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Antes do debate sobre identidade nacional, importa debruçar resumidamente sobre a história do conceito da nação do qual se deriva o adjectivo nacional, por tratar-se da primeira vez que se busca de forma específica nesta pesquisa. Etimologicamente “nação deriva do latim

natione, do verbo nasci que significa nascer e por extensão ter a origem, provir, começar”

(Graça, 2005: 19). O autor considera que originalmente o conceito usou-se para designar um grupo de pessoas nascidas ou provenientes de um mesmo lugar. O uso que dele se faz na tradição latina da Bíblia, como sinónimo de países, povos e línguas, está próximo do seu sentido original.

Graça apresenta um percurso um pouco mais detalhado na evolução do conceito, do qual destaca-se aqui o momento em que ele ganhou a dimensão jurídica e aquele em que passa a integrar a componente política. Isso foi resultado de dois factos sociais importantes: a expansão colonial e a Revolução Francesa tal como esclarece o excerto que se segue:

“Com os descobrimentos e a expansão colonial dão origem a novas relações sociais reguladas formalmente pelo jus gentium. Os juristas ingleses vão traduzi-lo como law

10 O nome tswa é a forma hlengwe pela qual os zulu eram geralmente designados entre os tsonga (Junod, 1912b:

37). Por influência os portugueses usavam este nome indiscriminadamente para os ngunis de Gaza, comutativamente com o próprio nome nguni, assim como para os hlengwe de Inhambane.

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of nations (a expressão precursora de international law). Assim, o conceito ganhou

uma dimensão jurídica que não possuía anteriormente, de modo a tornar operativo nas relações entre colonizadores e colonizados. No século XVIII, por via da luta política que caracterizava a Revolução Francesa, essa dimensão jurídica saiu reforçada pela fórmula que legitimou o acesso do Povo ao Poder, isto é, que legitimou a nova fórmula de controlo do Estado com base num conceito objectivo de Povo enquanto Nação, um conjunto maioritário de indivíduos reconhecidos como tendo em comum pertencerem à mesma realidade geohistórica, reclamando por esse facto a detenção do poder político em oposição à natureza transnacional das casas reinantes. O conceito de nação integrou assim uma componente política que passou posteriormente a fundamentar todos os movimentos de independência” (Ibid.).

No século XIX, o termo passa a ser progressivamente utilizado por autores consagrados como Hegel em Princípios da Filosofia do Direito, Tocqueville, em Democracia na América, dando-lhe um sentido semântico mais próximo ao uso dos dias actuais.

Entrando já no debate sobre a identidade nacional, nota-se que os desenvolvimentos teóricos encontram-se polarizados, tal como aconteceu nos debates sobre a identidade étnica. Aqui, a polarização está, por um lado, entre as concepções subjectivas, cívicas e políticas de construção nacional, também chamadas modernistas e, por outro as objectivas, étnicas e culturais, também designadas primordialistas (ou pré-modernistas).

Os objectivistas/pré-modernistas sublinham a importância de elementos pré-modernos de carácter geo-histórico, étnico-culturais, políticos, económicos, religiosos e outros. Ao passo que os subjectivisatas/modernistas, consideram a formação da nação e o nacionalismo como um produto recente, ligado às transformações do Estado moderno, dos complexos culturais e da economia, podendo dar enfase num ou em alguns aspectos destes. Todavia, estas duas correntes, não podem ser consideradas como sendo mutuamente excludentes, pois, são na verdade complementares. Isto consta no trabalho de Amante (2011: 16), no qual ela explica que na reprodução das identidades nacionais “estão envolvidos aspectos de natureza objectiva – a cultura, o território, as memórias históricas, etc. – mas é igualmente importante a sua dimensão subjectiva, traduzida não só na crença de pertença como nos contornos que se atribuem a essa pertença”.

Estas duas linhas podem ser bem reveladas em Fichte através dos seus Discursos à Nação

Alemã, 1807-8, que assume claramente a corrente objectivista, ao sublinhar o território, a

raça, a unidade da língua e da cultura como elementos essenciais da nação, e, na outra perspectiva, Renan com a sua obra Qu´est-ce qu´une nation? de 1882 defende os elementos cívicos e políticos na construção nacional, assumindo desta forma, a concepção subjectivista da nação. Tanto Fichte assim como Renan, apresentam as suas concepções sobre a nação

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motivados por factos especificamente contextualizados vividos nos seus países, Alemanha e França respectivamente.

Fichte proferiu os seus Discursos à Nação Alemã entre 1807 e 1808 na Academia de Berlim, na sequência de invasão napoleónica, depois da derrota de Jena. Inspirado no individualismo kantiano marcado por uma espécie de “Eu” individual, inicialmente saudava a Revolução Francesa. Mas, o excesso do patriotismo que acompanhou o período pós-revolução napoleónica, sobretudo o objectivismo da ocupação dos territórios alemães pela França obrigou à Fichte a passar o móbil do Eu individual para o Eu colectivo como elemento que qualifica a nação. Desde então, os seus discursos tinham como foco a identidade e a educação nacional como fundamentos para a construção da nação alemã. Na sua concepção, os alemães constituíam um povo antigo (Urvolk) ligado por um território, uma língua e uma cultura, elementos essenciais para a criação da nação (Fichte, 1808). As suas ideias foram mais tarde usadas com fins políticos, e contribuíram para a unificação alemã que aconteceu já na segunda metade do século XIX.

