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Os tsongas constituem um grupo étnico amplamente distribuído na região Sul de Moçambique, concretamente nas províncias de Gaza, Inhambane e Maputo, mas com uma ligeira entrada nas províncias de Manica e Sofala, na região Centro de Moçambique. Segundo Junod (1912a: 13) os tsongas têm também pequenas representações na África do Sul, concretamente no Natal (Amatongaland), e no Transvaal (nos distritos de Lydenbourg, Zoutpansberg e Waterberg); na Rodésia (actual Zimbabwe), mas também no reino da Suazilândia. Constituem um substrato bantu bastante estabelecido na extensa planície costeira do Sul de Moçambique, estendendo-se a partir de 28º Lat. S na costa do Natal (África do Sul) até ao rio Save (Moçambique) ao Norte.

O estudo de Junod (1912a) identifica seis sub-grupos pertencentes a etnia tsonga a saber: 1. O sub-grupo rhonga que comporta o que ele denomina de clãs Mpfumu, Matola,

Tembe com as subdivisões Matutuine e Maputo, Mavota, Mazvaya, Xirhindra e Manhiça, todos na actual cidade e Província de Maputo.

2. O sub-grupo Dzonga19, compreendendo de Sul ao Norte os clãs Khosa (Cossa),

Rikhotso, Xivuri e Matche. Outros clãs que se designam Hlavi, falantes de uma língua próxima do dzonga, são constituídos por Masvanganye, Pshungu, Mavhundla, Nkwinika e Makamo e Nkuna.

3. O sub-grupo N’walungu, é formado pelos clãs Baloyi, entre o Limpopo e o rio dos Elefantes, mais a Norte, ao longo do Limpopo até a sua confluência com o rio Phafuri encontram-se os Malulekes que ocupam também uma parte do Leste do Transvaal e

19 Dzonga e N´walungu significa Sul e Norte, respectivamente. São denominações com valor relativo e foram

inventadas provavelmente pelas populações das margens do rio dos Elefantes, mas são usadas de forma consensual em vários sítios.

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misturam-se com as populações venda e banyayi. Uma parte dos Maluleke fixou-se no Baixo Limpopo e adoptou o nome de Makwakwa de Khambane e Ndimandhe, por razões já explicadas num dos sub-capítulo anterior.

4. O sub-grupo hlangano, compreende o clã N´wamba, na planície a Leste da baía de Maputo e os clãs Mabila e Hlangano na cordilheira dos Libombos. Este sub-grupo estende-se para o território do Transvaal e os seus membros estão disseminados também nas terras baixas e desérticas de Lidenburg onde se misturam com os membros do grupo sotho (pedi) e swazi. A variante do tsonga por eles falada é muito próxima do dzonga.

5. O sub-grupo Bila, inclui os clãs das duas margens do Baixo Limpopo. Sofreu muita influência dos invasores nguni, mas alguns dos aspectos da sua língua conservaram-se. 6. Por fim, o sub-grupo hlengwe, esta designação abrange toda a população tsonga entre

o Limpopo e Save. Tem três sub-divisões: os hlengwe propriamente ditos, a Oeste dos Malulekes e Baloyi e que se estendem até ao Save, tem como principais clãs os Tsaúke, Mbenzana, Mavhuve e Maginyana; os tswa de Inhambane, com os clãs Libengwane, Ingwane e Mokumbi e, por último, os N’wanati, com os Makwakwas, Khambanes e Ndhimandhe, na fronteira com os chopis.

70 Figura 3: Carta geográfica das subdivisões do grupo tsonga

Fonte: Junod, (1912b)

É provável que Junod tenha estudado menos os grupos ao Norte do Limpopo comparativamente com os do Sul, razão pela qual não destrinça com maior detalhe os grupos do Norte tal como fez para com os do Sul, provavelmente seja por isso, em parte, que o próprio Junod considerou provisória a designação hlengwe para este substracto populacional tsonga. Junod inclui numa mesma denominação hlengwe sub-grupos bastante heterogéneos. Não considera a sub-divisão dzivi bastante distribuída no Leste que no esquema da sua

