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3. A componente comportamental da Formação Profissional

3.2 A Formação no campo comportamental

Como vimos anteriormente, a actual sociedade que em vivemos exige uma maior intervenção da capacidade humana em detrimento de procedimentos mecanizados e da apologia da tecnicidade. A actual conjuntura apela à criatividade e à inovação na procura de novas soluções para problemas novos. Assim sendo, a formação profissional é chamada a desenvolver práticas e métodos de ensino que visem potenciar comportamentos adequados às novas exigências, ou seja, comportamentos de antecipação, de criatividade, de inovação, de adaptação287. A resistência à

282

FERREIRA, J.M. Carvalho, NEVES, José, CAETANO, António, op. cit.

283 Idem.

284 Portugal: Grandes Opções do Plano 2005-2009, Lisboa, 2005 285 BERBAUM, Jean, Aprendizagem e Formação, Porto Editora, 1993

286 Truelove citado por MADUREIRA, César, A Formação Comportamental no contexto da Reforma da Administração Pública

Portuguesa, INA, 1.ª Edição, Oeiras, 2004, p.152

287 MADUREIRA, César, A Formação Comportamental no contexto da Reforma da Administração Pública Portuguesa, INA, 1.ª

mudança pode ser induzida ou inibida, e tal depende não só do tipo de cultura existente numa dada organização, mas também do tipo de formação que é ministrada. Determinadas acções de formação pode constituir um valor acrescentado numa estratégia de mudança. Na generalidade, as técnicas comportamentais que visam inclusive, a melhoria da produtividade são eficazes, nomeadamente as que implicam acções de formação288.

Neste sentido, quanto à sua natureza, a formação pode ter como objectivo o conhecimento, a técnica, o comportamento, e o desenvolvimento pessoal. O conhecimento visa o saber-saber, a técnica visa o saber-fazer, o comportamento visa o saber-ser, e o desenvolvimento pessoal visa todos os saberes mencionados289. Neste caso específico, falamos da formação na vertente comportamental, na vertente do saber-ser. A formação comportamental visa actuar ao nível das atitudes, tendo em vista desenvolver novas competências ou potenciar as actuais. Com efeito, grande parte do nosso comportamento, é efectivamente aprendido290 e pode ser moldado. A formação comportamental apresenta-se genérica e não pretende ensinar um novo procedimento técnico, apresenta-se “com responsabilidades de criação, consolidação ou de mudança dos

factores atitudinais (entenda-se atitude como uma predisposição à alteração de um comportamento)

e comportamentais no desempenho”291

. Esta formação visa transmitir práticas destinadas a melhorar o desempenho dos trabalhadores através de modelação do comportamento, relacionamento interpessoal, entre outros292. Os seus objectivos querem-se precisos com propósitos distintos da formação técnica. Mais, num ambiente de reforma administrativa, como é aquele em que vivem muitas administrações, nomeadamente a Administração Pública portuguesa, haverá todo o interesse em que a formação comportamental contribua de forma activa para “uma

consciencialização colectiva da necessidade de mudanças do comportamento organizacional que

se adequem e que reforcem a implementação da reforma e a modernização dos serviços”293

. Não obstante, num estudo efectuado sobre a formação na Unia Europeia294, a formação no âmbito do saber-ser tem uma expressão de apenas 5%, contra 21% do saber-fazer e 74% do saber, o que traduz um longo caminho que ainda terá de ser percorrido no âmbito da cimentação da formação comportamental.

288 CUNHA, Miguel Pina, et al. op. cit.

289 CAMARA, Pedro B., GUERRA, Paulo Balreira, RODRIGUES, Joaquim Vicente, op. cit. 290

FERREIRA, J.M. Carvalho, NEVES, José, CAETANO, António, op. cit.

291 MADUREIRA, César, A Formação Comportamental no contexto da Reforma da Administração Pública Portuguesa, INA, 1.ª

Edição, Oeiras, 2004, p.161

292 CUNHA, Miguel Pina, et al. op. cit.

293 MADUREIRA, César, A Formação Comportamental no contexto da Reforma da Administração Pública Portuguesa, INA, 1.ª

Edição, Oeiras, 2004, p.161

294 HOVEN, Rutger van den, La formation européenne destine aux hauts fonctionnaires des Etats members de L’Union européenne,

Não se afigura fácil nem imediata a mudança de comportamento dos funcionários que durante décadas foram “formados” para obedecer à lógica de regras e dos procedimentos295. Importa no entanto relevar que, não obstante a noção da importância da formação na área comportamental, é necessário que haja receptividade à mesma, ou seja, que haja confluência entre esta, a estratégia da organização e o modelo de organização do trabalho. Deste modo, não será de estranhar a ausência de formação comportamental enquanto instrumento a potenciar num processo de mudança, se pela estratégia da organização não houver lugar à temática do comportamento organizacional e/ou se o modelo de organização do trabalho estiver longe de uma perspectiva antropocêntrica. Por mais que se enfatize a necessidade de alteração de comportamentos, de valores éticos e sociais, tal não acontecerá apenas por legislação ou recomendação. A reforma administrativa que teve lugar nos anos 90, foi considerada um fracasso pela falta de envolvimento dos funcionários no processo de reforma, pela falta de formação adequada que promovesse um comportamento conducente à mudança296. A nosso ver, uma Administração flexível e apta a operar na sociedade da informação e do conhecimento, exige pessoas qualificadas e preparadas para a mudança, que por si só constitui um processo gerador de insegurança297. Para isso é necessária formação, nomeadamente ao nível comportamental. “Nada muda se as pessoas não mudarem298”.

