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3 CONTEXTUALIZAÇÃO: DO CORONELISMO AO PETISMO

3.1 PANORAMA POLÍTICO

3.1.3 Estratégias e Táticas

O festival de distribuição de emissoras de rádio e TV, patrocinado por ACM no Estado, e o consequente controle que passou a exercer sobre a comunicação de massa, estruturou-se numa espécie de poder paralelo na Bahia. Além do jornal Correio da Bahia, que já era da sua propriedade, desde 1978, e do comando de todo esse aparato eletrônico local, ACM, como visto anteriormente, conquistou, no período em que permaneceu no Ministério, aliados importantes na imprensa nacional, como as Organizações Globo e o Grupo Abril, responsável pela publicação da revista Veja, a semanal de maior circulação do país. E foi no lastro dessa superestrutura de apoio que ACM passou quatro anos denegrindo a reputação dos seus dois antecessores e pavimentando o seu retorno ao Governo do Estado, com vistas às eleições de 1990.

No período pré-eleitoral, esse aparato eletrônico não só potencializou as ações de ACM como deu amplo destaque ao seu discurso, baseado na competência e na moralidade administrativa. Uma das estratégias colocadas em prática, nessa ocasião, consistia no seguinte esquema: as principais matérias da editoria de política do jornal Correio da Bahia, de sua propriedade, eram repercutidas à exaustão pela TV Bahia e afiliadas e difundidas pelas emissoras de rádio, que comentavam os assuntos em

destaque e franqueavam os microfones dos programas de entrevista e jornalísticos para os integrantes do grupo explanar as ideias-chave.

O jornal atuava, assim, como instrumento de comando de ACM para dar unicidade e repercussão à cobertura política no Estado, através das emissoras sob a sua liderança. Mas o projeto político do grupo tinha o objetivo maior de marcar a transformação do estilo de ACM, do Toninho Malvadeza, alcunha pela qual era conhecido e temido na Bahia, para Toninho Ternura, o novo formato que decidiu incorporar para se submeter, pela primeira vez, ao voto direto em eleições majoritárias.

Foi nesse contexto que se operou a mudança da linha editorial do Correio da Bahia. Concebido por Luís Eduardo Magalhães, o projeto, no entanto, só se sustentou por pouco tempo e, antes de assumir o seu terceiro mandato, em 1991, ACM já utilizava o jornal com a mesma verve panfletária de antes das eleições.

Na mídia controlada por ACM, a informação política foi censurada, enquadrada, manipulada e difundida, conforme a sua conveniência. Através do enquadramento (framming) deliberado do conteúdo jornalístico, pessoas, fatos e instituições eram privilegiadas ou omitidas e tratadas de forma positiva ou negativa. O modelo operado por ACM e seu grupo abrangia ainda outra forma de utilização do conteúdo jornalístico veiculado por esses meios. Trata-se da manipulação planejada das matérias jornalísticas, através do “padrão de inversão”, em que se opera o reordenamento de partes da realidade, invertendo o conteúdo pela forma e a versão pelo fato. A realidade é substituída pela versão originada no próprio órgão de imprensa (ABRAMO, 2003, p. 29). Neste tipo de padrão de controle não apenas se fragmenta a realidade mas também se ignoram pessoas, fatos e instituições. No processo de tratamento da informação, fatos e acontecimentos também são criados como em obras de ficção tanto para construir imagens públicas como para denegrir reputações.

No estudo Controle e uso da informação na Bahia: Estratégia de poder e dominação do grupo liderado por Antonio Carlos Magalhães (1985-2006), Amaral (2007), conclui que o modelo em questão utilizava diversas formas de controle e uso da informação. Num nível mais caseiro, por assim dizer, controlou-se o processo de difusão da informação pública / governamental no âmbito dos três poderes. Através da verba publicitária governamental, barganhou-se a adesão dos veículos de comunicação no estado. Os meios de comunicação nacionais que não puderam ser cooptados pelas amizades do “chefe” do grupo, sofriam boicote na sua distribuição e circulação na

Bahia, através de um esquema de recolhimento das edições nas bancas e outros pontos de venda. Só tinha acesso ao conteúdo quem possuía assinatura.

Em outra vertente, ACM valia-se do relacionamento estreito e privilegiado que mantinha com jornalistas, que foram classificados por ele mesmo, em três níveis. Com jornalistas que queriam informação, ele atuava como fonte cotidiana e permanentemente disponível, incluindo as inéditas ou, no jargão jornalístico, “furos”. Com os jornalistas que buscavam a concessão de favores e outros benefícios, ele se dispunha a oferecer, mas os mantinha, permanentemente, com ameaças e chantagens. Quando a adesão não se dava nas duas situações anteriores, ele operava sua forma mais truculenta, com a intimidação. As estratégias de uso e difusão da informação incluíam ainda a sua utilização para a perseguição e intimidação no campo político, através de dossiês, usados como barganha para chantagens e ameaças, e como conteúdo jornalístico na mídia para denegrir a reputação dos seus adversários e inimigos (AMARAL, 2007).