Renan (1997), por outro lado, assumindo uma concepção subjectivista da nação para servir os interesses da desforra francesa face aos alemães ocupantes da Alsácia e Lorena com suporte na concepção objectivista assente na geografia, língua, raça e identidade cultural tal como apregoava Fichte, lança o seu conceito de nação considerando-a como “um plebiscito de todos os dias, um princípio espiritual, a alma do território”. Para Renan “o que constitui uma nação, não é falar a mesma língua, ou pertencer a um grupo etnográfico comum, é ter feito juntos grandes coisas no passado e querer fazer no futuro” (Ibid.). No entendimento de Renan, “a essência de uma nação está em que todos os indivíduos tenham muito em comum, e também que todos tenham esquecido muitas coisas”. A nação moderna, tal como é hoje conhecida, “é, portanto, um resultado histórico produzido por uma série de factos convergentes”.

Integram-se ainda na corrente subjectivista tantos outros como Gellner com a sua obra

Nations and Nationalism (1983), que considera a nação como produto do nacionalismo e não

ao contrário. Para ele nação é “uma sociedade móvel, atomizada e igualitária, com uma cultura padronizada que seja letrada e ‘superior’, e cuja manutenção, disseminação e fronteiras sejam protegidas por um Estado. Dito de maneira ainda sucinta: uma cultura, um Estado; Um Estado uma cultura” (Gellner, 1996: 119). Ele considera que as nações não ‘existem realmente’ (apenas surgem como uma forma especial de correlação da cultura com a política sob certas condições económicas) e a transição marxista do feudalismo ao capitalismo

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só é aceitável se reinterpretada como a transição do mundo agrário para o mundo industrial (Gellner, 1996: 141).

Na sua argumentação considera que, as nações surgem na “era do nacionalismo”. Assim Gellner (1983) considera como ponto de partida do nacionalismo que deu origem às nações, o Estado moderno liberal surgido das revoluções burguesas e não nas sociedades anteriores política e culturalmente bastantes atomizadas. Para o subjectivista Anderson (1983: 6) “nação é uma comunidade política imaginada – e imaginada como inerentemente limitada e soberana”. E, Smith (1991: 22) define também a identidade nacional na mesma vertente subjectivista como “consciência da comunidade política, por mais ténue que seja”.

Perante este debate Graça (2005), tal como fez Amante, assume uma posição mediana procurando conciliar o objectivismo de Fichte com o subjectivismo de Renan numa primeira fase para depois avançar para uma explicação sobre como a categoria de nação foi construída e articulada na perspectiva normativa da Sociedade das Nações e da Organização das Nações Unidas, o que legitimou o anticolonialismo enquanto movimento nacionalista, tendo dinamizado os movimentos de autodeterminação, uma vez que a sua intenção é explicar a origem da nação em África. Neste sentido, ele considera que,

“A consagração institucional do conceito a nível internacional tornou-se efectiva no século XX por intermédio da Sociedade das Nações e da Organização das Nações Unidas. A primeira classificava as nações em civilizados e não civilizadas e serviu para gerir limitadamente a reformulação das soberanias políticas e dos equilíbrios de poder resultantes do pós-guerra, vendo-se, todavia, já compelida a enfrentar os problemas nacionalistas do espaço árabe. A segunda por via do desenvolvimento do conceito de igualdade de povos e culturas, acabou por legitimar e legalizar o anticolonialismo enquanto movimento nacionalista – apesar da contradição movimento nacional sem nação – o que fez triplicar rapidamente o número dos seus membros, num processo de evolução histórica sem correspondência no passado… Com efeito, ao contrário do que parece, é o Estado e não a Nação que passou a ser o princípio efectivo e dinamizador de qualquer movimento de autodeterminação” (Graça, 2005: 21).

É igualmente conciliatória a posição de Moreira (2000: 355) ao definir a identidade nacional como sendo a “comunhão no sentimento de pertença recíproca dos seus membros, que definem, e assumem como suas, uma história, um interesse, um destino”.

Estas premissas são importantes para percepcionar o contexto no qual o conceito da nação moçambicana de matriz multiétnica e politicamente concebido como um projecto em concretização está sendo articulado. O seu sentido de nação, assenta na sua coerência social baseada na história colonial e no projecto nacionalista da elite política e não na geo-história,

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nem na homogeneidade etno-cultural. Para Graça (2005: 22), no que diz respeito especificamente a Moçambique,

“é possível afirmar que é o Estado que tem vindo a promover a formação da Nação, a qual por sua vez se tem vindo a esboçar na interacção social vertical e horizontal, isto é, na dinâmica de estruturação de uma cultura nacional que traduz a influência recíproca entre as elites e as massas, num plano, e a variedade de grupos etnolinguístico e culturais, noutro plano. Este é especialmente complexo porquanto os grupos étnicos não deixam por vezes de serem grupos de interesse, inseridos no campo político e económico, que manifestam a sua etnicidade em determinadas circunstâncias que julgam lesivas e no âmbito das quais se geram ‘emoções contraditórias que podem ser mobilizadas pelos diferentes grupos’”.

Assim, para questões operacionais identidade nacional, deve ser entendido aqui como sendo um carácter performativo manifesto consciente ou inconscientemente pelos membros de uma comunidade político-jurídica, garantido por factores de natureza objectiva como a cultura, o território, as memórias históricas, assim como factores de natureza subjectiva como a comunhão no sentimento de pertença recíproca dos seus membros, permitindo-os definir e assumir como seus, um interesse e um destino independentemente das múltiplas diferenças que possam existir entre eles desde que assumam postura que os destaque internacionalmente.