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3 CONTEXTUALIZAÇÃO: DO CORONELISMO AO PETISMO

3.1 PANORAMA POLÍTICO

3.1.1 A Formação de um Império de Comunicação

A estratégia tem início em 1985, quando ACM, então ministro das Comunicações do governo Sarney, começa a construir para si e sua família um império eletrônico, composto por diversas emissoras de rádio e televisão. Se, por um lado, o Ministério das Comunicações não garantiu a vitória do seu grupo nas eleições de 1986, por outro, trouxe muitas complicações para o seu opositor. Waldir Pires ainda não havia tomado posse no Governo da Bahia, quando as forças políticas reunidas em torno do seu nome sofreram uma baixa imediata.

Em 21 de janeiro de 1987, a TV Bahia, de ACM, inaugurada em 10 de março de 1985, como afiliada da Rede Manchete, passou a retransmitir a programação da Rede Globo, que rompeu um contrato de 18 anos com a TV Aratu, sem nenhuma justificativa. Para o grupo que acabava de vencer as eleições, o fato se constituía em uma perda inestimável, mas, àquela altura, ainda não se tinha a dimensão exata dos prejuízos que o fato traria para a administração que começava.

O contrato com a Rede Globo deu novo fôlego a ACM. Embora as circunstâncias nebulosas em que se deu a transferência do contrato tenham sido objeto de denúncias, processos e até de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), ACM e Roberto Marinho nunca responderam, de fato, às acusações de favorecimento. Segundo denúncias de parlamentares e reportagens publicadas por diversos órgãos de imprensa, a transferência do direito de retransmissão da Rede Globo para a TV Bahia começou a ser planejada ainda em 1985. Primeiro, porém, o então ministro das Comunicações de Sarney teve que provar a sua lealdade à família Marinho. ACM, na verdade, não era o ministro que o dono da Globo imaginava comandando a área das Comunicações. O seu

preferido era Rômulo Furtado, que já vinha ocupando a Secretaria Geral do Ministério, desde 1974 (O ATACADO..., 1987, p. 44-45).

Durante as negociações que envolveram a composição do Ministério de Tancredo Neves, coube ao presidente das Organizações Globo indicar o futuro ministro das Comunicações, como de praxe ele já fazia durante os governos militares. Mas o então presidente eleito acabou ficando sem Pasta para ACM. Convenceu, então, Roberto Marinho a aceitar uma composição: ACM exerceria no Ministério o papel político, e ao Furtado caberia o trabalho técnico. Mesmo assim foi necessária uma longa conversa entre Marinho e ACM para que o entendimento fosse selado (O ATACADO..., 1987, p. 44-45).

Foi nesse clima de amizade que se deu a venda da empresa NEC do Brasil. Como é do conhecimento público, essa empresa foi comprada pela família Marinho por um valor simbólico, depois que o seu sócio brasileiro, Mário Garnero, foi asfixiado financeiramente pelo Ministério das Comunicações. A NEC do Brasil era fruto de uma parceria de Garnero, líder do Grupo Brasilinvest, com a empresa japonesa NEC Corporation, de equipamentos para telecomunicações.

Em março de 1985, sem explicação plausível, o recém-empossado ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves, decretou a liquidação extrajudicial do Banco Brasilinvest e de todo o ramo financeiro operado por Garnero. A Brasilinvest Informática e Telecomunicações (BIT), empresa com a qual o empresário participava da NEC do Brasil, ficou fora da intervenção (GARNERO, 1988, p. 243). Até então, como determinava a Constituição brasileira, a presidência do conselho da NEC era ocupada pelo sócio brasileiro, no caso Garnero.

Mas com a exposição negativa da intervenção, os sócios japoneses consideraram a sua permanência na presidência prejudicial para os negócios e passaram a exigir, na justiça, o controle acionário da corporação. A justiça, porém, posicionou-se favorável a Garnero, que embora já se considerasse fora do negócio, pretendia vender bem a sua participação na empresa. Obteve diversas propostas, inclusive do empresário Mathias Machline, mas, estranhamente, todos desistiam logo em seguida. Até que, em abril desse mesmo ano, Roberto Marinho mostrou-se interessado na compra da NEC (O ATACADO..., 1987, p. 45).

Ato contínuo, teve início a operação de asfixia de Garnero, protagonizada pelo ministro das Comunicações, suspendendo “preventivamente” todos os pagamentos da dívida do Ministério com a NEC do Brasil, que girava em torno de 100 milhões de

cruzados mensais. O processo durou cinco meses até Garnero passar a presidência do Conselho de Administração da NEC para Roberto Marinho, em troca de um valor simbólico. Logo após a transação ter sido concluída, o Ministério das Comunicações quitou, com juros e correção, as suas dívidas com a empresa (O ATACADO..., 1987, p. 45).

As estreitas ligações de ACM com Roberto Marinho e com o controle de canais de rádio e televisão, no entanto, não se limitaram ao episódio NEC e à transferência do contrato da Globo para a TV Bahia. Ao contrário. Esse foi apenas o primeiro passo de uma longa jornada com o objetivo político, estrategicamente bem definido, por parte de ACM: obter o controle da informação política no Estado, através dos meios de comunicação de massa.

