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Reflexões sobre o Discurso dos Pacientes com Câncer à Luz de Stein

D. Unidade da pessoa humana

8.1 Reflexões sobre o Discurso dos Pacientes com Câncer à Luz de Stein

O pesquisador parte de seu interior para apreender e compreender, através da empatia, as vivências dos pacientes com câncer na sua essência as suas características, e como atribuem sentidos às experiências vividas. A partir da

29Diferentemente de outras teorias o ser humano, é também ser espiritual. Do ponto de vista filosófico,

fala-se em pessoa. Tanto Husserl quanto Stein referem o termo “pessoa” enfatizando o reconhecimento da sua dimensão espiritual constitutiva (ALES BELLO, 2006).

análise das entrevistas dos pacientes com câncer, conforme apresentada anteriormente (capítulo 7), emergem os seguintes núcleos significativos (tipologias), seguindo a análise estrutural e essencial à luz da filósofa fenomenóloga Stein:

1 A identidade pessoal: pessoa e centro pessoal (tornar-se mais si mesmo) 2 Os aspectos da afetividade nos pacientes

3 Os pacientes com câncer e sua família

4 O relacionamento do paciente com os outros (amigos e profissionais de saúde)

5 Religiosidade

1 Identidade pessoal: pessoa e centro pessoal

O tema inicial da análise fenomenológica em Stein é compreender quem é a pessoa em estudo e como se constitui sua identidade pessoal que, neste caso, é aquela que tem uma doença grave. Em geral, o ser humano tem uma estrutura única e essencial que é universal a todos, com capacidade reflexiva, inteligência e liberdade e, por isso, o conhecimento ocorre de forma diferente em cada um.

Stein (2000b, p.147) ressalta que “a forma substancial é o princípio estrutural do indivíduo humano na sua completude e é única, se bem que pressuponha uma inteira série de substâncias como condições pela sua existência”. Tudo que pertence ao corpo vivente é, ao mesmo tempo, corpo e psíquico, nomeado pela autora de “alma inferior”, que é aquele da semelhança com os animais, cujas leis fundamentais são a suscetibilidade e reação instintiva, impulsos e a “alma superior” seria o lugar central e dominante onde se podem fazer reflexões, e tomar decisões30.

Nesta visão, os pacientes com câncer se apresentam conscientes do seu corpo, percebem-se como seres limitados e finitos. Por isso, ao olharem para dentro de si mesmos, buscam algo superior. Ao observar as capacidades psíquicas destes enfermos, nota-se que expressam grande capacidade sensitiva sensorial através de seus discursos e dos sinais representados em seus corpos. É através das sensações que cada um experiencia o corpo e a mente simultaneamente e, a partir daí, pode- se conhecer a estrutura da pessoa humana. É possível observar em alguns pacientes que apresentaram comportamento de base muito ansioso, do tipo: se

30 Um exemplo apresentado pela autora de um paciente em coma. Sabe-se que não existem impulsos

de caráter psíquico ou espiritual ativos, nesse estado, mas, procura-se fazer algo para que este sujeito torne a ser o que é. Este tipo de caso não aparecerá em meu estudo.

mover muito, o olhar não se fixava e mostraram o desejo de se expressar continuamente. Remetiam-se às suas relações estreitas com os familiares e demonstravam desejo de serem “abraçados” (acolhidos) pelo pesquisador (terapeuta). Ao perceber isso, o pesquisador procurava trazer o foco da entrevista para o ponto central do estudo. Pode-se dizer que estes pacientes pareciam apresentar uma estrutura ansiosa de base, como parte de sua personalidade, sendo que ela pode ter sido aflorada no momento da descoberta da patologia (câncer).

Além das sensações, os pacientes partiam das suas capacidades intelectuais como possibilidades de acessar seus valores morais no comportamento, por exemplo, como administrar e controlar a vida com o câncer.

Stein (1999b) afirma que nem sempre e nem todas as pessoas ativam o aspecto espiritual, sendo que este é o fundamento da vida moral. Entretanto, é importante saber que todas têm o potencial para desenvolvê-lo e atualizá-lo. É necessário tempo e estar motivado (vontade) para fazê-lo.

