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A formação dos facilitadores em São Caetano do Sul

CAPÍTULO 1 – DAS PRÁTICAS RESTAURATIVAS

4. A formação dos facilitadores em São Caetano do Sul

As práticas restaurativas no contexto comunitário de São Caetano do Sul são atravessadas pelo processo de formação e capacitação dos facilitadores110 que lá atuam. Por isso, torna-se relevante destacarmos alguns aspectos dessa formação, visto que é por meio dela que os atores sociais entram em contato com esse novo paradigma e metodologia, a Justiça Restaurativa.

Com base em informações contidas no relatório do projeto-piloto de São Caetano do Sul,111 buscaremos destacar elementos relevantes no processo de formação dos facilitadores daquele município, com especial atenção para os que atuam no contexto comunitário.

Como destacamos anteriormente, a capacitação dos primeiros facilitadores restaurativos para atuaram nas escolas, Fórum e Conselho Tutelar de São Caetano do Sul ocorre em 2005 e é ministrada por Dominic Barter, com base na metodologia da Comunicação Não-Violenta.

Em 2006, constatou-se que a técnica, apesar de eficiente, não comportava os diferentes contextos, com sua diversidade de instituições, conflitos e relações. Assim, foram convidados os especialistas John Cartwright e Madeleine Jenneker e o oficial de polícia Ganief Daniels da África do Sul que, baseados no modelo Zwelethemba, formaram os capacitadores do Instituto Familiae112 e os facilitadores para atuarem no contexto comunitário de um bairro de São Caetano do Sul.

A partir daí, as complementações da capacitação dos facilitadores foram feitas visando instrumentalizá-los para atender às diversas demandas que recebem e, inclusive, para atender casos de infrações cometidas por adolescentes, tendo por fim a substituição do processo judicial – que atribuiria uma medida sócio-educativa – pelo processo restaurativo. Um novo programa de capacitação foi estruturado ouvindo-se a opinião e necessidades apresentadas pelos facilitadores, que emergiam de sua prática. Os capacitadores buscaram identificar não só a satisfação dos facilitadores quanto ao resultado das práticas e os recursos utilizados, como também os aspectos em que percebiam a necessidade de serem instrumentalizados.

110 Até então utilizamos o termo “pacificadores”, entretanto, no contexto brasileiro e em específico em São

Caetano do Sul o termo utilizado é “facilitadores”.

111

As informações contidas neste tópico foram extraídas de Melo (2008).

112 A posterior adaptação do modelo sul-africano para o contexto brasileiro foi feita por Vânia Curi Yazbek do

Visando-se a auto-sustentabilidade do projeto e a autonomia das comunidades, estabelecem-se coordenadores locais que têm a função de oferecer apoio contínuo aos demais facilitadores e, eventualmente, capacitar novos facilitadores.

O papel do coordenador [...] é ser um interlocutor para os demais facilitadores; é ser alguém com mais experiência que servirá como fonte de referência das práticas em uso na comunidade para os demais facilitadores recém capacitados.113

Em 2008 a técnica da Comunicação Não-Violenta também foi apresentada aos facilitadores do contexto comunitário. A formação passa a incluir, portanto, técnicas diversas. Desta forma, os facilitadores passam a poder utilizar uma técnica ou outra, de acordo com o caso, considerando a diversidade dos conflitos, dos contextos e dos envolvidos.114 Os facilitadores de círculos comunitários priorizam a técnica Zwelethemba, porém analisam cada caso e avaliam a possibilidade do uso de outras técnicas restaurativas.

Nesses encontros de capacitação são realizados exercícios e simulações de círculos restaurativos, por meio da técnica psicodramática de role playing. São trabalhados três eixos temáticos: conversação como ferramenta, violência doméstica e de vizinhança e justiça como proposta de intervenção. Cada tema é tratado considerando-se como o facilitador se relaciona com o tema, através de exercícios de auto-conhecimento e levantamento dos recursos dos próprios facilitadores.

