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CAPÍTULO 4 – QUANTO AO LUGAR DO JOVEM NOS CÍRCULOS

3. Acordo encobridor

No Círculo 3, o acordo não foi realizado pois uma das partes não estava presente, entretanto algumas sugestões foram feitas:

M – Eu não vejo assim. Eu! Ele (pai) tem a opinião dele eu tenho a minha. Eu não vejo que é um caso de envolvimento de polícia, de jornal. Tem que colocar os dois juntos, vê o que ocorreu, você me ofendeu, eu te ofendi, ele segue a vida dele ela segue a dela.

Ad – Porque eu acho que a mágoa não passa assim, nem da parte dele e nem da minha. Então eu acho que uma desculpa é o mais correto. (Círculo 3)

E mais ao final do círculo retomam algumas possibilidades pra cessar o conflito:

F1 – E o que vocês gostariam que fosse feito pra que não acontecesse mais isso e não prejudicasse mais ela também? (dirigindo-se ao pai)

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As facilitadoras pedem autorização às mães para conversarem a sós com os adolescentes, fato que remete aos procedimentos policiais e judiciais de escuta de menores de 18 anos, mas de fato não sabemos ao certo da necessidade de acompanhamento ou autorização de responsáveis nos círculos restaurativos.

P – Que apaziguasse. Separa, cada um num canto, ficou insustentável. M – Eles que têm que amenizar entre eles.

F1 – A gente pode intervir pra mudar a classe, já aconteceu nessa mesma escola...

Ad – Eu acho que uma desculpa vai ficar bom pros dois, vai reconfortar os dois, a amizade acho que não vai ter como, vai ser sempre colega.

F1 – Independente, a gente pode também ir na escola e ver uma possibilidade da situação ser diferente. (Círculo 3)

Apesar da jovem e sua mãe acharem que eles precisam conversar e pedir desculpas, ainda assim o pai, principalmente, mas também a facilitadora, acham necessário silenciar o conflito, apaziguá-lo, com a separação dos jovens. A mãe tenta trazer o lugar dos jovens na resolução do conflito, no processo de construir um acordo.

Parece-nos que o mero distanciamento não implica a possibilidade de um perceber o outro, rever a relação e os Personagens atribuídos a cada um, e o próprio conflito. A nosso ver, esse distanciamento precisaria vir acompanhado de uma reflexão acerca dos lugares ocupados no conflito.

4. “Fazer-se de tonto”

No Círculo 2, também não há um acordo, pois uma das partes do conflito não estava presente. Entretanto, uma sugestão é feita pela facilitadora para que o jovem evite novos conflitos:

F1 – Tem que pensar duas vezes pra não entrar em outra fria, porque às vezes a gente perde a cabeça, é difícil às vezes controlar, mas a gente tem que... tem coisas que a gente tem que engolir,

se fazer de tonta, pra não se prejudicar, né. Porque isso é transtorno pra todo mundo. Você é menor

de idade, a família tem que ir junto porque tem que ir um responsável. Aí passou dos 18, aí você que vai ter que responder pelos seus atos, também é complicado porque muda toda a sua vida. Então procurar sempre... pensar direitinho... respirar. Tem as vezes que é melhor a gente fingir que não

ouviu, passar por bobo do que responder, né? Que tem casos que às vezes a gente acaba se

prejudicando. (Círculo 2)

Evidencia a importância de se “silenciar”, e desconsidera o movimento de resistência do jovem. Entretanto, é importante lembrar a situação de violência a que o jovem estava submetido na relação professor-aluno, onde se manteve, por bastante tempo, “silenciado”. Vitimiza o jovem, despotencializando seu movimento de reagir às agressões, potencializando o Personagem que até então desempenhava, de aluno “silenciado”.

IV - De como o jovem é afetado pela atribuição de Personagens

Pudemos perceber, nos quatro círculos que acompanhamos, como foram atribuídos aos jovens Personagens pelos quais são identificados. Essa atribuição, em certa medida, foi co-construída nas relações em jogo. Preocupa-nos perceber

que, em alguns casos, os Personagens são impostos aos jovens e eles são olhados pelos estereótipos, com pouca ou nenhuma possibilidade de serem percebidos em sua subjetividade, o que reduz muito a possibilidade de mudança nas inter-relações.

Isso fica bastante evidente nas falas do jovem e sua irmã, presentes no Círculo 2, onde podemos olhar com mais atenção como o jovem foi afetado pelos conflitos e pela imposição dos Personagens aluno “problema”, “silenciado” e jovem “violento”.

I – Eu só o vi nervoso uma vez na vida, bravo dessa forma. [...] E pra ele se alterar dessa forma pra agredir uma pessoa, porque não deixa de ser uma agressão, verbal, ele chegou ao extremo dele.

Ad – Eu tava tremendo muito, até me levou pro hospital.

