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Ao analise os mecanismos de passagem da identidade étnica para nacional entra-se no debate sobre o processo de modernização em Moçambique. O estudo de Graça sobre a “Origem da nação em África” chagou a uma conclusão metafórica bastante interessante quando se concentrou na análise da nação, desenvolvimento e modernização. Ele conclui metaforicamente que “estudar a construção da nação em Africa é estudar a Africa Moderna, essa Africa que cresce de forma única e original como uma árvore europeia, entretanto enxertada na velha árvore africana” (Graça, 2005: 132).

Graça compara a construção da nação em África ao processo de enxertia de uma árvore. É aqui onde está a premissa básica do debate sobre a modernização em Moçambique que implicou a passagem de formas políticas tradicionais para um novo figurino moderno. A matriz tradicional está baseada na chefatura e no patriarcado que se identificavam dentro duma cultura mais ampla, de matriz étnica, que extravasava os limites da unidade política ou parental e, em certos casos, formava-se uma unidade político-militar abrangendo um território multiétnico sem se preocupar em desenvolver políticas de integração cultural ao nível estatal. Estas são as matrizes da referida velha árvore africana.

Ora, a virtude de uma árvore enxertada advém do facto de ter sido produto de associação de dois elementos desejáveis provenientes de duas variedades diferentes de uma mesma espécie de árvore, muito mais para o melhoramento do fruto. Neste processo um “cavalo” (caule da planta hospedeira) vernacular, adaptado ao meio, sendo por isso tolerante às adversidades locais é enxertado um “garfo” (gema terminal de uma planta), bem selecionado numa outra árvore melhorada ou exótica, escolhida pela melhor qualidade dos seus frutos. Não se trata aqui de retomar as teses gilbertianas usadas para a formulação da teoria para a justificação da persistência da colonização portuguesa em África e que já provocaram muita polémica. Mas sim, mostrar a partir da metáfora de Graça os elementos associados na formulação da teoria colonial, concretizada pela edificação do Estado moderno colonial, o antepassado imediato do Estado Nacional moçambicano em definição.

O primeiro passo, no processo de enxertia começa com a selecção da melhor espécie da árvore pretendida, aquela melhorada ou exótica e que dá melhores frutos. Neste caso, era necessário que Portugal encontrasse o modelo teórico que melhor guiasse a sua prática no

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terreno colonial. Assim, é preciso recuar um pouco para captar as premissas do processo da formulação teórica da colonização portuguesa.

Em termos de formulação teórica geral, a ideologia colonial portuguesa posiciona-se como assimilacionista. A assimilação colonial portuguesa pressupunha a identidade entre a colónia e a metrópole. Constituía, em teoria, uma promoção dos seus “princípios informadores da contribuição universal para a sociedade humana precisamente da cultura europeia e da doutrina da igualdade de todos os homens defendida pela Revolução Francesa” (Lippolis, 1998: 64, Col. I).

A doutrina colonial portuguesa de assimilação inseria-se na tradição universalista da missão civilizadora, Graça (2006) considera que ela constitui uma herança histórica da cultura portuguesa iniciada nos tempos dos descobrimentos por Infante D. Henrique. Entretanto, a sua forma mais moderna foi desenvolvida pelos franceses e entrou em Portugal com as ideias liberais que sucederam a Revolução Francesa. No século XIX ganhou novo ímpeto quando reinava na Europa a mentalidade de que a colonização de África era um direito e também um dever de transmissão de civilização e progresso.

“A dominação e a exploração de colónias eram legítimas em nome da lei natural, justificação jurídico-filosófica de uma ordem universal da humanidade que transcende as convenções civis e legais específicas de cada sociedade” (Gentili, 1998: 198).

Na teoria de assimilação, existem pelo menos duas linhas de pensamento: uma das linhas postula a assimilação total e pessoal dos povos submetidos á dominação, e a outra era por assimilação parcial.

A assimilação total baseava-se no princípio de igualdade de todos os homens, por isso advogava a existência de diferenças impossíveis de se superar pela instrução e pela acção da “missão civilizadora” da cultura europeia e cristã, tida como superior. “Requeria para o súbdito colonial o mesmo tratamento reservado para o cidadão da pátria-mãe, com todos os direitos e deveres inerentes a tal estado” (Ibid.), esta linha coincide com o que aqui se designa por assimilação uniformizadora. Diferentemente da assimilação parcial que julga impossível a assimilação total e era a favor de uma assimilação do tipo administrativo, político e económico, entre a colónia e a metrópole. Esta última foi a política de assimilação assumida por Portugal desde os finais da monarquia, é definida como gradualista e/ou selctiva. Esta acepção de assimilação é aqui designada por tendencial. Na verdade, foi este último tipo de

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assimilação que mais caracterizou a política colonial portuguesa em Moçambique até 1961, altura em que o estatuto de indigenato foi formalmente abolido.

Na formulação da ideologia colonial portuguesa, no quadro da assimilação uniformizadora é preciso considerar alguns factos históricos bastante relevantes que funcionaram como se fossem coreias de transmissão, sendo de destacar a “Constituição de 1822, que proclama o princípio de unidade de estatuto político e legislativo entre as colónia e a metrópole” (Andrade, 1997: 25), isto porque, a Junta Provisória instaurada no âmbito da Revolução Liberal de 1820, com o rei português exilado no Brasil, manifestou desacordo perante o termo colónia (alterando-o para Províncias Ultramarinas) e sublinhou a igualdade de todos os cidadãos de todos os territórios sob o domínio português. Após as revoluções liberais, a tendência política que se manteve dominante no período da monarquia constitucional, foi para uniformizar e impor a centralização. Gradualmente, o edifício ideológico se compôs cujas vertentes se assentavam numa “legislação referente à assimilação dos autóctones (direitos civis e político ao nível dos indivíduos) e a integração dos territórios” (Ibid.).

