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A Formação da Pessoa: o Processo de Tornar-se si Mesmo

D. Unidade da pessoa humana

4.2.5 A Formação da Pessoa: o Processo de Tornar-se si Mesmo

O ser humano ao ser lançado no mundo é formado pelo seu ambiente que o circunda, e é influenciado por este, pois, muitas vezes suas potencialidades podem ser transformadas das suas condições naturais, pelas externas onde está vivendo. Isso não impede que ao receber as contribuições culturais, a pessoa possa discernir e agir na criação de transformar a realidade que está à mercê, o que contribui na sua própria formação pessoal (STEIN, 1999a; 2000b). O ser humano é livre e responsável pelas suas ações, por isso, ao tomar decisão deve ser pensado duas vezes antes de agir porque não se pode voltar o tempo atrás. O processo de formação do indivíduo parte deste reconhecimento de característica ativa na participação e na construção sociocultural que é constituída.

Um ponto importante é “a ideia da formação”, escrito por Stein (1999a), aparece numa conferência, em que ela apresenta diversos conceitos. O primeiro se refere ao conhecimento que não é apenas “posse externa de conhecimentos e, sim, a forma que a personalidade humana assume sob a influência de múltiplas forças vindas de fora, ou então o processo dessa moldagem” (STEIN, 1999a, p.137). Trata- se de formar uma matéria (vir-a-ser) e criar nela uma forma ou uma imagem, ou seja, a formação pressupõe um modelo a ser matéria (corpo) em que atua. Garcia (1988) afirma, na mesma linha da autora, que a pessoa não é formada somente com o aspecto intelectual, que deve somente memorizar os conteúdos, e na transmissão de aspectos morais, mas que a pessoa deve aprender valores e praticá-los. Todo ser humano tem esse bem interno e a partir daí se podem desenvolver valores, sendo que cada um deve priorizar determinados valores que vão ao encontro com a sua meta, com sua vocação.

Ao formar uma matéria é necessário, primeiro, saber responder quais são as características particulares dessa matéria que se deseja formar, seja ela matéria animada ou inanimada. Stein (1999a) discute iniciando com as categorias da filosofia aristotélica- escolástica com uma certa maleabilidade e uma predisposição, ao passar pelo processo de formação.

A autora antes de explicar a matéria animada, introduz o que é a matéria inanimada - seriam os objetos que são suscetíveis a uma forma exterior e servem de modelo ou imagem mental, partindo de uma ideia a priori, em que sejam respeitadas as características essenciais destes objetos: consistência, elasticidade, densidade. Essas características oferecidas para os objetos plasmados são

introduzidas apenas exteriormente. Ao entrar no reino das matérias animadas que são três: vegetal, animal e ser humano, elas devem se partir que a formação da matéria vem de dentro, tendo os seus limites e possibilidades.

Ao avaliar a matéria vegetal, as plantas, pode-se identificar a existência de um processo formativo que tem um interior e lhe dá uma direção para o desenvolvimento e uma definição de suas propriedades específicas. Este se formar do interno vem indicado por Tomás de Aquino como forma interior ou alma, reconhecida como princípio vital, alma

vegetativa21 ou entelechia22 de acordo com Aristóteles.

Compreendemos, neste modo, que o processo de formação tem um fim, que tende a uma determinada forma. Este fim é a estrutura desenvolvida e articulada que age do interno, para manter-se nesta forma - precisamente age de maneira que cada membro cumpra de um modo particular o âmbito total, é isto um organismo, pelo qual o todo é organismo, mas que vai além de si, produz a partir de si outras formas do mesmo tipo. (STEIN, 2000b, p.76).

Com isso, pode-se dizer que a unidade pessoal assume a “alma vegetativa” que é inteiramente forma corporal, vida interior que vai se desenvolver, conforme o modo como são respeitadas pelas influências externas, como o mundo natural, e a atitude humana pode florescer seu potencial como pode secar e morrer. Pode se dizer que as características do ser das plantas, no seu processo de formação, podem crescer no sentido de adquirir resultados mais eficientes à sua natureza (STEIN, 2000b). Segundo a cosmologia, o mundo criado se apresenta com uma série hierárquica de formações: coisas materiais, plantas, animais, seres humanos e puros espíritos.

