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O Método Fenomenológico e Edith Stein: a Questão da Empatia

4.2 A Contribuição de Edith Stein para o Conhecimento da Pessoa Humana

4.2.2 O Método Fenomenológico e Edith Stein: a Questão da Empatia

Stein iniciou a fazer parte do grupo de fenomenologia de Husserl em Göttingen, em 1913, e passou a aprender o método fenomenológico e a desenvolver suas pesquisas aplicando o método na construção de uma fundamentação filosófica

rigorosa de ciências empíricas. Depois que escreveu seu primeiro importante trabalho, tornou-se assistente de Husserl, e esta tese se encontra no livro O

problema da empatia (STEIN, 2000a). Como afirma Paolo Valori (1985)18 no Prefácio

da tradução italiana de Zum Problem der Einfuhlung (empatia)19:

Fenomenologia é a filosofia do nosso tempo. Ela corresponde, efetivamente, àquela necessidade, tão percebida pelos nossos contemporâneos, de ir às coisas mesmas, de ver com os próprios olhos, e depois, descrever com exatidão e fidelidade, a realidade, assim como ela se manifesta, sem ídolos, preconceitos ou pressupostos ideológicos.

Stein (2000a) continuou a utilizar o método proposto pelo filósofo - a fenomenologia da essência - fundamentada no mundo assim como é vivido pelo sujeito. O seu ponto de partida metodológico é “voltar às coisas mesmas”, prescindindo de todo conhecimento a priori e sem preconceitos que, a princípio, são suspensas na trajetória da pesquisa que ela pretende desenvolver. Esta atitude quer dizer que, ao estudar certo fenômeno, não se deve partir daquilo que já se sabe a respeito, mas voltar o olhar para a realidade mesma e procurar observar o que se lhe apresenta como essencial, sendo esta apreendida e, após, feita uma descrição rigorosa de como o fenômeno se mostra. Stein (1999a, 2000b) reconhece que, no ser humano, existe um eu que apreende a realidade e seus sentidos, acolhendo-os em sua interioridade e atribuindo valores de acordo com seu grau de significado e se identifica aí um indivíduo espiritual ligado a este mundo.

A redução fenomenológica é descrita de modo a “colocar fora de circuito” as preocupações a respeito da existência do indivíduo, o mundo psicofísico e físico, sendo que o pesquisador observa apenas o vivido em si mesmo e pode assim, chegar ao “eu puro” do outro, à essência dos fenômenos, no seu sentido estrutural e universal, mas isto fica claro que não pretende descartar os dados da existência, apenas os elimina por um momento da trajetória (STEIN, 2000b). Aqui há dois “eu”: um “o homem real” e um “o eu puro”. Cada um é um ser humano real (eu empírico) que é sujeito de suas vivências, e que está sujeito a erros, reduções, e se relaciona com o mundo objetivo e se reconhece aí que o “eu puro” é esta função de identificar, por meio da consciência todas as vivências. Todas as pessoas têm a função

18 VALORI, P. Prefazione - Edith Stein – Il problema dell’ Empatia. Roma: Studium. 1985, p.11.

19 Garcia, J. T. Edith Stein: Ética na vida profissional. In: Anais Seminário Internacional de

estrutural e essencial que pode ser avaliada sem se referir um específico ‘homem real’. Mas, “estas funções vivem nos ‘homens reais’ e é evidenciado pela reflexão, que é a chave de todo este discurso” (ALES BELLO, 2004a, p. 180).

Quando Husserl (1991) fala deste “eu psicológico” ele se refere à individualidade do eu como “homem real” que também apresenta um “eu puro” nas suas características diferentes, que seria parte da estrutura universal do ser humano.

O objetivo da análise das vivências é compreender como uma pessoa experiencia algo específico, na sua constituição essencial de ser humano, ou seja, apreender o que é essencial em cada vivência. O que se experimenta, vive-se em atos: de ver, de tocar, de ouvir, de refletir, de imaginar, de recordar. Isso se chama o primeiro nível da consciência, que são os atos perceptivos, e um segundo nível de consciência que é o nível dos atos reflexivos. A qualidade desses atos, quando analisados, remete à corporeidade, à psique e ao espírito. Por intermédio do caminho da análise dos atos vividos (registrados na consciência), é possível explicitar que o ser humano é constituído de três dimensões dinamicamente entrelaçadas: material, psíquica e espiritual (ALES BELLO, 2004a, 2006a).