No geral, os pacientes com câncer manifestam a sua dimensão espiritual que vai se refletir nos seus atos vividos como liberdade e responsabilidade. Esses pacientes mostram atitudes positivas ao tentar eliminar a circunstância de sofrimento e dor causados pela doença e pelo tratamento. A partir das ideias de Stein, o ser humano tem essas atitudes que ela considera como atos voluntários ou conscientes, aqueles atos de reflexões, atribuindo juízo de valor (seja positivo ou negativo) a cada ação vivida. No caso desta pesquisa, praticamente todos os pacientes entrevistados apresentaram grande desejo de viver, demonstrando que desejavam viver intensamente o presente.

Ales Bello (2006a), interpretando Stein, afirma que através da dimensão psíquica partem as reações mais fortes e espontâneas de cada ser humano, que independem de cada pessoa, como os impulsos, os instintos, as energias e as reações espontâneas. A elucidação dessa dimensão psíquica é fundamental na Psicologia, pois é através desta que se pode fazer uma avaliação clínica da estrutura da pessoa, na sua singularidade, podendo também fazer uma descrição tipológica, por exemplo, se é extrovertido ou introvertido. É possível dizer que, nesta pesquisa, os pacientes se mostraram mais extrovertidos do que introvertidos, pois manifestaram comportamentos impulsivos, como o desejo de falar de si com certo desespero.

As falas dos pacientes mostram reações impulsivas: alguns reagiam no primeiro instante com negação, com medo frente ao desconhecido, ao novo, ao não desejar fazer a cirurgia quando se descobriam com o diagnóstico de uma patologia

grave e crônica, mas depois refletiam sobre a situação. Nos discursos, apesar de os pacientes se expressarem em alguns momentos como extrovertidos, manifestavam a vivência que tinham consigo mesmos e até dialogavam com a existência de Outro com o qual falavam na “alma da alma”. Sentiam uma força Superior (Deus) que falava dentro de seu ser, que dialogava dentro de si mesmos. Eles mostravam dar- se conta disso, e se viam frente a ter de tomar decisões, pois imediatamente o que desejavam mesmo era ficar “bons”. Tentavam eliminar o “mal” (o câncer) a qualquer custo, e tomavam a decisão mais sensata que podiam: fazer imediatamente a cirurgia e/ou a quimioterapia e radioterapia concomitantemente para combater a doença maligna.

Stein (1999b) fala que as reações psicológicas diante de um acontecimento dependem de como foram vividas anteriormente outras situações difíceis e traumáticas. A filósofa chama isso de “síntese passiva” ou a operação psíquica em que a pessoa vivencia seus recursos pessoais diante de uma situação-limite. Esta é uma ferramenta essencial, quando a pessoa recupera na sua consciência variadas experiências, através da percepção, da recordação, da memória, e a realiza de maneira passiva; ela faz uma “escavação”, quer dizer, passa da superfície ao profundo daquela ‘coisa’ que pretende refletir.

Podem-se compreender os discursos dos pacientes, uma vez que eles refletem sobre as suas próprias vivências (história de vida) e trazem o que puderam apreender ao longo de suas vidas, como bagagem, e instrumento que carregam consigo aonde quer que vão. Às vezes, no caminho, sentem a necessidade de utilizar algo para o seu bem ou para o bem de uma outra pessoa.

Stein (1999b) expressa, também, que nenhuma pessoa é carente de valores. Cada ser tem seus valores, como mostram os pacientes com câncer: através da memória, da história vivida, da inteligência, da afetividade que os remetem a valores que se formaram neles.

As perdas que os pacientes trazem ao olhar para o passado fazem com que percebam o quanto eram ativos, dinâmicos e autônomos antes do adoecimento. Às vezes, o que mais preocupa os pacientes não é a doença em si, mas os prejuízos causados em seu corpo no momento atual.

Nesse percurso se identifica uma série de “atividades” (respiração, alimentação) que são meios para alcançar os objetivos do processo vital. Porém, também se encontram “estados mutáveis” (saúde, doença, vigor, fraqueza) que testemunham a presença de uma “força vital” atual no organismo e que repercutirá de maneira positiva ou repudiando o processo de desenvolvimento e as vivências

presentes da pessoa (STEIN, 2000b). A filósofa traz um exemplo e compara um corpo sadio, bem delineado e bonito, mas se apresenta carente de uma espiritualidade, enquanto uma pessoa doente, com um físico debilitado, mostrando vida do espírito (motivação, disposição, valores).

