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A primeira fase que vai até ao advento da II Guerra Mundial é de racionamento e congelamento. O Acto Colonial de 1930 apresentava claramente as disposições coloniais de Salazar nessa primeira fase, é onde se encontravam esclarecidos os princípios que norteavam toda a política colonial portuguesa. De acordo com o seu nível de desenvolvimento e os seus recursos próprios, nos termos do referido Acto Colonial o artigo 28º dispunha que às colónias são garantidas a descentralização administrativa geral e a autonomia financeira, mas compatíveis com a Constituição Política da República. Na essência a política pretendia garantir que as colónias suprissem por si as suas despesas públicas e libertar as finanças

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metropolitanas dos seus encargos financeiros sem, no entanto, se beneficiarem de nenhuma descentralização política.

“Oliveira Salazar, ministro das finanças até 1932, depois chefe do governo, detinha igualmente a pasta das colónias, impôs um austero racionamento económico com o qual pretendia debelar os efeitos decorrentes da grande recessão de 1929. Instituindo uma política que dava maior prioridade à estabilidade que ao crescimento, assegurando o equilíbrio das finanças em detrimento do desenvolvimento económico e social, Salazar, deitava mão das recomendações da Liga das Nações, reduziu ao mínimo possível os gastos públicos, e, necessariamente, foi nas colónias que mais se fizeram sentir os efeitos dessa política económica restritiva” (Pereira, 1986: 207).

Em meados do século XX a ordem colonial, embora atrasada, parecia estável. O regime de Salazar no poder em Portugal desde finais da década de 1920, havia edificado um império português mais integrado, expandindo o cultivo forçado das culturas de rendimento por indígenas africanos e esforçando-se em transformar Moçambique numa colónia de povoamento branco tal como o eram a África do Sul e Rodésia do Sul sob regimes de minorias brancas. Para alcançar o seu propósito Salazar encorajou o estabelecimento de colonos portugueses camponeses em áreas com grandes potencialidades agrícolas. A ideologia corporativa de Salazar era contra as poderosas ideias democráticas e liberais, tanto na metrópole colonial como em África. Na concepção de Salazar a independência das colónias nem sequer era uma questão porque eram parte integrante de Portugal (Minter, 1998: 17).

Desta forma, Salazar e o seu Estado Novo, bastante burocrático e centralizado apoiado por uma polícia de segurança cada vez mais eficaz havia tentado isolar Moçambique das mudanças que se operavam noutras partes da África. O baixo nível de literacia e a educação, bem como a falta de sindicatos ou quaisquer outras formas de organização africana que tivessem dado origem ao nacionalismo noutras partes de África bem como a acção do catolicismo português reforçado a partir de 1940 com a assinatura da Concordata que lhe concedeu largas vantagens comparativas nas colónias, principalmente na educação dos indígenas, contribuíram para o sucesso da política colonial de Salazar (Newitt, 1997: 450). Esta é a razão pela qual até finais da década de 1950 não eram claramente visíveis, em Moçambique, situações como a do protesto africano da África do Sul ou o entusiasmo nacionalista verificado noutras colónias africanas.

Ideologicamente Salazar é produto da democracia cristã/catolicismo social do Centro Católico Português (Leal, 1999), por isso, com a sua ascensão ao poder e a instauração do seu regime punha-se fim ao ambiente saudosista de união do Estado com a igreja de finais da monarquia,

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o que dificultava a autonomia da Igreja. E, acabavam também com o ambiente agressivo contra a igreja, criado pela separação de 1911, pela qual o governo republicano tinha em vista a supressão da Igreja (Sousa & Correia, 2007: 75). Tudo isso foi consumado pela assinatura, a 7 de Março de 1940, pelo Estado português e o Vaticano de uma Concordata, seguida pelo respectivo regulamento designado Estatuto Missionário de 1941 que detalhava os princípios e fundamentos da acção da Igreja definidos pela Concordata (Gomez, 1999; Souto, 2007; Machili, 2008).

A grande preocupação nestes acordos era a relação com as antigas colónias, numa altura em que já se fazia sentir o impacto da Sociedade das Nações e da doutrina de 1920 sobre a autodeterminação dos povos criada pelos Estados Unidos da América. Coincide ainda com o momento em que as elites instruídas africanas já começavam a reivindicar a sua representação política dentro do quadro das instituições coloniais ou fora delas e, por meio da literatura realçavam o valor da tradição e da autenticidade africanas (na fórmula negritude) ao mesmo tempo que apregoavam a unidade e solidariedade entre os negros de todo o mundo (pan- africanismo), tendo posteriormente se concentrado na ideia das independências nacionais e unidade africana. Desta forma a resistência à dominação colonial ganhava uma dimensão mais pensada e organizada (Machili, 2008: 2). É dentro deste contexto que também nas colónias portuguesas o nacionalismo começou a surgir entre a minoria educada, quer fossem ou não oficialmente assimilados.

A política colonial portuguesa identificava-se teoricamente com os princípios universalista do homem, mas a prática administrativa no terreno contrariava o preconizado em teoria. A crioulização em Moçambique foi um fenómeno resultante de aventuras particulares de um extrato social marginal da sociedade portuguesa e goesa (degredados, desertores, comerciantes, missionários, aventureiros) carecida do necessário amparo oficial do Estado. O Estado limitou-se a adoptar, de forma paliativa, medidas administrativas e legais para legitimar realidades sociais já consumadas e sempre tendia hierarquizar a sociedade com base em princípios raciais subalternizando o extrato negro dificultando a integração da sociedade e, dessa forma, contrariando o princípio universalista da política portuguesa teoricamente apresentada pelo Estado.

O processo aculturacional não era antecedido por uma plataforma teórica coerente que conferisse uma base sustentável a prática no terreno. Desde a burguesia de ouro e escravos dos prazos do vale do Zambeze e do Norte à burguesia de marfim de Inhambane e Lourenço

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Marques mista e assimilada, as medidas administrativas e legais visavam simplesmente garantir o controlo social ao invés de planear capacidades. A marginalização do sector negro foi sempre uma constante que acabou fazendo-o refugiar-se no protestantismo, messianismo, pan-africanismo, cooperativismo, partidos políticos e escapar o controlo político-cultural do Estado. É este sector (negro) legalmente marginalizado nos círculos de poder económico e político que ao aceder por outras vias a instrução, graças as igrejas (protestantes e também católica) organiza-se político e economicamente (movimento cooperativo) para contestar a ordem colonial estabelecida.

Também a distância em relação a metrópole acabava anulando os esporádicos esforços de incremento da população branca acabando por se recorrer aos asiáticos para fechar esse vazio. Mas os asiáticos não eram portugueses, por isso, largos sectores da sociedade negra das zonas rurais não tiveram ocasião de entrarem directamente em contacto com a cultura portuguesa. Por fim, a proximidade com a África do Sul, o maior polo económico da região ofuscava os esforços da captura do sector negro do Sul de Moçambique atraído pela próspera economia sul africana sem paralelo nos empreendimentos portugueses locais.

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CAPÍTULO VI: DA CONSCIÊNCIA ÉTNICA TSONGA-CHANGANA À CONSCIÊNCIA NACIONAL MOÇAMBICANA