Os níveis se delimitam por princípio um do outro de modo tal que com cada um é dado qualquer coisa de novo. Não são privados de ligações recíprocas, vale dizer que no grau de ‘volta em volta superior’ é conservado isto que é próprio daquele inferior (somente os puros espíritos não valem, a motivo da livre liberdade da matéria, isto é, a causa da materialidade, é própria da criatura terrena). Age, consequentemente em cada nível uma lei de continuidade (...) (STEIN, 2000b, p. 78).

21 Alma vegetativa: é o princípio vital interior que tem como funções a alimentação, o crescimento e a

reprodução (STEIN, 2000b, p.94).

22 Entelechia: origem grega. Em Aristóteles indica a perfeição de um ente que é em ato e não mais em

potência que alcança o seu fim. Entelechia é nos seres viventes, a alma. A entelechia é consequentemente um conceito lógico-ontológico, não biológico; é também perfeição atuada em oposição ao ato em via de fazer-se (Morselli, Emilio. Dizionario di filosofia scienze umane, Milano: Carlo Signorelli Editore, 1997).

Cada ser humano na sua formação tem um nível superior e um inferior. A cosmologia se apresenta como um problema do ser humano ligado a todo o mundo real e à distinção entre os âmbitos da realidade. São Tomás de Aquino interpretado por Stein (2000b) afirma que ser homem é tudo o que é em virtude de uma forma interior que é a alma racional, que é diferente da alma das plantas e dos animais, porém contém em si, como parte inferior, tudo o que é próprio daqueles.

A alma se expressa através do corpo vivente que é provocado por um estímulo que influencia a si mesmo e à própria vida interior em mostrar-se de um modo acessível aos sentidos. Isto que emerge por via do corpo é uma interioridade num sentido mais próprio, e não somente perceptivo que vem do externo e reage ao externo. Essa é chamada alma sensitiva ou animal que é caracterizada pela sensibilidade (abertura sensível), liberdade23 de movimento no espaço e está ligada

aos sentidos sensoriais (visão, audição). Há uma unidade de equilíbrio; não uma unidade entre duas substâncias separadas, mas uma matéria formada de modo vivo, no qual a forma se mostra na matéria e se exprime, na contemplação interior, compreensão e atualização da “vida na alma” (STEIN, 2000b). Há um significado particular dos animais, de um lado, como expressão da vida psíquica e do caráter específico, de outro como distinção entre animal e humano.

Tem uma série de categorias que classificam a multiplicidade da vida psíquica atual. Não será uma enumeração exaustiva. O “corpo vivente” não é somente um corpo material, também tem alma (Durchseelter); e pergunta se aí há algo de “corpóreo”, e como se juntam no corpo vivente as leis da natureza material, do mundo orgânico e do mundo animal. São Tomás escrito por Stein (2000b) abrange o todo deste corpo e, ao mesmo tempo, estrutura tudo isto numa multiplicidade de membros pertencentes à mesma alma. O termo espécie indica não somente a forma de agir do ser humano, mas a totalidade da formação real. A unidade da espécie não é unicamente coletiva, mas genética. O tender do indivíduo, a espécie não tem somente o sentido de formar a si mesmo como exemplo da espécie, mas de gerar a partir de si novos exemplos.

