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Ciência, tecnologia e inovação

Sendo a técnica a força motriz da produção espacial, a inovação dessa técnica é um elemento essencial dessa produção. Como parte da dinâmica evolutiva da técnica, ou como a conectividade que une as ciências e as tecnologias, a inovação também faz parte dos sistemas territoriais, ou socioespaciais. Ou seja, vinculada a uma estrutura de suporte, ela se vincula também ao setor de negócios, a regras e interações com a cultura e a estrutura social. Mas, como as instituições nacionais são altamente específicas para setores particulares e sistemas setoriais, a inovação, embora sistêmica, torna-se seletiva. A inovação, aqui, é tratada como elemento inerente ao sistema produtivo, organizado em termos da cadeias produtivas e sistemas de redes empresariais e seus agentes, para explicar a complexidade da cadeia produtiva da borracha natural em suas diversas escalas geográficas.

Segundo Prochnik (2001), ao se contextualizar o conceito de cadeia produtiva com o conceito de ciência e tecnologia chega-se à conclusão da existência de um Sistema Nacional de Inovação, formado por quatro subsistemas: setor de negócios; estrutura de suporte; regras, interações e elos; e cultura e estrutura social. Significando que as cadeias produtivas oferecem uma base para se analisar o papel dos demais agentes envolvidos no Sistema Nacional de Inovação. Isso baseado no fato de que as instituições nacionais são altamente específicas para setores particulares e sistemas setoriais. Dessa forma, muitas políticas públicas e os respectivos programas idealizados como macroeconômicos são, na realidade, programas específicos de setores. Assim sendo, enquanto o ambiente institucional das firmas é largamente determinado por forças de outros agentes, caso dos governos, elas também exercem influência significativa sobre instituições e políticas de apoio ao setor. “Portanto, embora o campo de ação de algumas organizações (Universidades, por exemplo) transcenda o das cadeias produtivas, a sua relação com as empresas envolve sempre a incorporação de algum grau de especificidade em relação às necessidades deste agente” (PROCHNIK, 2001, p. 2). O que reforça o argumento de que, devido à diversidade tecnológica, à complexidade sistêmica e à conectividade, tem havido permanente aumento das especializações na área de ciência e tecnologia e diminuído as inovações realizadas por firmas isoladas. Isso se deve ao fato de que: a) a diversidade tecnológica cria uma variedade de campos técnicos no interior das firmas e estes crescem mais do que a diversidade de produtos, gerando pressões sobre os custos de P&D e de aquisição e integração de novas tecnologias; b) como na complexidade sistêmica os produtos são parte de sistemas, o uso das inovações também é sistêmico; c) a conectividade ao unir as ciências e as

tecnologias e suas relações entre diferentes ramos científicos fazem com que os resultados de uma teoria dependam de resultados de outras teorias.

Esses argumentos indicam que conforme cresce o conhecimento científico e tecnológico o desenvolvimento de inovações fica mais complexo e interdisciplinar, exigindo mais cooperação entre firmas capacitadas em áreas técnicas complementares e impossibilitando o desenvolvimento tecnológico isolado.

O que explica, também, que as cadeias produtivas são um forte recurso como unidade de análise na formulação de uma Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCTI) e sua respectiva difusão.

A introdução e difusão de inovações se dá em um processo de concorrência. Assim, cabe considerar que, em todas as instâncias do processo de planejamento, pesquisa, desenvolvimento, introdução e posteriores adaptações de um novo produto, existem riscos, custos prévios e benefícios (ou perdas) a dividir. Por estas razões, todas as fases são afetadas, em maior ou menor grau, pela competição entre as empresas de cada indústria, as indústrias ao longo da cadeia e entre as diversas cadeias (PROCHNIK, 2001, p. 4).

O que reforça a ideia de que ciência, tecnologia e inovações e suas difusões estão, invariavelmente, articuladas na dinâmica das cadeias produtivas. E que os próprios distritos ou polos industriais podem ser entendidos como aglomerações urbanas e conjuntos de instituições em torno de uma cadeia produtiva. E que, portanto, a competitividade do próprio país, por depender dos fatores micro e macroeconômicos, está também relacionada às cadeias produtivas. Para Cassiolato e Lastres (2005), antes da década de 1960 o termo inovação, por ser entendido como estágios sucessivos e independentes de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento, produção e difusão, era usado de forma linear nas teorias de desenvolvimento. A partir do final da década de 1960 houve um avanço na compreensão sobre o seu significado e a discussão se dividiu entre as fontes mais importantes de inovação, com uns dando maior importância ao avanço do desenvolvimento científico e outros à demanda por novas tecnologias. “[...] marcado pela crescente incorporação de conhecimentos nas atividades produtivas, a inovação passou a ser entendida como variável ainda mais estratégica para a competitividade de organizações e países” (CASSIOLATO ; LASTRES, 2005, p. 34). De forma que, as organizações e os países que priorizaram a inovação demonstraram melhores resultados em termos de aproveitamento das oportunidades apresentadas e de superação das dificuldades decorrentes do processo de transformação do período atual.

