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Fatores que podem transformar os gargalos históricos da cadeia produtiva da

Conforme destaca Bernardes (1998), no início do século XX o Brasil perdeu o monopólio mundial da produção de borracha natural para os europeus que plantaram em suas colônias no Sudeste Asiático as sementes de seringueiras transplantadas da Amazônia brasileira. A partir de então a exploração da heveicultura no Brasil entrou em decadência, até o lançamento da Política Nacional da Borracha, instituída pela lei nº 5.527, de 18/01/67.

Na ocasião foi criada a SUDHEVEA e um corpo de mecanismos legais e operacionais, que visavam melhorar a qualidade dos produtos do setor de borracha, atender a uma demanda de consumo e estimular um setor econômico importante para o país. Enfocava o setor de borracha de forma holística, integrando o seringal ao comércio, às usinas e às indústrias. Tinha como meta principal a auto-suficiência [sic] do Brasil em borracha natural, pois a importação deste elastômero era a única perna capenga de uma estrutura em pleno funcionamento, e que era o sétimo parque manufatureiro de borracha do mundo ocidental. A lei também criava uma fonte de recursos financeiros (TORMB) para viabilizar essas ações, cuja arrecadação chegou a gerar valores da ordem de US$ 300.000.000 (trezentos milhões de dólares americanos) anuais (BERNARDES, 1998, p. 9).

Dessa forma, os programas desenvolvidos pela SUDHEVEA eram dinâmicos e adaptáveis a diferentes contextos, com diminuição gradativa da arrecadação, conforme ia reduzindo a necessidade de importação de borracha natural e os preços internos iam se tornando remuneradores para os produtores, até se chegar ao fim da proteção.

Adicionalmente, o PROGRAMA DE INCENTIVO À PRODUÇÃO DE BORRACHA NATURAL-PROBOR, lançado em 1972, com todos todos os seus erros e falhas, conseguiu reerguer a produção nacional anual de ridículas 25 mil t para 40 mil t no ano de 1985. A sobrevalorização da moeda brasileira, que significa uma taxação para a atividade produtiva no Brasil e um subsídio para a economia estrangeira, associada à desvalorização das moedas dos principais países produtores de borracha natural no mundo (Tailândia, Malásia, Indonésia, Sri Lanka e Vietnã) fez com que o preço da borracha natural no Brasil caísse para menos da metade (BERNARDES, 1998, p. 9).

Bernardes (1998) acrescenta que, conforme os preços passaram a não remunerar sequer o custo operacional, os produtores brasileiros começaram a paralisar a sangria, ou optaram pelo regime de parcerias. Mas, com os preços baixos, mesmo nos casos de parceria, os resultados não foram e ainda não são positivos, uma vez que esse modelo apenas transfere o prejuízo para o seringueiro parceiro sangrador que, ao empregar a mão de obra familiar de forma desvalorizada, precariza o trabalho da própria família. Em outros casos ocorre o sangramento intensivo das árvores para aumentar a quantidade de látex/coágulo e compensar os preços baixos. A consequência a médio prazo é o depauperamento e a diminuição da vida útil das árvores.

Agora que o setor está quebrado, os ‘representantes’ dos produtores de bortacha natural proclamam e defendem a criação de uma taxa de importação equivalente à TORMB. Os mesmos que foram sócios do governo no desmantelamento do setor, apregoam agora a volta da antiga lei 5227 de 1967, pois lá havia a taxação à importação (BERNARDES, 1998, p. 9).

No entendimento de Bernardes (1998), a saída para amenizar esse gargalo da cadeia produtiva da borracha natural brasileira são os subsídios na origem, de forma a permitir direitos compensatórios para os produtos importados do Sudeste da Ásia, por serem provenientes de mão de obra mais barata e incentivos governamentais. Mas, para isso acontecer é necessário que os proprietários de seringais indiquem representantes legítimos para defenderem os interesses dos produtores e do Brasil; e não somente para ampliar os lucros das indústrias.