I – É verdade, ele quase desmaiou lá de tão alterado que ele tava. A coordenadora até ligou lá pra casa pra alguém levar ele pro pronto-socorro porque tava passando mal. (Círculo 2)

A irmã do jovem relata seu desejo de proteger o irmão das agressões da professora, tomando para si a responsabilidade de ir em defesa de um jovem que foi silenciado, que não tem o direito a voz na relação professor-aluno e não consegue, sozinho, proteger-se destas agressões:

I – Eu queria conversar com ela, ele que não quis. Porque... eu gosto de pôr todos os pingos nos is, preto no branco, eu ia conversar diretamente com ela, mas ele não quis porque achou que eu ia brigar, falar alguma coisa, não que eu sou uma pessoa agressiva, que vai bater, nada disso. É que verbalmente ele sabe que eu sei falar muito bem e chego até a colocar uma pessoa no lugar só com uma simples palavra. Mas ele não queria que eu falasse nada porque ele pensou que eu poderia prejudicá-lo com ela. Então só falei com a coordenadora mesmo, ela me aconselhou. Como o BO já foi pra frente... que o mínimo que ia acontecer era isso, uma reunião restaurativa entre os dois. Como a gente nunca lidou com esse tipo de coisa, nunca lidou com advogado, com polícia, nada disso, a gente nem sabia como agir, mas ela deu bastante assistência pra gente, aconselhou... até pra ele mesmo, que ele ficou mal, foi uma semana muito ruim, tanto pra ele como pra gente ver como ele ficou deprimido, que nem computador... adolescente é computador, televisão, vídeo game... ele não fazia nada, dormia o dia inteeeiro, só queria fica dormindo. Então foi uma semana muito difícil, depois também a gente conversou novamente. Não é bem assim, que não podia ficar desse jeito, que a vida continua, mesmo que tenha um BO, aí foi que ele começou a voltar a ser o Jonathan que ele era, computador, vídeo game, som alto, tudo... (risos de todos).

F1 – É que pra ele foi...

Ad – É. Nunca aconteceu isso comigo, aí fica meio que abatido, né? Porque... nossa tá acontecendo mesmo? E no momento eu fiquei mais nervoso porque eu sempre me prejudiquei por causa dela. E agora prejudicar de novo, caramba! (Círculo 2)

Podemos perceber, na fala da irmã, um Personagem que se opõe ao Personagem aluno “silenciado”, destacando suas característica que diz de um Personagem “articulado”, contrário ao assujeitamento imposto ao jovem/aluno.

Entretanto, o jovem consegue identificar aspectos positivos no encaminhamento do conflito para a Justiça, no caso a Justiça Restaurativa, como segue:

F1 – Quando você recebeu a intimação, como é que você se sentiu?

Ad – Ah, no momento me senti meio que prejudicado, né? Pela minha ação, né? Fiquei arrependido de ter feito aquilo. E... pensei que eu podia ter mudado a situação e ter escutado o que ela tinha falado e descer, falar com a coordenadora, ela falar com os meus responsáveis. E no momento, não é que eu fiquei feliz, né, mas eu fiquei meio que ah, pelo menos vai pro Fórum e ela vai ver que eu tenho família, que ela pensava que eu não tinha, sei lá, ela pensava que eu era um bobo, achou que ia ficar pisando em mim toda hora.

F1 – Você acha que pra ela você não tinha ninguém, que ninguém se incomodava com você. Ad – Acho que ela pensou que ia continuar pisando em mim e eu ia ficar quieto. Achei até bom porque ai pelo menos resolve civilizadamente, né, não com... porque eu sei que se eu fosse reclamar na superior dela ia continuar a mesma coisa. Porque um aluno contra um professor é meio difícil a palavra do aluno. (Círculo 2)

O jovem deixa de ser o aluno “problema”, porém não é reconhecido na mudança. Silenciado, chega a ser identificado como jovem “violento”, Personagem que não desempenha e com o qual não se identifica, mas, assim mesmo, é nele enquadrado, pois agora é um jovem “fichado”. Ver-se nesse Personagem assusta o jovem, afeta sua subjetividade e mesmo a percepção que tem de si, pois sabe que ser “fichado” significa arcar com uma carga emocional bastante forte e de muito preconceito.

O jovem reforça a idéia de que, no contexto escolar, o aluno não tem voz quando diz de um conflito na relação professor-aluno. É preciso que a família reafirme e dê potência a sua queixa.

Na seqüência, aprofundaremos a discussão referente à família, no contexto dos círculos restaurativos.

V - Do lugar da família

A família e cada um de seus membros aparecem, nos diferentes contextos, por diversos Personagens, atribuídos ou desempenhados. De forma geral, assim como aos jovens, também às famílias são atribuídos alguns Personagens estereotipados e conservados, como veremos a seguir. Além disso, podemos identificar o desempenho de alguns Personagens por pessoas da família que dizem de sua função em relação ao jovem: como causa dos comportamentos dos jovens, como defensoras e capazes de dar voz ao jovem, como quem não sabe o que acontece e como quem não tem voz.