura formada por tipos genéricos, de modo que a interconexão dos lugares não é necessariamente homogênea. “Desse modo, não há razão

para presumir-se que um sistema de regiões funcionais abranja a totalidade de qualquer área, que for objeto de estudo” (HASRTCHORNE, 1978, p. 144). Portanto, a organização funcional das áreas resulta da superposição parcial de regiões funcionais. “Se, por conveniência de mapeamento ou estudo, dividir-se a área mediante linhas bem definidas, essa divisão deve ser reconhecida como uma distorção da realidade da geografia da área” (HASRTCHORNE, 1978, p. 145). Ou seja, as regiões funcionais podem ser partes de uma região funcional maior. “Nas regiões político-administrativas se observa, naturalmente, uma completa hierarquia de organização de áreas a partir do nível mais baixo das divisões administrativas menores até o mais alto nível do estado independente” (HASRTCHORNE, 1978, p. 145). Isso porque apenas a integração parcial de vários elementos é suficiente para definir tanto uma região funcional quanto uma região formal. “Em outras palavras, é somente nos estudos tópicos, e não nos estudos regionais, que podemos estabelecer regiões definidas de maneira precisa e objetiva” (HASRTCHORNE, 1978, p. 145).

Castro (1992, p. 15) entende que as regiões, na realidade, são “territórios diferenciados e interligados por importantes fluxos demográficos, econômicos e de poder” e que, como o equilíbrio nas articulações regional é variável, há sempre a perspectiva de conflitos, o que pode desestabilizar ou ameaçar a integridade do Estado ao qual está vinculada. “Portanto, a mobilização regional, qualquer que seja o seu caráter, tem claras implicações para o sistema político” (CASTRO, 1992, p. 15). Isso devido ao fato do sistema político possuir uma dimensão vertical e outra horizontal, com a respectiva competição entre grupos, intra e extra regional. Logo, as disparidades espaciais devem ser abordadas no contexto nacional. “[...] os desníveis regionais são consequências de ações políticas e ao mesmo tempo impõem decisões políticas, tanto na esfera regional como nacional” (CASTRO, 1992, p. 16). Isso para evitar que mesmo com a modernização e o avanço de setores da economia regional as questões sociais e políticas dessa região continuem inalteradas. “O processo de conservação do poder político regional desenvolve suas próprias regras, nem sempre articuladas com o poder econômico nacional” (CASTRO, 1992, p. 18). Isso porque há uma relação de poder entre o centro e as bases desse poder, localizadas nas periferias, representadas por agentes locais (elites). O que demonstra a força do regionalismo no desenvolvimento de qualquer projeto nacional.

Costa (2010) acrescenta que a questão regional deve ser abordada levando em consideração os mecanismos de controle e de poder sem desconsiderar a historicidade responsável pelo sentimento de comunidade entre os habitantes de uma região. Considera que,

subjetivamente, essa identidade regional é formada por ações internas, praticadas pelos próprios habitantes, e externas, por interferência de habitantes de outras regiões.

Não há hoje como analisar a região sem considerar sua dupla filiação no campo das coesões – e redes – funcionais, produzida fundamentalmente por sujeitos hegemônicos, com ação de longo alcance, como o Estado e as grandes corporações, e como ideal do que aqui propomos denominar coesões simbólicas, produzidas num jogo de tendências mais complexas, com participação também, em maior ou menor grau, dos grupos subalternos, em suas diversas forma e articulação, entre si e com os chamados poderes instituídos (COSTA, 2010, p. 119-120).

Assim sendo, uma classificação mais consistente de região deve levar em consideração uma articulação espacial mais complexa, sistematizada com base nos fatores políticos, econômicos e culturais. O que implica na dinâmica de forças regionais, ao mesmo tempo articuladoras e desarticuladoras. “Uma das novas questões mais relevantes, hoje, pela força de evidência [...], é que articulações regionais do espaço podem manifestar-se não apenas na tradicional forma zonal, geralmente contínua, mas também em redes, inseridas numa lógica descontínua de articulação reticular” (COSTA, 2010, p. 121).