Bernardes (2012, p. 6) acrescenta que as instituições públicas que davam suporte ao desenvolvimento da heveicultura nacional foram todas desfeitas nos governos dos presidentes Sarney e Collor e a situação foi agravada pelas irregularidades legais e fiscais, e total descaso e descontrole do setor no governo de Fernando Henrique Cardoso, argumentando que “os preços internos no Brasil caíram para a metade após o fechamento da SUDHEVEA no final da década de 1980” (BERNARDES, 2012, p. 7). E que, devido à grande carência de borracha natural em 2011, cujos estoques estavam previstos para suprirem a indústria mundial por apenas 70 dias, o preço da borracha natural teve uma breve recuperação e, em seguida, uma queda de 60%, que se prolongou até a atualidade. Mas, embora esses preços se equiparassem aos da década de 1960, continuaram inferiores aos preços do período áureo da borracha natural, na década de 1910. Com o agravante de que “a queda de preços de BN para os produtores rurais e usineiros no Brasil, entre novembro de 2008 e novembro de 2009, resultante da crise artificial articulada pelo mercado financeiro, resultou em lucro para as indústrias que não reduziram seus preços de venda de pneu” (BERNARDES, 2012, p. 7). A queda de 60% nos preços da borracha natural após o pico de 2011 provocou a restrição voluntária da oferta pelos três maiores produtores do mundo: “Tailândia, Indonésia e Malásia, responsáveis por aproximadamente 70% da produção e por um porcentual ainda maior da exportação mundial” (BERNARDES, 2012, p. 7). Essa estratégia, embora já tenha funcionado no sentido de corrigir os preços na década de 1920, já apresenta fracassos e pode não funcionar no presente, diante do poder das grandes indústrias de pneumáticos.

Para romper parte dessas debilidades e aproveitar as oportunidades da cadeia produtiva da borracha natural brasileira, Bernardes (2012), após discutir a polissemia do termo sustentabilidade, sugere o uso desse termo, mas referindo-se, particularmente, às Boas Práticas Agropecuárias (BPA). Na prática,

um conjunto de princípios, normas e técnicas, baseados em conhecimento que, aplicados sistematicamente em uma propriedade agrícola podem assegurar sua sustentabilidade através de ganho de eficiência e produtividade de forma

segura e ecologicamente correta, com qualidade de vida e dos produtos (BERNARDES, 2012, p. 1).

O autor considera esse sistema, por agregar plantio, cultivo, colheita, processamento, armazenamento, transporte e comercialização e todas as atividades do processo produtivo, uma célula estruturante tanto da cadeia produtiva quanto do mercado. “A UPA é o único elemento essencial, uma vez que ela por si e isolada já constitui uma cadeia produtiva, independentemente da presença dos demais elementos. Por outro lado, qualquer cadeia produtiva necessita de pelo menos uma UPA” (BERNARDES, 2012, p. 2).

Tomando a região Amazônica como exemplo e embasando-se em outros autores que equiparam os seringais com canaviais e cafezais em termos de importância social, Bernardes (2012) ressalta a importância das Reservas Extrativistas como forma de retomar a produção nos velhos seringais na Amazônia, como nova forma de se criar alternativas de desenvolvimento. A justificativa é que “embora a exploração da BN na Amazônia tenha sido de extrema importância por um curto período, nunca formou uma base sustentável na economia da região” (BERNARDES, 2012, p. 3). E que, depois da Segunda Guerra Mundial a borracha natural da Amazônia deixou de ser interessante para os mercados mundiais e perdeu quase todo seu significado socioeconômico regional. Logo, considera que a forma do extrativismo daquele período não seria mais viável. Para o presente, o ideal é se incentivar um extrativismo eficiente, que contemple tanto a floresta como a seus habitantes e trabalhadores, agregando valor aos seus produtos e não apenas ao mercado oligopolizado pelas indústrias de pneumáticos e de autopeças. Essas ideias partem do princípio de que,

Apesar de manter uma atividade restrita aos seringais de pequenos produtores e de reservas extrativistas, o extrativismo ainda tem grande perspectiva como núcleo produtivo diversificado, que produz alimentos e serviços com tecnologias compatíveis, tirando proveito da biodiversidade existente na floresta, uma vez que o grande desafio na região é manter produtiva a população ribeirinha e rural (BERNARDES, 2012, p. 4).