Esses países conseguiram definir e implementar novas estratégias capazes de reforçar e ampliar suas políticas científicas, tecnológicas e industriais. Essas políticas realçam a mobilização dos processos de aquisição e uso de conhecimentos e de capacitações produtivas e inovativas como parte integrante fundamental de suas estratégias de desenvolvimento (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 34).

No Brasil, o termo inovação só ganhou consistência na segunda metade da década de 1990. Mesmo assim, segundo Cassiolato e Lastres (2005), o padrão de inovação da economia brasileira ainda é defensivo e adaptativo, exceto nos segmentos da agroindústria, devido, principalmente, ao papel da Embrapa e em algumas atividades estratégicas sob controle nacional, caso dos setores de petróleo e aeronáutico. Por outro lado,

[...] a incompreensão das particularidades do processo inovativo e de suas conseqüências [sic] para o desenvolvimento tem levado a equívocos que impedem avançar no sentido de criar propostas e implementações políticas que dêem [sic] conta dos desafios e oportunidades colocados atualmente à sociedade e à economia brasileira (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 35).

Ao analisarem a evolução da inovação e das políticas industriais e tecnológicas, Cassiolato e Lastres (2005) assegura que já nos anos de 2000, influenciada por dois grandes programas de pesquisa empírica, o Projeto SAPPHO realizado sob a coordenação de Chris Freeman no Science and Technology Policy Research (SPRU) da Universidade de Sussex e a Yale Innovation Survey (YIS) realizada nos EUA, a inovação deixou de ser vista como um processo linear, isolada, e passou a ser entendida como um processo cumulativo, específico da localidade e conformado institucionalmente.

No primeiro projeto, ao se comparar 50 inovações que tinham obtido sucesso com aquelas que não se concretizaram, os resultados demonstraram que

as ligações com fontes externas à firma de informação científica e tecnológica

– os inovadores que tinham obtido sucesso, apesar de possuir seu próprio

laboratório interno de P&D faziam uso considerável de fontes externas, enquanto os casos de insucesso eram caracterizados por falhas de comunicação com as mesmas; e a preocupação com as necessidades dos

usuários e formações de redes – inovações que falharam eram caracterizadas

por falta de comunicação com os usuários, ao passo que as que tinham tido sucesso caracterizaram-se por tentativas explícitas de entender as necessidades dos usuários, quase sempre através de processos cooperativos e interativos (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 35, destaque dos autores).

A YIS realizada nos EUA concentrou-se no entendimento das estratégias das grandes empresas norte-americanas para o desenvolvimento de novos produtos e processos. Os resultados obtidos demonstraram

a relevância de fontes de informação externas à firma, em particular as associadas, principalmente, aos fluxos de conhecimento entre agentes produtivos da mesma cadeia de produção e, em escala reduzida, à universidade. Os resultados da YIS mostraram ainda que a freqüência [sic] e intensidade das relações de cooperação dependem significativamente de políticas públicas direta ou indiretamente voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 36).

Cassiolato e Lastres (2005, p. 36) considera, também, que a Technical Change and Economic Policy (OECD) produzida em 1980 por um grupo ad hoc de assessoramento em Ciência, Tecnologia e Competitividade, composto por François Chesnais (do próprio DSTI), Christopher Freeman, Keith Pavitt (ambos ex-integrantes do DSTI) e Richard Nelson, entre outros, foi “o primeiro documento de política de inovação elaborado por um organismo internacional a desafiar as interpretações macroeconômicas tradicionais para a crise dos anos 70 e que enfatizou o papel das novas tecnologias para sua eventual superação” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 36). Ressaltando que, como a partir do trabalho desse grupo os países avançados passaram a reconhecer que as decisões e estratégias tecnológicas são dependentes de fatores muito mais amplos, tais como dos setores financeiros, dos sistemas de educação e de organização do trabalho, estava evidenciada a existência de um sistema nacional de inovação. Ao considerar os condicionantes do quadro macroeconômico, político, institucional e financeiro específico de cada país, esse sistema passou a servir de base para se entender a dinâmica do desenvolvimento industrial e tecnológico e a propor políticas adequadas para sua mobilização. Com base em uma abordagem integrada para questões sociais, econômicas e tecnológicas o conceito de sistema nacional de inovação passou a subsidiar os estudos e análises sobre a formação de redes de cooperação e parcerias estratégicas, fundando-se na importância do conhecimento tácito e para implementação de políticas estratégicas.

Assim, levando em consideração as argumentações apresentadas, o conceito de sistema de inovação pode ser descrito como um conjunto de instituições que se articulam entre si para o desenvolvimento da capacidade inovativa e de aprendizado de um país, região, setor ou localidade, por meio de elementos e relações que interagem na produção, difusão e uso do conhecimento.

A idéia [sic]básica do conceito de sistemas de inovação é que o desempenho inovativo depende não apenas do desempenho de empresas e organizações de ensino e pesquisa, mas também de como elas interagem entre si e com vários outros atores, e como as instituições – inclusive as políticas – afetam o desenvolvimento dos sistemas (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 37).