Relevamos, no entanto, que urge uma política de formação comportamental, na medida em que sentindo-se no presente a sua efectiva necessidade, os resultados de um programa de formação comportamental só darão resultados a médio prazo299. Mas para que estes resultados tenham lugar, sobretudo se falamos em mudanças comportamentais, é necessário que depois de cada acção de formação, haja espaço para aplicar os conhecimentos apreendidos no local de trabalho, sob pena de se perderem os recursos investidos na formação. Sobre este tema, lembramo-nos das palavras de Winston Churchill: “Olhar é uma coisa. Ver aquilo que se olha é outra. Compreender aquilo que

se vê é outra coisa. Aprender a partir de que se compreende é, ainda, outra coisa. Mas agir com

base no que se aprendeu é o que realmente interessa.”300

Acrescenta-se também que, face às elevadas médias de antiguidade e idade médias dos efectivos da nossa Administração, que analisaremos mais à frente, evidencia-se uma maior preponderância na

295 MADUREIRA, César, A Avaliação da Formação na Administração Pública Portuguesa, in Lusíada. Economia e empresa, Série II,

n.º 4, Lisboa, 2004

296 ROCHA, J.A. Oliveira, A Administração Pública em Portugal, Universidade do Minho, Braga, 1997 297 CAMARA, Pedro B., GUERRA, Paulo Balreira, RODRIGUES, Joaquim Vicente, op. cit.

298

BILHIM, João, op. cit.

299 CAMARA, Pedro B., GUERRA, Paulo Balreira, RODRIGUES, Joaquim Vicente, op. cit. 300 A Reinvenção da Função Pública, 3.º Encontro INA, Oeiras, INA, Março 2002, p.431

intensidade da resistência à mudança que se quer efectivar301, sobretudo se a mesma se mostrar ameaçadora. As reformas da Administração Pública sempre tiveram em conta a codificação dos princípios e expectativas de comportamento dos funcionários públicos302. No entanto, o comportamento humano não pode reduzir-se a essa mera codificação, e em questões de reformas, exige uma explicação clara a fim de as mesmas se tornarem perceptíveis.

3.2.1 A Ética como alicerce necessário

“Training must go beyond simple Job qualification and should also seek to reinforce

important public service values, such as high ethical standards, equal opportunity, non-

discrimination, transparency, accountability and responsibility.”

303

Quando falamos de profissionalismo no sector público evocamos características como lealdade, neutralidade, transparência, diligência, pontualidade, imparcialidade, entre outros valores importantes, implicando também alguma formação comportamental no âmbito da ética304. Com efeito, “a importância da questão da ética na vida pública e, muito especialmente na actividade

profissional de todos quanto são chamados a gerir interesses e recursos públicos tem vindo a

constituir crescente motivo de reflexão”305

. Relevamos esta temática por considerar que um funcionalismo público ciente dos alicerces de um efectivo profissionalismo, a par de uma sólida infra-estrutura ética, abarca melhores condições para exercer as suas funções públicas, nomeadamente num processo de desenvolvimento da Administração electrónica e de constituição de bases de dados informatizadas com dados pessoais dos cidadãos. E neste sentido, a formação comportamental assume-se como um meio ideal de veiculação desta infra-estrutura ética. Aliás, uma das críticas apontadas às Administrações é a falta de atenção dada à questão dos valores e atitudes dos seus funcionários306. Neste campo, a formação comportamental surge de novo como uma aliada no processo de interiorização de códigos éticos, uma vez que a “a norma só se torna

valor quando se interioriza”307

. Numa sociedade do conhecimento que se mostra cada vez mais

301

MADUREIRA, César, A Formação Comportamental no contexto da Reforma da Administração Pública Portuguesa, INA, 1.ª Edição, Oeiras, 2004

302 UNITED NATIONS, Role of human resources in revitalizing public administration, Committee of Experts on Public Administration,

Third Session, New York, 29 March-2 April, 2004

303 9.ª Conclusão do Encontro sobre Desenvolvimento dos Recursos Humanos no Serviço Público citada por AEBERHARD, Jane

Hodges, Comparative study of contents of civil service statutes, Document n. º 5, ILO, Geneva, 2001.

304 UNITED NATIONS, Role of human resources in revitalizing public administration, Committee of Experts on Public Administration,

Third Session, New York, 29 March-2 April, 2004, p. 12

305 MOREIRA, José Manuel, Ética, Democracia e Função Pública, in Revista de Administração Local, n.º 176, Ano 23, Março-Abril,

2000, p. 194

306

UNITED NATIONS, Role of human resources in revitalizing public administration, Committee of Experts on Public Administration, Third Session, New York, 29 March-2 April, 2004

uma sociedade da informação e do digital, de modo a corresponder às necessidades e expectativas do cidadão, os princípios e valores básicos do serviço público, deverão manter-se intactos e puros308. De facto, “um dos objectivos dos códigos de conduta é auto-regular a própria actividade,

antes que a legislação laboral o faça por nós.”309

Neste contexto, a formação indutora de mudança comportamental deverá ser uma forte aliada, até porque a ética nem sempre coincide com a legalidade310.

308 ALI, Tan Sri Abul Halim, op. cit.

309 MOREIRA, José Manuel, A Ética Contextualizada: a Pessoa, o Profissional, a Empresa, a Organização, in A Ética no Contexto da

Sociedade do Conhecimento e da Informação, Ordem dos Engenheiros, 5 de Novembro de 2004

Capítulo II

A Formação como factor de desenvolvimento: o caso da Administração Pública

Portuguesa