Ademais, reforça-se que na atualidade o extrativismo também requer novas técnicas ou tecnologias e inovação, nos mesmos moldes dos plantios em sistemas agroflorestais, com mudas de seringueira, com enxertia de copa, com clones imunes às doenças foliares da região e, também, com os mesmos estímulos governamentais, uma vez que, apesar das dificuldades apontadas, a produção de borracha nos seringais nativos ainda constitui a principal fonte de renda disponível para muitas das populações que vivem na floresta amazônica.

Para Bernardes (2012), o contínuo processo de geração e difusão de tecnologia na heveicultura tem obtido bons resultados, caso da opção por

sangrias menos frequentes (d/7), sangria em safra, onde a sangria é interrompida nos meses de menor produção em regiões com sazonalidade acentuada de produção, garantindo-se a produção anual com redução de custos de mão de obra e melhorando a sanidade das plantas, melhoria do crescimento e produção com irrigação das seringueiras (BERNARDES, 2012, p. 5).

De acordo com informações da Lateks (2014d, p. 38), ao se aplicar as técnicas corretas no manejo da irrigação de seringais, evita-se o desperdício de água, nutrientes e energia. Embora a falta de conhecimento sobre equipamentos, manejo da água e da fertirrigação (técnica que une irrigação e fertilização) e da própria manutenção preventiva do sistema de irrigação precisa ser superada no dia a dia no campo.

Oliveira Silva (2014, p. 41) afirma que “tendo um manejo adequado, o produtor pode economizar energia, água e nutrientes. A importância de irrigar corretamente é evitar o desperdício de água por percolação e de nutrientes por lixiviação, além do gasto desnecessário de energia”. A má condução técnica, além de contaminar o lençol freático, restringe a produtividade do seringal, limitando o potencial da cultura e causando déficit hídrico, salinização e acidificação do solo. A irrigação por gotejamento e por microjet (ou microaspersor) pode ser facilmente adaptada para a seringueira de acordo com a necessidade hídrica da plantação, porte da planta, sistema radicular e espaçamento.

A Revista Lateks (2014d, p. 41) informa que uma pesquisa realizada pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, no Polo Alta Mogiana, em parceria com um grupo de Goianésia, revelou que a técnica de irrigação por gotejamento pode antecipar por dois anos a produção do látex. O estudo está sendo realizado há quatro anos por produtores nos estados de São Paulo e Goiás. “O engenheiro agrônomo José Fernando Canuto Benesi, em parceria com um grupo de Goianésia, implantou um projeto irrigado de seringueira que 4,5 anos após a implantação estava com 50% da área apta para sangria” (LATEKS, 2014d, p. 41). A irrigação em seringueira também vem sendo testada em seringais de São José do Rio Preto, onde se tem confirmado a homogeneidade do plantio, melhor pegamento das mudas e antecipação da fase de sangria. Ao se optar pela fertirrigação, aplicando-se adubos e nutrientes via irrigação, diminui-se o custo de aplicação e dispensa-se a utilização de trator ou equipamentos. Essa

técnica melhora a eficiência da adubação e reduz a mão de obra, reduz o custo de produção, antecipando em dois anos o começo da sangria e aumentando a produtividade do seringal.

Outra oportunidade de se aumentar a produtividade da borracha natural no Brasil surge com as mudanças no Código Florestal Brasileiro, em 2012. Segundo Covas (2014, p. 43), no Novo Código Florestal, a área destinada à reserva legal continua sendo de 80% em áreas de floresta na Amazônia Legal, 35% em área de cerrado e 25% nas demais regiões brasileiras.

