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Análise Compreensiva das Vivências dos Pacientes com Câncer

D. Unidade da pessoa humana

7.2 Análise Compreensiva das Vivências dos Pacientes com Câncer

A análise fenomenológica foi estruturada seguindo os três momentos que Stein (2000b) refere como essenciais em sua antropologia para o conhecimento da pessoa humana e sua constituição estrutural: corpo, psique e espírito. Procuraremos

destacar, neste momento, dentro de cada um destes aspectos, os pontos mais relevantes no que se refere às experiências vividas pelos colaboradores da pesquisa. Os procedimentos da entrevista terapêutica já foram descritos no capítulo 6.

O discurso de todos os pacientes revela que eles percebem que algo diferente ocorre no corpo. Vivem uma peregrinação, passando de ‘médico em médico’ até chegarem ao diagnóstico de câncer. Eles são conscientes do seu corpo e sentem que algo aconteceu e que precisam se tratar imediatamente.

A maioria dos pacientes rememora toda a trajetória da experiência com o câncer, o tratamento e os seus sintomas: a dor e os efeitos colaterais que os tratamentos podem provocar. Percebe e sente interiormente o impacto do tratamento no corpo: a queda dos cabelos (alopecia), a falta de apetite e expressa seus sentimentos, preocupações e expectativas.

Os pacientes, no geral, apresentam de um modo queixoso a perda de saúde e que, além desta, ocorrem perdas na vida pessoal e social. Refletem sobre as limitações que vão permeando a sua vida e vão se dando conta de que precisam se adaptar à nova realidade que se impõe a eles.

Apenas Ana buscou resposta em seus antecedentes familiares do porquê tem um câncer, mas não encontrou nenhum caso em sua família. Mencionou a longevidade de sua mãe que viveu até 104 anos. Ana ainda explicou ter o câncer por apresentar certas características pessoais, como ser mais sensível, estar deprimida e fazer tratamento medicamentoso. Já Jair acredita que a sua doença veio pelo estilo de vida que teve, com o vício da bebida e do cigarro. Atribuiu também ter sido sempre uma pessoa pessimista e desesperançosa para olhar a vida e enfrentá-la, o que pode ter proporcionado o surgimento do câncer.

Alguns pacientes mencionam a importância do lazer em suas vidas, o que fazem no tempo livre quando não estão em tratamento e se sentem “bem”. Eles demonstram consciência de sua realidade do momento, o que podem e não podem fazer, se questionam e realizam reflexões sobre as suas possibilidades atuais. Também expressam como irão realizar seus projetos e planos em um futuro próximo.

A maioria dos pacientes expressa sentimentos contraditórios frente à perspectiva do câncer e o seu tratamento: ora apresentam força, coragem, esperança e ora manifestam preocupação, medo, incerteza, quando falam sobre a doença e o tratamento. Falam deste paradoxo existencial que vivem e desta angústia diante de uma verdadeira possibilidade de morte. Letícia, João e Paulo sentem-se envergonhados e incomodados com o “falatório” de outros enfermos no ambiente hospitalar, e das pessoas de seu meio social circundante, reconhecendo

que isso mais os prejudicam na assimilação das novas informações recebidas sobre a doença, o tratamento e os seus efeitos colaterais.

Destacamos que os pacientes, no geral, revelam positiva a rede de apoio, principalmente, o apoio familiar. A maioria dos pacientes informa como se organizam nas atividades da vida diária. Quando a paciente é mulher, geralmente, é preciso fazer um rearranjo familiar e contar com a participação do cônjuge, dos filhos e dos netos nas tarefas. As mulheres expressam também ter a atenção, o afeto, a proteção e a compreensão destes familiares. Entretanto, Abraão e Ana queixam-se da falta de apoio da família. Ana apresenta sentimentos de irritação e intolerância para com os membros pela falta de cuidados a ela. Menciona incompreensão da filha, uma vez que esta parece não se esforçar para cooperar com a situação. Fala também de um marido alcoolista. Nos discursos destes dois pacientes se observam também uma certa desorganização familiar, ou seja, conflitos na relação entre marido e mulher. Nesse momento de adoecimento grave, sentir-se cuidado e amado são condições fundamentais que o paciente deseja e busca nas pessoas que o rodeiam.

Alguns pacientes expressam a importância da presença e apoio dos amigos, como receber visitas, seja em casa ou no hospital, ter o carinho, a atenção e a solidariedade destes e, até mesmo, poderem rezar juntos. Percebem isso como um valor e uma contribuição essencial para a superação da doença.

Uma outra fonte de apoio, também revelada por alguns pacientes, foi a atenção, a compreensão e as orientações recebidas da equipe de Oncologia. Alguns expressam que o que pode levar à cura da doença é o conjunto vindo das diversas redes de apoio: a família, os amigos, os profissionais e Deus. Ana menciona também a contribuição da tecnologia atual avançada, o cuidado que a equipe médica, a psicóloga e os enfermeiros têm com os pacientes.

Ana e Pedro revelam a importância de passar os seus valores, as suas crenças e suas atitudes aos filhos. Ana fala da saudade de um bem ausente, e das perdas de seus entes queridos. A maioria dos pacientes expressa que o que dá maior sentido à vida é poder ver o bem-estar da família e viver para acompanhar o desenvolvimento dos netos. Estes são os dois maiores valores manifestados pela maioria dos entrevistados. A grande parte deles diz que deseja, simplesmente, ter a presença dos filhos e netos. Alguns pacientes mostram-se mais afeiçoados aos netos. Outros expressam falta de sentido em suas vidas e afirmam que, após viver com o câncer, se voltam mais para dentro de si, percebendo que ocorrem transformações de seus valores. Passam a buscar um sentido nos acontecimentos vividos, buscam transcender o momento atual e, deste modo, vivem a experiência

religiosa e a presença de Deus como Algo superior a si mesmo. Eles passam a descobrir o “gosto” da vida e lutam por ela.

Em todos os relatos dos pacientes que pertencem a uma comunidade religiosa, e daqueles que, até o momento, não participavam de nenhuma religião, foi possível observar que esses passam a buscar, a partir da doença, aquela pela qual têm maior afinidade, onde se sentiam bem recebidos pelas pessoas da comunidade. Os pacientes com câncer mostram pertencer a uma diversidade de religiões: a maioria é de evangélicos e espíritas, a minoria são os católicos. Jair, Abraão, Letícia, Pedro verbalizam serem sustentados e alimentados por meio das orações, de suas frequências aos ritos da igreja (seja católica ou evangélica), das palavras da Bíblia, de participação em procissões (Aparecida do Norte), e outros atos vividos a partir de manifestações religiosas. Estas manifestações religiosas vividas e relatadas pelos pacientes colaboradores deste trabalho mostram maior confiança, esperança e uma força interior para continuar superando o processo de tratamento do câncer. Ana sente que existe entre nós uma Presença grande, Algo superior que nos circunda. Ela diz: “Deus está entre nós”.

Em suma, os pacientes significam a religião como um meio de suporte e sustento fundamental nos momentos de dor e sofrimento causados pelo câncer e por seu tratamento. Percebem a comunidade religiosa como um apoio espiritual, com a qual eles podem compartilhar os seus sentimentos, os seus conflitos, as suas dores e serem acolhidos, como são, na sua finitude.