Pelas ideias de Stein, é possível compreender as vivências do passado de Ana, assim como de Letícia, de Jair que percebem que se tornam mais si mesmos, após vivenciarem o câncer e se lançarem para a vida. Desse modo, sentem surgir uma nova vida em cada momento, pois carregam consigo uma história vivida, refletida, reelaborada e que pode ganhar novo sentido em cada instante. Portanto, o paciente, mesmo diante de sua fragilidade, pôde perceber grandeza e enriquecimento na sua vida, mesmo vivendo uma situação-limite e um paradoxo existencial diante do câncer: a vida e a morte. Essa pessoa em adoecimento não se fixou na sua dor; mostrou abertura para entrar em sua vida - a transcendência.

Essa busca interior de voltar para dentro de si mesmo, se olhar e fazer reflexão é universal, como foi dito anteriormente pela filósofa (é para todas as pessoas), não ocorre apenas em uma situação de adoecimento, ou na possibilidade da perda de um ente querido. Esta força vital parte do interior de cada pessoa, sendo ativada mediante um querer enfrentar e conduzir melhor a situação. Ao aceitar e vivenciar este processo, o enfermo já se qualifica nos seus modos de ser e atribui forma (que parte da constituição da pessoa), e é esta forma que vai mostrar quem ele é. A presença da corporeidade própria apresenta-se à existência de uma vida interior, que motiva e governa o seu corpo, que pode tomá-lo como meio de expressão, de ação e de intervenção na realidade, possibilitando novos objetos intencionalmente (STEIN, 2000b). Identificar a corporeidade como “órgão da expressão” ou como “órgão da vontade”, constitui a unidade da pessoa (STEIN, 2000b).

Em cada pessoa, a psique se mostra com certas qualidades específicas, e o psicólogo precisa conhecer e identificar, através das vivências da pessoa, como esta psique está estruturada. Stein (1999b) tipifica ou subdivide as pessoas como sensíveis (com visão ou audição apurada) e espirituais (com uma inteligência bem desenvolvida ou uma força de vontade persistente). Deste modo, pode-se identificar o caráter da pessoa e de seu “tipo”, o que possibilita descrever o caráter de uma pessoa, que não é apenas saber se ela é capaz de responder e se adaptar às normas sociais e éticas, mas também à forma como está diante do mundo dos valores (estéticos, éticos, religiosos) e como responde a eles. O que conta aqui é o relacionamento da pessoa com a sua realidade, e a capacidade de identificar o

significado valorativo objetivo que lhe permite conhecer verdadeiramente alguém, observando-o em ação.

A maioria dos pacientes relembra que, certos comportamentos, como o vício de beber e fumar, podem ter contribuído para o desenvolvimento do câncer (no pulmão). Após a doença e as suas repercussões, os pacientes trazem algumas reflexões e apresentam o desejo de mudar o estilo de vida. Alguns até relatam o exercício de certas atitudes saudáveis e de valores como, por exemplo: de estar mais tempo com a família e inibir os comportamentos que desejam excluir (por exemplo, deixar os vícios). Stein (1999a) chama de processo de autoformação quando as virtudes e os vícios vão fazendo parte do caráter da pessoa e atuarão no modo desta (pessoa) se posicionar diante da realidade que se apresenta.

Sintetizando, Stein (1999b) descreve que a psique é apreendida estruturalmente e unida e alterada pelo espírito. É identificada com a atividade do eu que atualiza as capacidades ao se voltar para os objetos interiores, constituídos a partir das vivências da pessoa, através da apreensão, da elaboração de significados e do posicionamento livre desta pessoa acerca das experiências ou dos objetos externos do mundo cultural ou natural. Então, as vivências da psique são simultaneamente influenciadas pela vida espiritual que capta o significado apreendido pela corporeidade, pelo estado vital, pela intensidade da força vital sensível e pela tensão da pessoa (que apreende os objetos e se posiciona voluntariamente frente a eles).