O que mudou foi o cálculo da reserva legal, que agora inclui a área de preservação permanente (APP) no cômputo. Além disso, imóveis de até quatro módulos não necessitam recompor a reserva legal, não há mais exigência de averbação da reserva em cartório e há permissão de exploração econômica da reserva legal com autorização do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). A proteção da vegetação nativa nas margens de rios, lagos e nascentes, que antes tinha como parâmetro o período de cheia, agora tem o nível regular da água como referência. Várzeas, mangues, matas de encostas, topos de morros e áreas com altitude superior a 1800 metros, que antes não podiam ser explorados para atividades econômicas, agora tem permitido o uso para determinados fins. Outra alteração é a regularização do cultivo mantido por pequeno agricultor em APPs. O texto aprovado permite que o agricultor desmate APPs para atividades de baixo impacto, mas com a devida autorização do órgão competente e cadastro no CAR. De acordo com o Ministério Público, o reflorestamento não precisa passar de 10% da propriedade de até dois módulos fiscais, ou de 20% em áreas de dois a quatro módulos. Por fim, outro ponto importante no Novo Código Florestal é o que trata da recomposição de mata ciliar nas pequenas propriedades. A faixa de recomposição não irá mais mudar com a largura do rio, mas de acordo com o tamanho da propriedade, variando de cinco a quinze metros para propriedade com até quatro módulos fiscais. Para áreas com mais de quatro módulos, margeadas por rios com pelo menos 10 metros de largura, a faixa de mata ciliar poderá chegar a 100 metros (COVAS, 2014, p. 43).

Para Covas (2014), essas alterações foram positivas para a heveicultura, uma vez que a nova lei permite alguns arranjos em projetos de recuperação, de reserva legal e APP que contemplam espécies exóticas, caso da seringueira que é nativa da região Amazônica e que poderá ser utilizada na recuperação de reserva legal e APPs em outras regiões. O Brasil vive hoje uma carência de diversos produtos cuja matéria-prima é o látex, e expandir o cultivo da seringueira é ambientalmente adequado, mas também valioso sob o ponto de vista de desenvolvimento. “Em um país em desenvolvimento, com população elevando sua renda, pneus, luvas cirúrgicas, mangueiras e diversas outras possibilidades de uso do látex em produtos de consumo ou de capital são mais necessários do que nunca” (COVAS, 2014, p. 44). Ao destacar que a heveicultura é uma cultura ecologicamente correta e por isso merece incentivos e políticas públicas, acrescenta que

é um sistema de produção cuja agressão ao solo e à água são muito inferiores em relação a outros usos dos mesmos bens. O advento da nova lei florestal incentiva o avanço da heveicultura, desburocratizando o cumprimento de exigências e apoiando o produtor nas suas atividades (COVAS, 2014, p. 44).

Mas, para que as mudanças no Código Florestal cumpram o papel de conciliar a preservação dos ecossistemas e a produção agrícola, deve-se juridicamente permitir o desenvolvimento econômico com a proteção do patrimônio ambiental, conforme prevê a Constituição Federal, no tocante ao desenvolvimento sustentável. Mas, é preciso se atentar para o fato de que o Código precisa criar e disponibilizar um banco de dados para o estado, produtores e empresas para definir e facilitar as ações desses agentes, além de remunerar o produtor pelos serviços ambientais, compensando-o por deixar de produzir para preservar parte da propriedade, para o bem de todos.

Bernardes (2012) destaca que há quase uma unanimidade quanto ao papel protetor da natureza dos seringais nativos, espontâneos e cultivados. De modo que seringais implantados em sistemas agroflorestais são eficazes na recuperação e conservação de solos degradados. O problema é que “todos cobram os passivos ambientais da agricultura, apesar de ninguém, até agora, se dispor efetivamente a pagar pelos ativos por ela gerados” (BERNARDES, 2012, p. 3). Reforçando que, além da função socioambiental da seringueira e da produção de borracha natural, há outras grandes oportunidades geradas a partir do cultivo da seringueira. É sobre essa questão que será tratado na próxima seção.

3.6 Outras oportunidades no cultivo da seringueira: mel, fixação de carbono, óleo e