Portanto, por ser a inovação um fenômeno sistêmico e interativo, caracterizado por diferentes tipos de cooperação, os processos de inovação que ocorrem nas empresas são, em geral, gerados e sustentados por suas relações com outras empresas e organizações.

Como os sistemas de inovação são ferramentas que permitem interpretar e orientar os processos de criação, uso e difusão do conhecimento, de forma a se compreender as mudanças técnicas e as trajetórias históricas do desenvolvimento, a “capacidade inovativa de um país ou região é vista como resultado das relações entre os atores econômicos, políticos e sociais, e reflete condições culturais e institucionais próprias” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 37). De forma que o enfoque sistêmico do sistema de inovação auxilia no entendimento de como os diferentes países se inserem na economia e na geopolítica mundial.

Portanto, o conceito de inovação ultrapassa os processos de mudanças radicais na fronteira tecnológica e na P&D, estendendo-se a novas formas de produzir bens e serviços, independentemente de serem novos ou não. Uma vez que, na geração e uso de conhecimentos de relevância para fins econômicos, a maior importância está no contexto e na geopolítica.

Ao se considerar a inovação um processo cumulativo e específico ao contexto determinado se desmistifica ideias simplistas sobre as possibilidades de geração e difusão de tecnologias em países menos desenvolvidos. “Tal ênfase torna claro que a aquisição de tecnologia no exterior não substitui os esforços locais. Ao contrário, é necessário muito conhecimento para poder interpretar a informação, selecionar, comprar (ou copiar), transformar e internalizar a tecnologia importada” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 38). Prova disso é que nas últimas décadas, como regra geral, os Estados passaram fomentar o desenvolvimento produtivo e tecnológico, principalmente nos setores estratégicos, por meio de políticas de desenvolvimento e difusão de novas tecnologias e de cooperação nas áreas de pesquisa genérica de longo prazo. Também passaram a promover a consolidação das bases regionais para o desenvolvimento tecnológico, reforçando as malhas de pequenas e médias empresas consideradas estratégicas para o desenvolvimento e o crescimento econômico doméstico.

Portanto, as novas políticas centradas na promoção de sistemas de inovação e nas relações entre empresas e demais agentes diferem das políticas baseadas nas antigas visões dicotômicas e lineares de inovação. Por isso, políticas governamentais devem estimular a

formação de novas instituições e organizações de natureza coletiva, estimulando as empresas e demais agentes locais a interagirem entre si. Devem, também, incentivar os projetos de pesquisa e desenvolvimento conjuntos, preservando as ações de apoio público à infraestrutura científica e tecnológica. Além de atuar no sentido de fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa, seguindo uma estratégia de planejamento de longo prazo. Ao se reforçar as instituições científicas e tecnológicas, tais políticas acabam por influenciar a interação entre diferentes agentes, tornando a geração, aquisição e difusão de conhecimentos processos interativos e simultâneos. Por esses mecanismos, os próprios países, ao identificarem a perda de competitividade em suas respectivas cadeias produtivas, em virtude de maior eficiência de outros competidores, podem se reestruturar a partir da organização de processos cooperativos entre produtores das respectivas cadeias, envolvendo produtores de bens de capital, centros públicos de pesquisa, empresas locais, sob a coordenação conjunta do governo e da iniciativa privada, de forma a reorganizar o sistema de produção e de inovação nessas cadeias. O que pode trazer bons resultados em termos de mudança no padrão de especialização e de maior agregação de valor no próprio país.

As ações de política voltadas para o estímulo de processos de cooperação e interação entre empresas, e entre estas e outras organizações dos sistemas nacionais de inovação, têm obtido resultados significativos. Apesar das dificuldades metodológicas para mensurar processos de cooperação, as evidências disponíveis têm confirmado a sua generalização. De acordo com dados da II European Community Innovation Survey, mais de 30% das empresas européias [sic] responderam dispor de arranjos cooperativos com diferentes parceiros, voltados para a inovação. Nos países nórdicos, esta percentagem é ainda maior do que a média européia [sic], com mais de 60% das empresas inovadoras declarando utilizar algum tipo de cooperação (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 40, destaque dos autores).

Pelo exposto, cabe, finalmente, ressaltar a importância de se recomendar melhor direcionamento do orçamento governamental para P&D a projetos de colaboração, envolvendo várias associações de pesquisa, consórcios industriais e centros de pesquisa geridos por grupos de empresas, a fim de fornecer as condições necessárias para que as indústrias de alta tecnologia se transformem em empresas de capital local. Uma vez que a inovação implica em cooperação e divisão de atribuições entre Estado e setor privado, envolvendo os fenômenos sociais, tais como o aprendizado de agentes e grupos e os próprios conflitos sociais e políticos a eles associados que precisam ser mediados. O envolvimento do Estado se mostra necessário, ainda, para administrar os problemas de instabilidade da moeda, taxas de câmbio, taxas de juros,

confiança no sistema bancário e de crédito, dentre outros. Por isso a necessidade de países como o Brasil se valerem dos sistemas de inovação para inspirar novas políticas nacionais.