2 Os aspectos da afetividade nos pacientes

Os pacientes apresentam uma rotina dura e dramática, vivenciam um tratamento doloroso e invasivo e procuram fazer um esforço para ter qualidade de vida. Pode-se dizer que eles apresentam um projeto existencial de vida, em um futuro muito próximo. Não fazem plano para um futuro distante. Poucos pacientes mencionaram o medo da morte e pareciam não desejar pensar e falar sobre isso. Eles, em alguns momentos, atribuem significados aos sentimentos vividos com angústia (de morte) e dor. Pesquisando, nós imaginávamos o que o outro sentia, e nos colocávamos junto com o enfermo naquele momento e procurávamos acompanhar e estar com ele. Nesses casos, o pesquisador pode provocar o paciente e, nesse momento intervir para saber mais a fundo como sentem essa situação.

Abrãao, Edmar e Pedro expressam as suas preferências, suas necessidades e seus desejos de viver o tempo livre do tratamento com um certo grau de vitalidade.

Assim, apresentam se sentirem “bem” e integrados socialmente no mundo. Podem- se observar, nos discursos dos pacientes, tensão, coragem, força de vontade com que se empenham em relação ao tratamento para ficarem “curados”, mas eles mostram consciência de que não depende somente disso.

Como se pode ver aqui, tanto a força vital sensível como a força vital espiritual se apresentam simultaneamente na experiência dos pacientes, de um modo consciente, e mesmo diante de uma situação-limite se pode alargar o horizonte existencial, proporcionar possibilidades para uma decisão e revigorar-se em relação às atividades propostas ou outras vivências.

Stein (1999b) reconhece que a tensão se manifesta no próprio mundo-da-vida ou na força vital atual da pessoa, sendo condicionada pelas vivências de cada dimensão, e sucede ao mesmo tempo o condicionamento delas. A filósofa ainda enfatiza que dentro de si - onde surgem todos os sentimentos e está o próprio “caráter” (personalidade), o próprio modo de ser, a forma.

Ao fazer esse processo reflexivo, a luz interior que vem do centro da pessoa possibilita reconhecer as vivências centrais, e estes conteúdos provocam um impulso no indivíduo para ser considerado e priorizado; dar-se conta de que o eu pode rejeitar ou acolher este impulso manifesto. Um exemplo: ao estar de frente a algo que suscita o sentimento de medo, a pessoa logo identifica em si sensações corpóreas, como aumento da sudorese, aceleração do ritmo cardíaco e, por meio de uma elaboração destas e do sentimento vivido, é possível um juízo que contribuirá como motivação para uma tomada de decisão. Uma pessoa diante de uma doença pode tratá-la ou não. E é nesta conexão de vivências que virão outras novas vivências sucessivas.

Nesta perspectiva, em geral, os pacientes utilizam a psique junto com a dimensão espiritual, quando vivenciam no corpo o câncer, e sentem-no em sua interioridade. Aí é o momento em que eles podem atribuir juízo e decidir o que fazer. Segundo Ales Bello (2007), a moral é ligada a toda ação da pessoa, dando sentido a cada instante vivido. E como se pode fazer isso? Como se pode compreender o que acontece dentro do mundo do paciente com câncer? O pesquisador procura responder e concluir com o belíssimo conceito de consciência que para Stein “é a luz interior que acompanha a nossa experiência”. O pesquisador aqui apenas acompanha o discurso do paciente e o ajuda a olhar com positividade e compreender o sentido do que está vivendo, e o que provoca em si.

3 Os pacientes com câncer e sua família

A maior parte dos pacientes relata que fazer parte de redes sociais, principalmente da família, é algo positivo que ajuda a enfrentar melhor a situação de adoecimento. Os pacientes mostram suas atitudes nos vínculos familiares e nos outros grupos sociais.

Stein (1999b) considera a família como a primeira das comunidades e a mais significativa na ligação afetiva. Depois vem a comunidade de amigos, de conhecidos, a comunidade de povos, pois é através de cada uma destas que os pacientes se relacionam para se tornarem mais si mesmos em cada instante. O enfermo, ao vivenciar este processo (de tratamento), estará sempre se atualizando, elaborando sentimentos e experiências em relação às diferentes comunidades com que se relaciona.