O ser humano vivencia a existência e a humanidade no outro e em si mesmo. De tudo que o ser humano participa, faz experiência de si. Quer se trate no mundo interior ou no mundo exterior, o homem sempre procura qualquer coisa que supera a si mesmo e do que existe, da qual ele e tudo isto que existe depende.

As vivências apresentam seus diferentes gêneros, como por exemplo: escutar um barulho (de algo desmoronando no prédio) e uma explosão. A primeira poderia reagir correndo impulsivamente do edifício, o que demonstraria o pânico da pessoa. Como é comum nessas situações dizerem: “não entrem em pânico, é preciso se controlar para podermos sair”, e o segundo, poderia levar o homem a abaixar-se para se proteger (ALES BELLO, 2006a, p.71). Esta primeira atitude de controle é de natureza espiritual ou racional, quando a pessoa manifesta um governo de si mesmo. A vivência do passado também faz parte do eu que permanece no futuro, e que possibilita ao homem perceber surgir uma nova vida em si a cada momento, pois carrega consigo uma história vivida e reelaborada em cada instante (STEIN, 1999b). Todas estas vivências não eliminam a unidade do fluxo de vivências que se forma, se desenvolve em período de tempo determinado, não separadamente, mas um fluxo unitário de uma vivência pode desencadear o surgimento de outra em seguida. Cada vivência se liga a outra, numa sucessão de vivências. Pode-se dizer, então, que o “fluxo é uno porque provém de um eu” (STEIN, 1999b, p.52). Deve-se

fazer atenção que cada vivência possui suas características e se distinguem: 1) de um conteúdo que é recebido na consciência; 2) da vivência deste conteúdo ou do modo como a consciência apreende ou capta esse conteúdo; 3) da consciência desta vivência, seja ela de maior ou menor medida, sempre acompanha o viver e, por isso mesmo, pode ser chamada a própria vivência de consciência (STEIN, 1999b).

No primeiro caso, se destaca que no âmbito do conteúdo vivido existe uma diferença entre dois tipos: não-egológicos e egológicos. O primeiro diz respeito àqueles que estão diante do eu e que são apreendidos com sensibilidade, assim como também os outros indivíduos podem captar, e o segundo se refere aos conteúdos que pertencem ao sujeito da vivência, como sente as coisas e das quais apreende um valor e um significado. O que vai diferenciar um do outro é a intensidade e a forma como são vividos estes conteúdos: os não-egológicos que emergem de uma tensão maior para uma determinada coisa em maneira mais clara e mais vivaz para o indivíduo, enquanto os conteúdos egológicos apropriam-se totalmente da pessoa. “A diferença da clareza da consciência corresponde aos graus diferentes de tensão da vivência. Quanto mais intensa é a vivência, mais clara e desperta é a consciência disso.” (STEIN, 1999b, p.53).

É na experiência de intropatia, ou empatia que possibilita viver a intersubjetividade com o outro que é semelhante a mim. Tanto Husserl como Stein reconhecem e enfatizam a dimensão espiritual constitutiva do indivíduo (ALES BELLO, 2006a). Ao iniciar a pesquisa, observa-se fisicamente o sujeito como se apresenta no seu modo de vestir, falar e mover-se, se revela à primeira vista, o seu estado social, a sua profissão e também a sua posição social. No primeiro encontro, dependendo como é estabelecido, já se pode perceber como a pessoa é, na sua essência e no seu caráter. Os sinais se manifestam na face da pessoa, pelo seu olhar, das vibrações da sua voz, das quais não se é completamente conscientes. Enquanto que ao falar toca o outro interiormente, e a reação é de afastamento ou de aproximação. Cada indivíduo é único e peculiar, tem uma relação interior mais ou menos profunda consigo mesmo, estando presente em cada encontro vivido.

Já a convivência estável com o outro, é exterior e universal, e na maioria das vezes desaparece de frente a si o que é interior e pessoal. O acordo recíproco se realiza mais explicitamente estando com um, e com o outro de modo duradouro e de conhecimento, ocorridas nas diversas comunidades; com um caminho percorrido com sua história e, em relação a isto, nasce a consciência da responsabilidade recíproca. A vida do ser humano é uma vida comunitária e é um desenvolvimento que nos condiciona reciprocamente (STEIN, 2000b).