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classificação poderia muito bem ser distinguida dos hlengwe mais distribuídos na parte ocidental. Até porque alguns trabalhos como o de Grilo (1974) estabelece essa distinção. As subdivisões feitas por Junod ao grupo tsonga têm sido adoptadas por muitos estudos, mas sem querer pôr em causa o mérito do valioso trabalho que ele desenvolveu ao iniciar o estudo pormenorizado do grupo tsonga, fornecendo elementos substanciais a uma gama de estudos posteriores, seria importante reavaliar os critérios tomados para a classificação do grupo. Na sua classificação parecem ter pesado mais factores de natureza histórica ligados às origens étnicas dos grupos através do estudo das suas tradições orais e das remanescências de traços do passado bem como denominações geograficamente relativas como N’walungu (Norte), Dzonga (Sul), ou de posse como hlengwe (riqueza), por aí em diante. Mas ele negligencia factores de natureza aculturacionais resultantes de forças de natureza económica, linguística, política, sistemas matrimoniais todos motivadores da dinâmica cultural que poderão ter jogado um papel bastante importante no esquecimento das diferenças do passado etno- ancestral para assumirem novas referências pan-tsonga, com uma nova geografia baseada em variações linguísticas, económicas, políticas, sistemas de parentesco, tal como os tsonga evidentemente se apresentam.

Talvez Junod tenha dado mais importância à teoria estruto-funcionalista como bom discípulo da escola sociológica francesa do seu tempo, em detrimento das suas próprias convicções pois ele mostra hipoteticamente a ocorrência do fenómeno aculturacional na unificação organicista do grupo tsonga, mas sem, no entanto, tirar disso proveito para a sua classificação. Ele não tem dúvida de que “a tribo tsonga é formada de populações de origens diversas, que invadiram a região por diferentes lados”. Porém, a língua falada por eles apresenta um desenvolvimento orgânico, segundo ele, “como uma árvore cujos ramos crescem, afastando- se cada uns dos outros, até que se formem os dialectos, cada um com os seus sons particulares”. Ao que ele aventa, como única explicação plausível destes dois factos, aparentemente contraditórios, a hipótese de os invasores terem adoptado da população primitiva sem a alterarem a ponto de contrariar a sua evolução natural. E caso isso seja aceite na sua óptica a língua tsonga deve ser considerada o elemento mais antigo da vida do grupo étnico tsonga, e se pode compreender como esta lhe deve a sua unidade.

Os trabalhos desenvolvidos desde a década de 1960 no campo de arqueologia já provaram conclusivamente a presença de grupos bantu proto-tsongas nas planícies costeiras do Sul de Moçambique desde o princípio do primeiro milénio da era cristã o que transforma o que para

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Junod constituía uma hipótese em verdade cientificamente comprovada. É menos provável que esses grupos proto-tsongas não falassem uma língua ou tenham sido completamente exterminados com as suas culturas e línguas pelos recém-chegados. Continuando sem provas apenas em todas as ciências já aplicadas no estudo deste grupo, o carácter organicista do seu desenvolvimento em decorrência de não se poder determinar onde se pode localizar o tronco e os ramos do tsonga.

Junod considera pré-histórico o período pré-gâmico, em que a reconstituição do passado tsonga é feita através de fontes não escritas. Para a reconstituição desse passado Junod recorreu apenas a tradição oral que para ele não é possível recuar para além de 8 a 10 gerações. Considerando, segundo ele que em média uma geração dura 30 anos não era possível recuar para além de 250 anos em média. Esta é uma posição a ponderar tomando em conta que no tempo em que ele realizou a sua investigação as teses hegelianas ainda não tinham adversário, mas também porque nesse período nem o próprio método de tradição oral tinha sido cientificamente elaborado, coube a J. Vansina desenvolver esse empreendimento já nos finais do século XX , nem a arqueologia tinha sido suficientemente desenvolvida para fornecer informações substanciais sobre o passado das sociedades ágrafas. Hoje essa periodização é bastante questionada pelos africanistas que temem ver grande parte da história de África relegada a condição de pré-história. Com razão, pois, a história é feita pelos grupos humanos e não pelo historiador, cabendo a este último a sistematização do conhecimento histórico existente apenas. Assim sendo nada lhe permite relegar as realizações humanas memorizadas de forma inacessível pelos seus engenhos científicos à condição de pré-história. A reconstituição da história dos tsongas anterior a era gâmica tem sido possível através da arqueologia, linguística e, acima de tudo, da tradição oral uma vez que o grupo não desenvolveu nenhum sistema endógeno da escrita. A informação escrita referente a segmentos sociais deste grupo começou a afluir a partir dos finais do século XV (1498), e início do século XVI, quando entrou em contacto com os portugueses. A informação escrita foi aumentando e diversificando-se quando os contactos com elementos externos conhecedores da escrita iam intensificando e diversificando-se.