O triunfo do liberalismo em Portugal, constituiu uma premissa das mais importantes que terá contribuído, evidentemente, para dar azo a toda a dinâmica socio-política na metrópole e, por reflexo, nos territórios colonizados. Andrade (1997), observa que

“o liberalismo integra certos aspectos das ideias iluministas, da maçonaria e do jacobinismo. Com o seu advento, abriu-se o vasto campo de pleno exercício da ‘livre comunicação dos pensamentos’ materializada nos movimentos associativos, na imprensa, na eloquência parlamentar e na literatura política”.

Quando se promulgou o Código Civil Português foi imediatamente tornado extensivo ao Ultramar pelo Decreto de 18 de Novembro de 1869 (Ministério do Ultramar, 1961: 6). Isto significa que com a promulgação das leis liberais de aspiração vintista, estendeu-se aos africanos sob dominação portuguesa o conceito de cidadania. Mas nas colónias a perspectiva oficial imposto pelo Estado português negava em princípio qualquer identidade alternativa a não ser no quadro das instituições portuguesas. O princípio de unidade imperial em que Portugal significava a civilização, as culturas africanas consideradas inferiores estavam destinadas a desaparecer. Os “indígenas”, que eram a vasta maioria dos africanos eram súbditos tidos como irrelevantes para a identidade da nação. “A assimilação implicava, para a pequena fracção que evoluía para o estatuto civilizado, a substituição dos costumes e identidades africanos pelos valores portugueses” (Minter, 1998: 112).

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Evidentemente, até à década de 1880, a política colonial havia se baseado em vários pressupostos, porém, o mais importante constituía uma espécie de uma doutrina liberal assimilacionista, embora a sua clara definição tenha sido feita apenas em 1917, muitas leis anteriores sempre fizeram referência a ela (a assimilação). A política de assimilação pode ser entendida como uma realidade inerente à noção de colonização. Na concepção dos teóricos do colonialismo colonizar significava “civilizar e civilizar implicava a elevação dos ‘indígenas’ ao nível da civilização e cultura portuguesa, educando-os e cristianizando-os” (Rocha, 2011: 117). Neste contexto e,

“na medida do possível, as colónias deveriam ser tratadas como membros da metrópole; seriam aplicadas as leis metropolitanas, alargados os direitos cívicos; prosseguidas as políticas económicas liberais e liberalizado o regime laboral. Moçambique enviaria deputados às Cortes e os orçamentos coloniais eram tratados como uma questão orçamental global, os seus défices e superavits acumulados, e qualquer défice coberto pelo governo da metrópole” (Newitt, 1997: 338).

A assimilação nestes termos constituía um projecto cultural que, supostamente, permitia aos negros aceder às facilidades dos brancos e terem as mesmas oportunidades de educação e de progresso. Em princípio, a assimilação embora aparentemente uniformizadora, na prática implicava o não reconhecimento de igualdade e se fundava na desigualdade assente nos princípios raciais.

“Coerente com a doutrina evolucionista, a teoria assimilacionista partia da noção de que a diversidade entre as raças podia ser reduzida a formas sociais universais e que, portanto, através da dominação colonial se poderia transformar os costumes e as instituições indígenas à imagem e semelhança da civilização [portuguesa]” (Gentili, 1998: 197).

Doutrina coerente com a concepção jacobina da República, una e indivisível, o que implicava a centralização administrativa na metrópole, foi sustentada como referência ideal em todas as fases da história colonial portuguesa, embora tenha registado nuances ao longo do seu percurso no tocante à centralização e descentralização administrativa das colónias. Isto fez com que a história administrativa e política de Moçambique durante o período da dominação colonial portuguesa tomasse o carácter de um diálogo entre tendências centralizadoras e descentralizadoras. Nessa óptica, a centralização implicava, por norma, não só o controlo político cerrado de Lisboa, como também tentativas, melhor ou pior sucedidas de integração económica e assimilação social.

A política de assimilação uniformizadora e toda a doutrina universalizadora do homem foi assumido e apregoado num contexto em que Portugal ainda não tinham domínio efectivo dos

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territórios e povos africanos onde julgava possuir direitos históricos. As diferentes unidades políticas africanas distribuídas sobre os espaços reivindicados mantinham ainda o seu poder intacto. Internamente a monarquia constitucional ainda se encontrava na fase de consolidação depois dos abalos revolucionários dos anos de 1820 e da perda do Brasil, seguidas de ascensão progressiva de oposição socialista e republicana, era importante concentrar-se nas questões internas enquanto a política colonial se relegava para o segundo plano. Nestas circunstâncias a assimilação uniformizadora sobressai como reflexo do debate político interno e não como algo especificamente concebido e direcionado para as colónias, pois elas ainda não tinham sido objectivamente configuradas. Portanto, admite-se que esta tenha sido uma premissa, mas não é aqui onde se revê a ideologia colonial portuguesa, será a partir da década 70 e, com maior intensidade na década 90 ambas do século XIX que a política colonial portuguesa começou a ser sistematicamente configurada.