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4.1 Fenomenologia e Ciências Humanas: a Questão Epistemológica

4.1.3 Fenomenologia e Psicologia

A psicologia se interessa pela Fenomenologia Husserliana porque como filósofo ajuda a solucionar os problemas que as ciências humanas não podiam resolver sem a base filosófica. A visão das ciências era muito positivista, e frente a essa redução da ciência, foi eliminada toda a subjetividade da consciência, na sua interioridade que abriga e oculta os estados psíquicos (DARTIGUES, 1992). As indagações desses problemas da subjetividade começaram, por volta do século XIX e início do século XX. A crise foi intensa nas ciências, pelo motivo de não ter construído uma base segura da razão, na qual o positivismo e as chamadas ciências da natureza dominaram o território, no desenvolvimento da investigação humana, estabelecendo-se como modelo único para psicologia e outras ciências (GOTO, 2008).

Nesse período ocorreu uma manifestação de algumas áreas da psicologia e filosofia contra as ciências da natureza e o positivismo, apresentando as considerações dirigidas à consciência e à subjetividade humana (razão), sendo que o método tem outra base de orientação que é voltado para as novas questões metafísicas de construção do conhecimento e/ou, com conhecimentos alternativos vindos de análises próprias e do desenvolvimento das cosmovisões.

Em uma conferência realizada em Praga, em 1935, Husserl (2007b) refere-se às questões essenciais do homem que estavam sendo eliminadas da existência, como o sentido da vida, do mundo, o valor da existência, da história porque as ciências positivistas não têm esta preocupação com a subjetividade, e sim com a objetividade que determina todo o seu método científico (GOTO, 2008).

Percebe a insuficiência das ciências positivas abrangerem os fenômenos que iam além da ordem do mundo objetivo físico-natural como do espírito (Geist) ou da consciência anímica ou alma (Seele), sendo estes não reduzidos somente à matéria que fez surgir a psicologia, como uma disciplina fundamental no conjunto das ciências, mas tem como meta explorar e abranger o que a ciência natural não foi capaz de fazer na área dos fenômenos psíquicos.

Husserl (1991, 2007a) esclareceu que a crise das ciências europeias é diferente da crise da psicologia científica, sendo que a primeira ocorreu pelo fato de que o problema não estaria na realidade científica, mas na fundamentação que este tem para o homem. E a crise na psicologia seria a consequência de o homem atingir o sentido da vida. Sabe-se que a psicologia é uma ciência reconhecida tardiamente, e em relação a outras ciências é considerada bem jovem (GOTO, 2008).

Já havia um projeto da psicologia desde o início da filosofia moderna, de emancipar a psicologia em relação à filosofia, pois, no início, os primeiros cursos de psicologia eram ministrados por filósofos e médicos. Goto (2008) menciona que a psicologia trata especificamente do cuidado da alma e busca compreender os fenômenos psicológicos por meio de conhecimentos teóricos sólidos. Estas compreensões, anteriormente, partiam da filosofia, sem recorrência aos métodos experimentais, e diziam que era necessário fazer uma argumentação racional (evidência dos fatos), um método e uma reflexão filosófica (dedução).

Frente a isso, Ales Bello (2004a, 2006a) faz uma consideração significativa que a filosofia fenomenológica não tratava de somente analisar o valor da ciência da natureza e redimensionar a pretensão da representação de uma consciência absoluta, mas de apreender o significado pessoal e a tomada de posição da ciência do espírito, ou seja, a psicologia procura compreender os aspectos importantes do ser humano na sua singularidade e na sua dimensão social e cultural. A psicologia ao fazer pesquisa, oscila entre o uniformismo do paradigma da ciência físico- matemática e a escolha decisiva de uma via humanística, existencial.