A alma humana tem existência própria e superior à do corpo. Stein chama de

alma intelectiva. “A alma intelectiva deve constituir, formar e governar a si mesma e

ao mesmo tempo construir um mundo no qual ela possa viver e operar: seu ambiente é um mundo espiritual(...) nela há formação do ânimo e formação da pessoa inteira, do homem uno corpo e alma” (MAHFOUD, 2005, p.7). Na pessoa, a

23 Liberdade: não significa livre arbítrio. Refere que o movimento animal é determinado do exterior e do

interior, com base em lei e é resultante da soma dos dois sentidos (STEIN, E. La struttura della persona umana. Roma: 2000b, editrice Città Nuova).

matéria a ser formada não está à mercê do externo, como o vento (sem direção), ou a argila, que se pode ser moldada como quiser, de um modo passivo, mas constitui- se uma matéria viva que está em processo de desenvolvimento desde o seu começo, partindo de dentro. A força germinativa do ser humano é a alma humana, que porta em si uma potência e que espera que se cresça em um determinado caminho, chegando a uma “certa estrutura que é a personalidade madura, totalmente desenvolvida, uma personalidade com características individuais claramente definidas” (STEIN, 1999b, p.137).

O que significa que o “eu” deve formar a si mesmo? O eu e o si mesmo significam a mesma coisa? Sim e não. Si mesmo é onde já se encontra a reflexão. Seria a pessoa formada, enquanto o eu, é uma matéria que ainda não está formada (completa). Por exemplo, o bebê ainda não tem a capacidade de dizer por si mesmo, pois ainda é apenas um eu, uma “matéria” para a formação através da atividade do eu, ou seja, através da intersubjetividade com a mãe ou substituto formador (MAHFOUD, 2005). Stein (2000b) explica que se decide em cada momento, define não apenas a estrutura da vida atual presente, mas é fundamental para isto que eu, ser humano na sua própria inteireza, torna-se.

Segundo Stein (1999c), nos seus escritos psicopedagógicos do “Ser Finito, Ser Eterno” que fala do Ser pessoal do indivíduo e mostra uma abertura do Ser Eterno, onde se pode chegar ao verdadeiro encontro com o Ser pessoal no qual se verifica o ser em sua Plenitude: “Seu Eu é um presente eternamente vivo, sem início nem fim, sem erros nem escuridão”.

Stein (2000b) deixa bem fundamentada sua contribuição ao se referir a si, humano, não se limitando apenas a um desenvolvimento completo corpóreo, psicológico, se não chegar a atuar com a sua capacidade do espírito em sua corporeidade, com suas qualidades psíquicas e espirituais, consultando um horizonte de possibilidades, e limites, na sua capacidade de mudança e desenvolvimento pessoal. Nada seria suficiente se não contribuísse para formação pessoal de tornar-se si mesmo. O esforço da pessoa em sempre buscar ser e fazer algo mais é infinito, nenhuma coisa e ninguém podem ser capazes de limitar a pessoa frente às possibilidades oferecidas no mundo, que se abre a si e se permite fazer uma atualização e crescimento pessoal. É esse dinamismo que permite cada indivíduo tornar-se mais si mesmo. Para a autora a vontade se abre pelo meio espiritual, através das três particularidades: sentir, querer e conhecer. Esses são os três elementos essenciais da constituição do eu da pessoa. Eles acontecem

simultaneamente num único ato, e se o outro está aberto, esse sentir é uma forma de conhecer.

Já a intuição espiritual nutritiva “assume o estímulo à ação - sente-se levada a fazer com que a própria essência, aquela que interiormente a plasma, demonstre a própria eficácia no exterior, em atos e obras que a testemunhem: é uma parte essencial da personalidade” (MAHFOUD, 2005, p.8). Ales Bello (1998, 2004a, 2006a, 2009) apresenta com propriedade Stein, com um novo olhar de fazer pesquisa, um modo diverso de compreender e analisar o ser humano, o pesquisador também sofre a análise, tornando-se participante na investigação. Isso possibilita mergulhar e fazer uma correlação entre a interioridade e a exterioridade que se mostram nos desdobramentos das análises desenvolvidas e na sua trilogia fenomenológica (físico, psíquico e espiritual); as suas vivências, o modo como foi intuído pelo sujeito e o sentido desse dado.

5 AS ESPECIFICIDADES DA BUSCA RELIGIOSA PELA PESSOA

Para compreender o fenômeno religioso se indicam duas importantes interpretações de Van der Leeuw e de Stein que se combinam e se completam para este estudo, que serão apresentados a seguir.