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Etapa 8 Conclusão do estudo.

2 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E COMUNICAÇÃO PÚBLICA: CONCEITOS E INTERFACES

2.3 TEORIA DEMOCRÁTICA E CIBERCULTURA

2.3.2 Novas Identidades

Nesse emaranhado de novos conceitos e interconexões de dimensão planetária percebe-se o entrelaçamento de dois movimentos: um global e outro local, que conflitam com a identidade cultural11 do sujeito pós-moderno e de mundo globalizado, padronizado, mas profundamente plural. Trata-se do fenômeno que Stuart Hall (2006) identificou como “um tipo diferente de mudança estrutural que está alterando as sociedades modernas e fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade” (HALL, 2006, p. 9). Tais transformações estão também mudando as identidades pessoais, além das sociais, abalando a ideia que temos de nós mesmos como sujeitos integrados. Esta perda de sentido estável de si mesmo foi denominada por este autor de deslocamento ou descentração do sujeito.

De forma simplista e resumida, esse autor identifica três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo; a do sujeito sociológico; e a do sujeito pós- moderno. A primeira concepção baseia-se na condição do indivíduo estar totalmente centrado, unificado e dotado de capacidade de razão, de consciência e de ação, formada a partir do seu núcleo interior, que emerge no seu nascimento e se desenvolve de forma contínua e idêntica ao longo da sua existência. Na segunda concepção, o indivíduo reflete também a complexidade do mundo exterior, ou seja, o seu núcleo interior está sujeito à influência de outras pessoas importantes para ele, que mediam a sua representação de mundo, através de valores, sentidos e símbolos, ajudando a construir sua identidade com base na interação entre o “eu real” e a sociedade. Mas, igualmente ao sujeito do Iluminismo, essa forma estabilizada representa a sua identidade cultural em toda a sua existência (HALL, 2006).

Na terceira concepção, que é a que nos interessa neste trabalho, a identidade cultural estável e unificada das concepções anteriores está se tornando fragmentada, pulverizando-se em várias identidades, muitas vezes até contraditórias, fruto das mudanças estruturais e institucionais, constituídas de caráter provisório e variável. A

11 O conceito de Identidade Cultural aqui entendido aponta para um sistema de representação das

relações entre os indivíduos e os grupos e entre estes e seu território de reprodução e produção, seu meio, seu espaço e seu tempo (TEIXEIRA COELHO, 1997, p. 201).

identidade do sujeito pós-moderno é formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais os indivíduos são representados ou interpelados nos sistemas culturais que os rodeiam, ou seja, sua identidade é definida historicamente e não biologicamente (HALL, 1987 apud HALL, 2006).

Fruto do impacto do processo de globalização12 sobre a identidade cultural, as mudanças estruturais e institucionais, referidas por Hall (2006), ocorrem, segundo Giddens (1990), quando áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras, e ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra e a natureza das instituições modernas, provocando um movimento de multiplicação de identidades. As sociedades modernas, portanto, de acordo com Giddens (1990), são, por definição, sociedades em mudança constante, rápida e permanente, diferentes das chamadas sociedades tradicionais, que, segundo ele:

... nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizado porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1990, p. 37-38).

Já a identidade cultural do sujeito pós-moderno não é definida apenas como experiência de convivência, mas de reflexão de vida, baseada em informação e experiências. Na visão de Giddens, “as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informações recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu caráter” (GIDDENS, 1990, p. 37-38). Para ilustrar o aspecto multifacetado da identidade do sujeito pós-moderno, Hall (2006) cita, como exemplo, a nomeação do juiz Clarence Thomas para a Suprema Corte norte-americana. Com vistas a restaurar uma maioria conservadora na mais alta corte do Judiciário, o ex- presidente George W. Bush nomeou um juiz negro, politicamente conservador no que se refere à legislação sobre a igualdade de direitos. O ato dividiu a sociedade americana. Parte da comunidade negra apoiou a nomeação, considerando a raça do juiz.

12 Processo de globalização se refere aos processos atuantes numa escala global, que atravessa m

fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço e tempo, tornando o mundo mais interconectado, em realidade e em experiência. Implica um movimento de distanciamento da ideia sociológica clássica de sociedade como sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo de tempo e do espaço (GIDDENS, 1990, p. 64).

Os segmentos mais politicamente engajados dessa mesma comunidade, no entanto, criticaram a nomeação, em função das posições conservadoras do juiz. Os eleitores brancos, por sua vez, também se dividiram entre a raça do juiz e seu posicionamento político. Os racistas e conservadores apoiaram a decisão porque entenderam que suas posições seriam bem representadas pelo juiz. Os mais progressistas, apesar de contestarem a escolha pelas posições políticas, esfriaram o debate pela questão da raça.

A fragmentação de opiniões ficou mais polarizada, quando o juiz foi acusado de assédio sexual por uma ex-colega, a advogada, também negra, Anita Hill. O novo ingrediente dividiu ainda mais o debate, agora acrescido da questão de gênero. As mulheres brancas, relata Hall (2006), apoiaram Thomas não só pelas suas posições políticas, mas também pela sua oposição ao feminismo.

As feministas brancas, que já se opunham ao juiz, pelas suas posições políticas, passaram a execrá-lo por causa da acusação de assédio sexual. Enfim, seja pela raça, classe social, questão de gênero ou princípios políticos, as opiniões manifestadas, independentes da culpa ou inocência do juiz, apresentam variados interesses, bem como variadas identidades das pessoas, que ora se opõem e ora se reconciliam, a depender do interesse imediato.

Nessa nova perspectiva, segundo Hall (2006), a ideia de identidades nacionais como algo fechado, correspondendo especificamente à manutenção do imaginário das tradições culturais, foi-se deslocando aos poucos. Segundo esse teórico, isso se deve à desconstrução da ideia de unificação existente nas culturas nacionais, uma vez que as nações são sempre compostas de diferentes classes sociais e diferentes grupos étnicos e de gênero.