A crítica de Husserl (1991, 2007a, 2007b) não se origina nas perguntas a respeito da cientificidade ou utilizações das técnicas, nem de desqualificar o método praticado, mas de salientar esta oposição radical entre técnica e humanismo em nossos dias atuais. Não existe uma técnica sem uma fundamentação humana e seria inviável compreender o ser humano a partir de apenas uma teoria isolada. O que se apresenta em crise são os critérios de valores que foram concebidos, na chamada modernidade científica, e que não favorecerem o manifestar da subjetividade (GOTO, 2008).

Husserl (1991, p.323) já assinalava que o ser humano apresenta diversos aspectos, não apenas filosóficos, mas “é uma vida cuja atividade possui fins, que cria formas espirituais: vida criadora de cultura, em sentido mais amplo, numa unidade histórica”.

Husserl (1991, 2007a) apresentou no prefácio das Investigações Lógicas, traduzida do original alemão, para o português, em Lisboa, o porquê precisou

passar pela psicologia (investigar fenômenos psíquicos) para passar à fenomenologia (subjetividade transcendental). No início apresentava a fenomenologia como uma espécie de “psicologia descritiva”, porque ao fazer sua caracterização de conhecimento, não podia excluir os fenômenos psíquicos.

Depois no texto “Tarefa e significado das investigações lógicas” (2007a) relacionou o seu estudo de dez anos em torno das ideias puras da lógica e da psicologia. Nesse período, foi preciso retornar não somente à questão lógica, mas à consciência lógica, que fundamentou todo o seu pensamento, na intenção de fazer a ligação entre a lógica e a vivência lógica. Essa fundamentação não encontrou sentido para se tornar verdadeira, por ser uma incoerência chegar à subjetividade transcendental (universal) a partir de leis empíricas (HUSSERL, 2007a).

Husserl (2007a), nas Investigações lógicas, já tomou outro posicionamento, fazendo com que a fenomenologia se distanciasse da psicologia, mas, concretamente, isto ocorreu muito pouco porque ainda eram mantidos fenômenos psíquicos como fenômenos essenciais na produção do conhecimento, e surgiram duas consequências: uma luta contra o psicologismo lógico e simultaneamente, uma aproximação com a psicologia.

Na obra citada, Husserl (2007a) propôs uma nova psicologia, chamada psicologia fenomenológica pela descrição da vida psíquica e não seria outra coisa que ciência da intencionalidade, ou seja, consciência de alguma coisa, e cada conteúdo distinto na sua intuição interna. O autor critica: o que falta na psicologia científica é aprender a ter um olhar fenomenológico, porque quanto mais se investiga a pessoa externamente, menos é possível chegar a uma autêntica psicologia, e jamais conseguiria fazê-la sem reconhecer todas as dimensões humanas na sua concretude.

Em 1903, Husserl (1991, 2007a, 2007b) corrigiu inicialmente, a fenomenologia ao caracterizá-la como psicologia. O conceito mais adequado seria “psicologia descritiva”, sendo que a fenomenologia não seria semelhante à psicologia, ao contrário, ela deveria retirar toda a percepção psicológica, porque não se direcionaria ao ser psíquico na sua total realidade. O papel da Escola Fenomenológica na Psicologia seria de servir de metodologia rigorosa para fazer uma investigação da consciência, a partir dos fundamentos universalmente válidos (a priori). Desse modo, tanto a fenomenologia como a psicologia se apropriam do mesmo projeto de fundamentar e esclarecer a subjetividade do indivíduo, ou seja, descrever a genuína vida interior e a sua correlação com a exterior, de acordo com os níveis fenomenológicos. Esse método só pode vir da fenomenologia transcendental, porque só assim se encontra a possibilidade de relações

entre a subjetividade e a objetividade, evitando o rompimento indivíduo-objeto, e entre mundo teórico e mundo vivido. A fenomenologia não apenas possibilitou à psicologia o método para ultrapassar o plano empírico, como antes de tudo se apresenta como a única filosofia transcendental possível de resgatar o autêntico projeto da modernidade.

Concluindo, a psicologia como uma ciência reconhecida, com seu valor próprio e a sua função no mundo, ainda é uma disciplina jovem, está sempre aprimorando o conhecimento da pessoa.