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O preço da borracha natural: um gargalo secular

3.3 Gargalos e possibilidades históricos que têm determinado a produtividade e a

3.3.3 O preço da borracha natural: um gargalo secular

Paralelamente aos gargalos já discutidos, o histórico declínio do preço da borracha natural no Brasil, a elevação permanente do preço da mão de obra no setor e a concorrência internacional têm representado os grandes gargalos para a expansão dos seringais no Brasil.

Bernardes (2010), ao afirmar que a queda dos preços da borracha natural tem dificultado a expansão da área dos seringais plantados no Brasil nos últimos 100 anos, argumenta que no auge da cultura de seringueira no Brasil, em 1911, o preço do produto era 90% maior do que o praticado no final dos anos de 1990. E que esse mesmo preço era menos da metade do praticado no período áureo da expansão dos plantios na Ásia, nas décadas de 1950 e 1960. O Gráfico 2, a seguir, demonstra essa queda de preços da borracha natural no Brasil entre 1890 e 2010.

Gráfico 2 – Queda de preços da borracha natural no Brasil entre 1890 e 2010

Fonte: Bernardes (2010a).

O gráfico demonstra a ascensão e queda do preço da borracha natural brasileira. Subindo de US$ 4,6 nas primeiras exportações em 1890 para US$ 6,6 em 1911. A partir dessa data o preço do produto foi caindo, com uma nova alta na década de 1920, quando voltou a cair,

atingindo o seu mais baixo nível na década de 1930, a cerca de US$ 0,30. Dessa data em diante o preço foi se ajustando, se elevando na década de 1960, mas voltando a se manter em menos de US$ 1,0 até 2010. E esse é o preço atual, em 2016, da borracha natural brasileira.

Além disso, o fechamento da Sudhevea na década de 1980 foi determinante para que os preços da borracha natural no Brasil caíssem pela metade e nunca mais voltassem a se recuperar. De forma que, a partir desse momento, a demanda de borracha natural, escassa no país, passou a ter pouca determinação nas flutuações de preços do produto.

Segundo Lateks (2011a, p. 48), por ser uma commodity e ter preço atrelado ao dólar e às respectivas projeções de preços da bolsa de futuros da Malásia, onde cerca de 90% da commodity é negociada, a cotação da borracha natural tem preço determinado a partir do mercado internacional, onde o produto não é escasso, portanto, anulando a lei da oferta e da demanda interna em países como o Brasil onde, mesmo predominando a escassez, os preços continuam em baixa ou estáveis.

Esses pressupostos levaram Bernardes (2010a) a prever que, futuramente, os preços da borracha natural deverão manter-se baixo no período de 2010 a 2020. Justifica sua previsão sob a argumentação de que: a) as commodities agropecuárias não terão seus preços elevados na mesma proporção do petróleo; b) os grandes interessados na borracha natural já iniciaram novos projetos de plantio de seringueiras, a exemplo do governo chinês que está desenvolvendo uma plantação de 150 mil hectares em Laos e da Índia que vem desenvolvendo plantações em áreas não tradicionais; c) as indústrias de pneumáticos estão investindo no desenvolvimento de novos elastômeros, como alternativa à borracha natural.

No contexto da formação do preço da borracha no Brasil, Bernardes (2010a) destaca ainda o fator salário mínimo, que, desde sua criação, em 1940, vem servindo de base para os cálculos de remuneração dos trabalhadores seringueiros e da respectiva lucratividade das usinas de beneficiamento. E destaca que entre 1952 e 1964 essa base salarial foi desfavorável aos trabalhadores seringueiros e favorável aos usineiros. E de 1995 a 2009, com a evolutiva recuperação do valor real do salário mínimo a cada ano, essa mesma base passou a ser favorável aos trabalhadores e desfavorável aos usineiros. E, como a tendência é que o salário mínimo continue aumentando, a previsão é de que o preço nominal da borracha natural no Brasil fique cada vez mais defasado em relação ao lucro dos usineiros e mais favorável ao agricultor familiar, principalmente ao sangrador (principal atividade do trabalhador seringueiro), uma vez que a sangria, praticamente impossível de ser mecanizada, é uma atividade extremamente dependente de mão de obra.

O mais provável é que os preços nominais da BN fiquem cada vez mais defasados em relação ao valor dos salários e que a rentabilidade dos seringais no Brasil só ocorrerá com enorme evolução na produtividade da mão de obra de sangria. A dependência da mão de obra para realizar a sangria é incontestável. Há poucas e limitadas opções para aumentar a quantidade de árvores sangradas numa jornada de trabalho fazendo com que a melhoria da produtividade da operação fique restrita à melhoria da produtividade da árvore individual por cada sangria (BERNARDES, 2010a).

Conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2014) e o Ministério da Agricultura, por meio da Câmara Setorial da Borracha, a cadeia produtiva de borracha natural do Nordeste e da Amazônia vem enfrentando várias crises em decorrência da instabilidade de preços, da desorganização do setor e do desinteresse do governo. Considera- se, ainda, que a queda anômala do preço da commodity borracha nas bolsas internacionais está inviabilizando os seringais de cultivo e as usinas beneficiadoras.

Diante dessa realidade se faz necessário uma ação de apoio emergencial do governo brasileiro para evitar a total paralização da atividade econômica da borracha atingindo e fragilizando um significativo segmento social produtivo e a economia de regiões produtoras que dependem dessa atividade

(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E

ABASTECIMENTO, 2014).