Aliadas ao modelo de comunicação estabelecido, outras três estratégia políticas foram utilizadas pelo grupo para manter a sua hegemonia no poder político do Estado: a aliança com o oficialismo federal, fosse qual fosse o governo; o controle sobre as instituições públicas do Executivo, Legislativo e Judiciário; e as perseguições políticas aos seus adversários e inimigos. A aliança com o oficialismo permitiu ao grupo não só obter verbas federais para obras e ações de governo como a nomeação de seus integrantes e afilhados políticos em cargos federais na Bahia. Através do controle que exercia sobre as instituições públicas do Executivo, Legislativo e Judiciário baiano, o grupo suprimiu na Bahia o princípio da separação e autonomia dos três poderes.

A saudável divisão do poder, que impede ou pelo menos dificulta o arbítrio, foi aniquilada e substituída pelo domínio completo das instituições por um grupo político, notadamente pelo líder do grupo, mesmo no breve período em que esteve na oposição ao poder executivo estadual. Com isso, o grupo eximiu-se de prestar contas à sociedade das suas ações, atos, programas e, sobretudo, dos gastos públicos. Ou seja, no âmbito do Estado, a política de comunicação colocada em prática pelo grupo manteve as mesmas características do modelo utilizado no âmbito político.

Já a perseguição aos adversários, seja pela influência de que desfrutou nos diversos governos que se sucederam no comando do Executivo federal ou pelo controle que exerceu sobre a mídia, o grupo afastou qualquer tipo de concorrência, limitando, assim, o espectro de lideranças políticas no Estado.

Neste estudo, a autora conclui, também, que os interesses políticos do grupo estiveram estreitamente vinculados aos interesses empresariais. Estes, por sua vez, estão focados na indústria da informação de massa, embora se estendam para outros segmentos da economia. A concentração de poder, viabilizada pelo controle das instituições públicas dos três poderes, facilitou a consolidação de uma promíscua relação entre o público e o privado no Estado. O modelo evidencia, ainda, que a indústria de informação do grupo na Bahia foi amplamente beneficiada durante a permanência do grupo no poder político, pela obtenção de concessões públicas de canais de rádio e TV e pela distribuição das verbas publicitárias dos governos para os veículos de comunicação de sua propriedade.

Entretanto, tal modelo mostrou-se bastante eficiente no contexto que prevaleceu no período de 1985 a 2000. Fundamentado no controle, no tratamento da informação e na sua disseminação e difusão pelos veículos de comunicação de massa, esse modelo só começou a emitir sinais de esgotamento no início deste milênio, período que coincide com a popularização das TICs no Brasil. Os paradigmas estabelecidos a partir da revolução tecnológica provocaram impactos profundos nesse modelo.

Tais sinais começaram a ganhar forma concreta em 2004, com a derrota do grupo nas eleições municipais de Salvador. O candidato do grupo, César Borges, obteve apenas 30 por cento do total de votos válidos. O fim do ciclo hegemônico do grupo foi decretado dois anos depois, nas eleições de 2006. Tanto o candidato do grupo ao governo do Estado, Paulo Souto, quanto o candidato ao Senado, Rodolpho Tourinho, perderam a disputa, apesar de desfrutarem de tratamento privilegiado da mídia convencional.

Embora ACM e seu grupo lançassem mão dos novos recursos tecnológicos, o grupo não incorporou os valores que passaram a permear o novo contexto político e social do país. Tanto do ponto de vista empresarial quanto da comunicação política, o grupo não entendeu a extensão das mudanças de paradigmas que emergiram junto com a revolução tecnológica. Recursos de informação e comunicação, como sites, newsletter e webmarketing foram incorporados ao arsenal de comunicação do grupo, mas apenas como meio de veiculação de publicidade e propaganda. Critérios como ausência de controle e possibilidades de livre manifestação, desmassificação da informação, segmentação de públicos e interatividade foram menosprezados.

Na contramão do novo contexto, o grupo preservou os antigos paradigmas, como a excessiva utilização política dos meios de comunicação de sua propriedade; a contínua

perseguição aos adversários, denegrindo suas reputações através da mídia; o estilo cartorial de tomar decisões, e a falta de transparência administrativa, entre outros procedimentos, antes relevados, começaram a ser questionados e avaliados como inadequados pela população (AMARAL, 2007)..