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CAPÍTULO 4 – QUANTO AO LUGAR DO JOVEM NOS CÍRCULOS

3. Família em defesa do jovem

Podemos notar, em todos os círculos acompanhados, o desempenho de Personagens que vêm em defesa dos jovens, nos diferentes contextos. Essa defesa aparece na situação de conflito ou no círculo restaurativo.

No Círculo 1, a mãe da adolescente, que estava envolvida no conflito, preocupa-se com a segurança da filha em relação ao adolescente que a agrediu. Procura defendê-la de futuras agressões.

No Círculo 2, fica evidente que, antes de saber do conflito entre o jovem e a professora, a família do jovem não podia protegê-lo das agressões que sofria da professora. Depois de saber do jovem o que estava acontecendo, as constantes agressões, a família toma providências, conforme conta a irmã:

I – Mas isso já havia acontecendo, de ele não entrar na aula dela antes desse ocorrido porque ele já se sentia agredido por ela verbalmente. Tanto que depois eu fiz uma ocorrência na delegacia de ensino, de bullying. Aí que a gente ficou sabendo de outros fatos de agressão a outros alunos. (Círculo 2)

No Círculo 3, a mãe da jovem descreve sua preocupação e incômodo ao saber que sua filha foi agredida:

M – Tinha uma viatura da polícia de SCS com ela, e ela estava chorando, ela estava alterada. Ela falou: o moleque me bateu. Como mãe, tanto eu quanto ele, nós nunca batemos nela, nem de criança e nem de adolescente, sempre procuramos conversar. (Círculo 3)

Essa mãe percebe também que sua família, como um todo, foi exposta a uma situação de violência com a qual não costuma lidar:

M – Não quero ficar indo em delegacia, em fórum, porque eu tenho um filho homem, o que acontece dentro do meu lar é retrato pra ele, pra ela não, que ela é mulher, mas pro meu filho vai retratar pra ele lá na frente. Eu entrei na escola às 7hs, tô aqui sem almoço, sem banho e ele não tá aqui. Então tá bom, se ela é um fardo pra ele na escola, ele não tem mais ela.

F1 – E ela não vai perder o ano?

M – Não, porque entramos com o pedido médico, já conversei com a direção. F4 – cochicha com F1

F1 – O ideal seria ele vir?

M – Eu não virei mais, como eu respondo por ela, eu acredito que ela não virá mais, porque eu tô expondo meu filho, tô tirando ele do lazer dele.

Percebe que a jovem ficou exposta durante o registro de Boletim de Ocorrência, conforme discutimos no eixo temático rota do conflito, e demonstra preocupação em relação ao filho, de aproximadamente 10 anos, que está presente no círculo, porém sem participar.

Explicita que também se sente desrespeitada ao comparecer no círculo, pois está ali por mais de 1 hora, expondo a si e a sua família, e é informada que precisará voltar para finalizar o círculo. Nesse momento, prefere não dar continuidade ao círculo restaurativo, sente que o rapaz está debochando deles. Visando sua proteção e de sua família, prefere que, nesse momento, a filha fique afastada da escola para fazer uma cirurgia que é necessária. O pai apóia a decisão da esposa, desejando que o círculo não tenha continuidade.

No relato que segue, podemos perceber o Personagem da mãe “defensora de sua cria”, não aceita a agressão sofrida por sua filha e enfrenta o rapaz:

M – Ele entrou. Ele encarava nós. Ele olhava pra nós e nós olhava pra ele. Aí o delegado saiu da sala. Aí eu falei pra ele: Bata nela agora! Mas não que eu fosse pra cima dele, eu queria ver ele batendo nela, porque se ele bateu nela na sala, queria ver ali, no meio dos pais, dos policias, num ambiente de segurança... aí ele ficou com cara de deboche, tirando sarro com a minha cara. Ele estava sentado bem de frente e ele encarava nós, não tinha outro ambiente. Eu ia desviar meu olhar por quê? Eu não matei, eu não roubei, eu não fiz nada contra ele. Ele dava depoimento e olhava pra mim. Mas ele dizia: elas que estão olhando pra mim. Quando eu converso com a pessoa eu olho nos olhos, então não tinha onde eu colocar meu olhar. (Círculo 3)

Apesar de afirmar que não agrediria o rapaz, percebe-se que o Personagem da mãe “defensora da cria” tem uma função clara: defender sua filha e família e evitar outras agressões à jovem.

Apesar de estar tomada pelo Personagem, podemos perceber que essa mãe é capaz de afastar-se dele e tentar se colocar no lugar do rapaz, olhar para ele tomando o seu papel e buscando compreender os motivos da agressão:

M – Pagar com serviços, eu não queria isso. Colocar os dois frente a frente pra ver o que aconteceu. Esclarecer pra mim, pro pai dela o porquê da agressão. Eu cheguei a uma conclusão que alguma coisa nela incomoda ele. Alguma coisa aconteceu, alguma coisa ela pode ter feito, inconscientemente ou conscientemente, que machucou ele e que foi o momento pra ele atirar ali e se defender. Eu, como mãe, como educadora, como sociedade, eu vejo assim, alguma coisa nela o incomoda. E o que é? Só ele pode dizer, eu não posso dizer, ela não pode dizer, ninguém, só ele. Então por que ele não tá aqui? Se ele não veio, futuramente eles não podem freqüentar a mesma sala. Tanto é que agora ela tá afastada porque voltou o problema no joelho, a gente tá correndo atrás de cirurgia. (Círculo 3)

Apesar de continuar sem compreender os motivos da agressão, um não-dito paira no ar, inveja, mas ninguém pode afirmar ser esse o motivo da agressão, o rapaz não está presente. Um facilitador verbaliza esse motivo quando faz uma tomada do papel do rapaz e a família parece acreditar ser esse o motivo do conflito, mas é preciso ouvi-lo diretamente do rapaz.

Outro aspecto importante é perceber como a mãe, mesmo tomada pelos afetos de seu Personagem “defensor”, pode despir-se dele e tentar aproximar-se afetivamente do rapaz para compreender sua motivação. Sabe-se que a capacidade e disponibilidade de sair do Papel e Personagem que desempenha e experimentar- se no contra-papel, no lugar do outro, é saudável e possibilita a empatia e percepção dos afetos desta inter-relação. Este é um importante caminho para co-construção e a mudança de relações que estão em conflito.

No Círculo 4, podemos perceber a emergência de um Personagem que vem em defesa do jovem, a avó “que bate na mesa”.

Av – Se ele (professor) xingou também a mãe dele, por sua vez, piorou, ele não tem que xingar ninguém, entendeu? Porque professor que xinga e fala, ofende os outros... Então, tem um monte de coisa aí que tem que ser apurada, né.

Entretanto, a emergência deste Personagem da avó, “que bate na mesa”, não faz uma defesa irrestrita do jovem, mas busca perceber o conflito em seu aspecto mais amplo, considerando a fala de todos e, durante a maior parte do círculo fica imparcial, passando a defender o neto apenas quando percebe que ele pode ter sido agredido também e quando lhe são feitas acusações mais graves, conforme vimos anteriormente.