Desde o início da sua gestão, ele já demonstrava interesse na distribuição de canais de rádio e televisão. Em maio de 1985, anunciou a anulação de 144 concessões que haviam sido distribuídas pelo ex-presidente Figueiredo, porque, segundo ele, haviam sido adotados critérios políticos e não técnicos (ANTONIO Carlos defende..., 1985, p. A5). No mês seguinte, o decreto revogando as concessões autorizadas pelo ex- presidente foi publicado no Diário Oficial da União (DECRETO..., 1985, p.7 apud AMARAL, 2007, p.189). Dessa lista, estava excluída a TV Bahia, que lhe havia sido concedida por Figueiredo, em 5 de agosto de 1984.

Os argumentos utilizados por ACM para anular as concessões ruíram menos de três meses depois, quando, contraditoriamente, começou a patrocinar um verdadeiro festival de distribuição de canais de rádio e televisão, principalmente para os deputados e senadores constituintes, no período de votação de matérias do interesse do governo, como o mandato do presidente Sarney e o sistema de governo do país.

Entre 1985 e 1988, ACM e Sarney distribuíram nada menos que 1.028 concessões de rádio e televisão, número bem superior as 634 que haviam sido distribuídas no governo Figueiredo, conforme mostra o Quadro 2 (MOTTER, 1994):

Quadro 2 - Concessões de Rádio e TV

TIPO – ANO 1985 1986 1987 1988 * TOTAL

FM 66 91 143 332 632

OM 47 50 53 164 314

TV 14 13 12 43 82

Total 127 154 208 539 1.028

Fonte: MOTTER, 1994.

Analisando o levantamento de MOTTER (1994), observa-se que o número de concessões aumenta justamente nos meses de 1988, que antecedem a promulgação da Constituição, período em que foram votadas as proposições referentes ao mandato para Sarney e o sistema de governo que seria adotado no país (presidencialismo ou parlamentarismo). No seu estudo, Motter (1994) identifica pelo menos 91 parlamentares que receberam concessões de rádio e TV em seu nome ou no de parentes e amigos. Desse total, segundo o pesquisador, 90 por cento votaram a favor do mandato de cinco anos para Sarney e do presidencialismo como sistema de governo, exatamente como queria o ocupante do Palácio do Planalto.

Entretanto, cruzando os números de Motter (1994) com os números de emissoras de rádio e TV concedidas por ACM a políticos e correligionários baianos, percebe-se claramente que a intenção de distribuir esses canais na Bahia não estava diretamente associada à votação dessas proposições na Assembleia Nacional Constituinte. Até porque, ele já controlava os votos da bancada baiana do seu partido, o PFL, e dos partidos coligados, únicos beneficiados com a distribuição das concessões no Estado. Durante a sua gestão no Ministério, ACM distribuiu nada menos que 114 emissoras de rádio (OM e FM) e seis emissoras de TV aberta para seus familiares e correligionários. Boa parte delas integra hoje a Rede Bahia de Comunicação, de propriedade da sua família, conforme detalhado mais à frente (AMARAL, 2007).

Das 114 emissoras de rádio (OM e FM), 76 foram concedidas entre 1985 e 1987, antes, portanto, do período mais polêmico da Constituinte. Entre 1988 e 1990, ACM distribuiu 38 concessões, exatamente a metade do período anterior, como mostra o quadro 3. Dessas 38, somente 11 foram concedidas após a promulgação da Constituição. Vale destacar, porém, que, após 5 de outubro de 1988, as concessões de canais de rádio e TV passaram a ser submetidas ao Congresso Nacional, conforme o estabelecido no Art. 223 da nova Carta. Diferente, portanto, do período anterior, quando a concessão dessas emissoras dependia apenas de decreto do presidente da República. Entretanto, algumas emissoras que tiveram suas concessões publicadas posteriormente, já estavam com processo em curso e foram aprovadas pelo Congresso Nacional, depois da Constituição promulgada16.

16

Em dezembro de 2006, a Rede Bahia fundou uma nova emissora de rádio, a Bahia FM. A concessão da emissora foi obtida através de leilão público, lançado pelo Ministério das Comunicações e a Anatel.

Quadro 3 - Número de concessões de rádio na Bahia

Ano da Concessão No de emissoras

1985 20 1986 46 1987 10 1988 27 1989 08* 1990 03* Total 114 Fonte: AMARAL, 2007

Nota: * Os processos já haviam sido despachados antes da

Promulgação da Constituição

No período em que permaneceu no Ministério das Comunicações, ACM distribuiu seis canais de TV aberta para a Bahia. Dessas seis, cinco integram hoje a Rede Bahia de Comunicação. Inicialmente, essas emissoras ficaram em nome de correligionários e amigos, mas, a partir 1992, começaram a passar para nomes de seus familiares. ACM sempre negou a sua participação no controle acionário dessas emissoras. Entretanto, o nome de seus filhos, do ainda então genro César Mata Pires, dono da empreiteira OAS, e dos netos sempre figuraram no contrato social da maioria delas. E a partir da formação da holding Rede Bahia de Comunicação, em 1998, o nome da sua mulher, Arlete Maron de Magalhães, também passou a integrar a composição acionária de parte expressiva dessas empresas, como diretora e sócia.