Antes de apresentar a nossa análise sobre esse aspecto específico da comunidade família, apresentamos, em breve síntese, como Stein vê a comunidade familiar31. Ales Bello (2007) comenta que nenhuma família humana é capaz de

realizar completamente um ideal de família. Cada uma apresenta suas limitações e falhas que carrega consigo juntamente com os aspectos positivos e as dificuldades na concretização de relacionamento em relação à existência do outro. Ana procura transmitir valores para os filhos e o cônjuge, como fazer memória de entes queridos que partiram desta vida, ou seja, ela mostra a saudade de um bem ausente que se foi, mas que se faz presente na afeição de certas pessoas que foram significativas na vida passada.

A maioria dos pacientes mostra sentimentos de união e amor, no ambiente familiar e, juntos, mantêm um espírito de cooperação e solidariedade, podendo propiciar melhor o enfrentamento do drama vivido. Também se encontra, nos discursos de alguns pacientes, uma certa desorganização familiar, ou seja, conflitos na relação entre o marido e a mulher, e aqui pode ser mencionado o que Stein (1999a) escreve, no livro: “A mulher: a sua missão segundo a natureza e a graça”. Ela se refere à antropologia dual, aos aspectos ético-pedagógicos, confiando, aos profissionais e educadores o papel também de educar. Traz uma possibilidade de solução aos problemas de relacionamento que pode ser encontrada no terreno ético- religioso. A filósofa indica que a chave de compreensão para resolver esses problemas de relacionamento parte da origem, do pecado original, que seria a

31 Ales Bello (2006, p.73), interpretando Stein, afirma que só seria comunidade quando as pessoas de

dentro se respeitam, apresentam uma vida em comum, comunidade é “a união de pessoas consideradas singularmente, de modo que o contexto relacional possibilita sua realização...”.

desordem no mundo e é, a partir desta, que nasce o conflito entre as relações familiares e, isso provavelmente, sucede para todas as outras gerações, como: mãe com a filha, depois desta futura mãe com a futura filha. Stein (1999a) orienta que o ideal seria a família ser sustentada por uma ética aberta à dimensão religiosa, caso contrário, poderia cair facilmente no “pecado original”. Isso não quer dizer que quem está dentro de uma religião tenha a vida mais fácil para resolver os problemas, uma vez que o “mal” se apresenta para todos. Quando se tem religião, pode-se, mais conscientemente, viver a dimensão do perdão e do relacionamento de amor.

Nos relatos de alguns pacientes, podem-se observar atitudes, às vezes ásperas, ao mencionar um outro membro da família de um modo negativo e prejudicial para o seu relacionamento, quando deveria procurar viver visando ao bem do outro, principalmente pela tensão por existir um membro dentro da família que está com uma doença grave. Alguns discursos mostram desavenças familiares, como com Ana, Abraão e João. Ana e Abraão se enquadram naquilo que foi descrito por Stein como “pecado original”, quer dizer, um querer dominar o outro na relação. Há o caso da mãe (Ana) com a filha, que demonstrou reações reativas instintivas com a mãe (doente de câncer), ou seja, uma falta de respeito. Aqui se percebe um conceito “contágio” visto por Stein (1999a), que é um ato que pode influenciar outras pessoas que estão em volta, podendo até suscitar estados patológicos. Diante do gesto da filha com a mãe, o que parece ocorrer é aquela se aproveitar da “fragilidade” da mãe, devido aos seus interesses pessoais. Um exemplo claro disso é a filha negociar financeiramente com a mãe, ao ajudá-la na organização das atividades diárias. Nesse aspecto, a situação de família não é de comunidade, pois não apresenta uma vida em comum (que abrange a educação dos filhos) e não possibilita a realização dos membros, sendo que cada um vive de modo individual e voltado para suas próprias finalidades egoísticas.

Uma outra situação é a de João quando reconta uma situação vivida com a esposa. Expressa com tom irônico e com autoritarismo que a esposa deveria ficar “calada” e, não deveria ter dito ao médico que ele estava consumindo bebida alcoólica. Aqui se pode compreender que a esposa agiu com juízo de valor, a sua atitude serviu para fazer o bem para o seu marido (paciente), mas este não se mostrou aberto para aceitar a sugestão, o que poderia ter-lhe propiciado maior crescimento pessoal. O gesto da cônjuge sinalizou valor, cuidado, preocupação com o outro, mas parece que feriu a masculinidade do marido, que se recusou em