O argumento é de que os custos da produção da borracha em seringal de cultivo e do seu beneficiamento estão vinculados à política econômica do governo, isto é, salários, energia, combustível, etc., enquanto o preço da borracha, por ser uma commodity é estabelecido pela lei da oferta e demanda dos mercados internacionais, agravados em consequência de crises econômicas mundiais e da ação de monopólios. Assim, “num cenário dessa natureza torna-se necessário e indispensável uma política setorial compensatória para evitar o colapso da atividade produtora de matéria-prima de fundamental importância sócio-econômica [sic] para o Brasil, especialmente para a Amazônia e o Nordeste” (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2014). E acrescenta que, com o preço atual que está sendo pago pela borracha GEB 10 de R$ 5,85/KG, as usinas estão tendo um prejuízo de R$ 2,67 por kg. Logo, o preço reivindicado pelas usinas para a viabilidade da atividade deve ser, no mínimo, de R$ 8,83/KG. Assim, o preço pago pelas usinas pelo quilo do coágulo ao produtor rural é de R$ 2,43/KG, porém, após a retirada de cerca de 50% de água no processamento do produto, esse custo para a usina se eleva para R$ 4,86 o kg.

A reclamação das usinas e dos produtores é de que, embora o preço da borracha natural (GEB 10) tenha despencado, o preço do pneumático no mercado se manteve elevado, expondo o grande desequilíbrio que está havendo na cadeia produtiva da borracha natural e que precisa de reparo urgente, “do que se conclui que a peneumática aumentou seu lucro enquanto os produtores enfrentam a falência” (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2014). Portanto, há um desequilíbrio na cadeia produtiva que precisa de reparo. A Figura 18, a seguir, ilustra as principais fases de transformação do látex em GEB 10 e destes pneus, o principal produto da cadeia.

Figura 17 – Painel fotográfico com as principais fases de transformação do látex em pneu

Fonte: próprio autor, as 3 primeiras fotos tiradas na usina de beneficiamento Agroindustrial Ituberá, no Baixo

Sul da Bahia em 2010 e as outras 3 tiradas no 150 Congresso Brasileiro da Tecnologia da Borracha, em São

Paulo-SP em 2014.

Nota: foto 1: extração do látex; foto 2: coágulo; foto 3: GEB 10; foto 4: borracha natural; foto 5: banda de rodagem de pneu; foto 6: pneu.

Por isso, segundo Bernardes (2010a), os produtores têm procurado todos os meios para sair dessa dependência, porém sem sucesso, uma vez que: a) trata-se de uma atividade praticamente impossível de ser mecanizada; b) está difícil reduzir a quantidade de trabalhador por propriedade, uma vez que já está praticamente no limite da quantidade de árvores que um trabalhador é capaz de sangrar por dia, como também está se tornando inviável aumentar a tarefa diária desse trabalhador.

Nesse sentido, conforme Bernardes (2010a, p. 3), o consenso entre os grandes produtores e usineiros tem sido de se resolver o problema da lucratividade por meio de outros mecanismos, tais como: a) aumento da produtividade de cada árvore, por meio de novos clones; e b) redução da frequência de sangria e manutenção da produtividade da árvore por meio da estimulação química.

Acontece que esse consenso também tem implicações, ou seja: a) o aumento da produtividade por meio de novas variedade clonais ainda é possível, mas, além de não ser uma tarefa simples, tem outras implicações que podem inviabilizar essa técnica, caso do ataque do Microciclus ulei, fungo causador do mal das folhas, às novas variedades adotadas; b) no caso do aumento da produção de látex ou de coágulo por meio de estimulantes químicos para compensar as maiores alternâncias em termos de dias de repetição da sangria, trata-se de um procedimento que já atingiu seu limite, conforme já testados em sistemas D10, D12 e D14 sem sucesso. Outra opção técnica para se manter a rentabilidade da seringueira no Brasil, segundo Bernardes (2010a), seria repensar os plantios, de forma a reduzir o número de árvores e a aumentar os espaços, para serem consorciados com outras culturas em SAF.

O autor acrescenta que há pesquisas indicando que melhores retornos econômicos poderão ser obtidos ao se plantar trezentas árvores por hectare, desde que consorciadas com outras culturas. Mas, alerta que essa é uma estratégia que requer tecnologia e recursos financeiros elevados, uma vez que implica a remoção e substituição de seringais velhos e de baixa produtividade por mudas clonadas de alta qualidade, mas, também, de alto custo. E argumenta que há pesquisas em andamento, já em fase de teste, que apresentam avanços significativos nessa área, envolvendo desde o conhecimento da fisiologia da seringueira até a produção. O autor cita o exemplo da Michelin, que vem testando a estimulação gasosa, ou RRIMFLOW, para reduzir significativamente a frequência de sangria. Já a Esalq vem desenvolvendo o sistema de cortes curtos como em S/3 e S/4. Tudo isso porque há uma grande preocupação do produtor de borracha natural no Brasil com o custo diário de produção por quilograma e por trabalhador, uma vez que as oscilações de preço do produto no mercado não

têm sido reguladas pela lei da demanda e da oferta. Dessa forma, resta ao produtor o ônus da diferença entre as despesas que aumentam, por meio dos custos com a mão de obra que se eleva e da receita que cai, devido às baixas ou estagnação no preço da borracha natural em um mercado controlado por agentes financeiros globais e pelas indústrias de pneus, em permanente competição no mercado internacional.

Na próxima seção serão discutidos os gargalos da cadeia produtiva de borracha natural brasileira, considerando também os fatores que podem gerar grandes possibilidades de desenvolvimento socioeconômico, desde que se aporte nas regiões produtivas brasileiras tecnologias adequadas, conforme é praticado com eficácia nas principais regiões produtivas mundiais

3.4 Estratégias para o Brasil transformar deficiências e gargalos em grandes