Num segundo momento da capacitação, encontros são realizados visando possibilitar a auto-sustentabilidade do projeto, por meio de supervisão, empoderamento do grupo, reflexão, gerenciamento de seu treinamento, busca de apoio no grupo e sua autonomia como facilitador.

Ainda tendo em vista a sustentabilidade, num terceiro momento, foram implementadas oficinas de acompanhamento e supervisão, utilizando-se de modelos de conversação, troca de experiências e ajuda mútua, visando o desenvolvimento e aprimoramento da prática, sem o acompanhamento dos capacitadores.115

Foram capacitados, aproximadamente 30 facilitadores comunitários de práticas restaurativas comunitárias em São Caetano do Sul, sendo a maioria do sexo

113 Melo, p.155, 2008.

114 É importante destacar que diversos professores e profissionais escolares também foram capacitados nas

diferentes técnicas e modelos, o que possibilita que atuem como facilitadores nos conflitos que ocorrem no contexto escolar.

feminino. Os facilitadores foram selecionados na própria comunidade. Fazem parte de organizações religiosas, associação de pais e mestres e clubes da terceira idade. São voluntários que, inicialmente, durante a capacitação, recebem recursos financeiros apenas para seus custos diretos na ação.116

III Justiça Restaurativa e Juventude

Konzen problematiza a idéia de que a Justiça Juvenil age em nome do “bem”, fato confirmado quando se comparam as práticas e discursos da Justiça Penal adulta com as da Juvenil. Nos casos de delito adulto, a neutralidade e imparcialidade para o julgamento devem-se à possível retirada da liberdade, um mal pelo mal causado, baseado no razoável e no adequado a determinado delito. A pena, portanto, como uma medida contra a vingança e a garantia de prevenir os delitos e as punições injustas.117

Já no que se refere à Justiça Juvenil, Konzen destaca que a “Medida” vem adjetivada do termo “Socioeducativa”, o que garantiria a satisfação de necessidades desses jovens, por isso uma ação do “bem”. Aliando-se às religiões e intervenções científicas e curativas, vinculando-se às políticas de saúde e assistência, duas alternativas: são produzidos laudos patológicos sem crítica ou adota-se uma visão protecionista de que o jovem foi prejudicado socialmente. São argumentos que caminham junto às Medidas, visando seu bem-estar e sua proteção. O jovem “incapaz de responsabilidades e de exercer o direito à palavra.”118

Konzen questiona se seria aceita a prisão de um adulto visando satisfazer suas necessidades, argumento recorrente para os jovens, questionando a sustentabilidade da restrição ou da privação de liberdade como método de alguma teoria pedagógica.

Ancorada nos entulhos institucionais de bem-estar, navega a Justiça Juvenil por enredos escandalosamente arbitrários, em que o fim justifica o meio, mesmo que esse meio sacrifique bem jurídico indisponível, condição de dignidade de toda pessoa humana somente autorizada a sacrifícios em determinadas circunstâncias objetiva e previamente estabelecidas.119

116 Está em discussão a possibilidade das empresas disponibilizarem horas de trabalho de seus funcionários que

são facilitadores, tendo como contrapartida o abatimento fiscal, pois é considerada uma contribuição ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Um plano de carreira para o facilitador também está sendo discutido na Secretaria de Justiça e da Educação, onde estão sendo definidos requisitos que lhe permitem capacitar e coordenar outros facilitadores.

117

Konzen (2008).

118 Konzen, p. 7, 2008. 119 Idem, p. 8.

O rompimento com o paradigma da Situação Irregular e do Bem-estar do menor, a partir da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, estabelece uma nova doutrina: a da Proteção Integral. O adolescente, sujeito de direitos, deve ser protegido de perdas pela imposição de restrição da liberdade, o que, segundo Konzen, está em alinhamento com as conquistas da Justiça Penal adulta.120

Para Konzen, os jovens têm uma inclinação a transgredir a Lei Penal, pois testam os limites da convivência. Afirma que os atos de violência dos jovens assemelham-se aos do adulto, principalmente no modo de agir e nos resultados. Entretanto, o jovem deve ser considerado em sua condição peculiar de desenvolvimento. Por isso, deve-se reconhecer mais suas capacidades diferenciadas do que focar suas incapacidades.121

A responsabilidade por seus atos é um elemento importante no processo pedagógico previsto pelas Medidas, considerada como a condição subjetiva de responder. Responsabilidade que, segundo Konzen, é diferente da responsabilidade penal adulta ou da culpabilidade. É o adolescente como tendo condições de “perceber as conseqüências do comportamento e de assumir o sentido da resposta.”122

A Medida é

Fruto de uma relação constituída pela verticalidade, em que o poder jurisdicional impõe a sua percepção da realidade; em que o adolescente acusado é chamado a comparecer e a exercer a sua fala por interposta pessoa; em que a busca do resultado e a resistência é desenvolvida em jogos de interesses liderados por Personagens estranhos ao conflito-sede do ato infracional.123

As alternativas judiciais até então existentes desconsideram a participação das pessoas direta ou indiretamente envolvidas no conflito. O que se dá é “o uso da força, o poder da ordem, o controle, a segurança, o respeito ditado pela norma, valores sociais desejados pelo jurídico e, por isso, confiados ao Estado-Juiz.”124

A Justiça Restaurativa surge nesse contexto como uma possibilidade de resolução de conflitos, com possível restauração das relações entre as partes envolvidas no conflito. As pessoas envolvidas retomam a possibilidade de resolver seus conflitos, com um compromisso com o processo, que busca horizontalizar e

120 Konsen (2008). 121 Idem.

122

Vicentin, p.330, 2005 In: Konzen, p. 10, 2008.

123 Konzen, p. 13, 2008. 124 Idem.

pluralizar as relações. A Justiça Restaurativa tem o olhar centrado nos sujeitos da relação, nos grupos e nas comunidades.

O que se percebe nas práticas restaurativas, e em especifico nas de São Caetano do Sul, é que os propósitos da legislação infanto-juvenil se articulam com os da educação.

[...] assegurar às crianças e adolescentes todas as oportunidades e facilidades para lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (art. 3º. do ECA) [...] e o papel formativo a que se atribui à educação (art. 1º. da LDB)[...] tendo por finalidade (art. 2º. da mesma legislação) o pleno desenvolvimento do educando e seu preparo ao exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.125

Importante destacar que essas são responsabilidades da família, da sociedade como um todo e das instituições governamentais. Assim, evidencia-se nas práticas de Justiça Restaurativa o foco na juventude, e em uma certa concepção de juventude, como ser em desenvolvimento, em formação. Processo de formação que se refere à ética das relações com o Outro, com a sociedade, onde se incluem os jovens como agentes de transformação da história.126

Konsen destaca essa pedagogia para a responsabilidade, que se constrói por meio da linguagem dialogal; e para a ética da alteridade, da possibilidade humana de dar prioridade ao Outro e ao sentido construído na relação. Ambas presentes nas práticas de Justiça Restaurativa.127

Adorno afirma que “o objetivo da escola deve ser a desbarbarização da humanidade.”128 Melo utiliza-se dessa problematização para afirmar que esse objetivo aproxima-se dos da Justiça Restaurativa de “desbarbarizar a resposta coercitiva e punitiva.”129 125 Melo, p. 69, 2005. 126 Melo (2005). 127 Konsen (2008).

128 Adorno, p. 117, 1995 In: Melo, p. 71, 2005. 129 Melo, p. 71, 2005.

CAPÍTULO 2 – DAS FERRAMENTAS CONCEITUAIS PARA PENSAR AS